quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Manoel Fernandes Menendes (Sete Notas Tem a Trova)


Ouço, freqüentemente, as pessoas que assistem aos nossos Jogos Florais, e que gostariam de participar, uma pergunta: 

– Como se aprende a fazer trova? 

Queixam-se, essas pessoas, de que os manuais de versificação ou, mesmo, os decálogos divulgados pela UBT, apesar de considerados excelentes, não lhes fornecem uma informação clara e precisa sobre o tema, isto é, não indicam, desde logo, um meio prático e rápido de compor, com segurança e acerto, a quadra setessilábica consagrada entre nós com o nome de “trova”, objeto de nossos concursos. 

Procurarei, neste breve espaço, resumir, a pedido do Presidente Milton Nunes Loureiro, a palestra que, sobre essa questão e com o título “A Música e a Poesia”, tenho feito, em diversas oportunidades e lugares, para facilitar a tarefa dos trovadores aprendizes. 

Dizem alguns antropólogos que o ser humano, antes de falar, cantou. Que a palavra primitiva – imitação das vozes e dos sons da natureza – era cantada. Verdade ou não, certo é que, desde remotas eras, em cerimônias religiosas ou manifestações políticas ou festas propiciatórias, a música andou de mãos dadas com a poesia, não raro também acompanhada da dança. Recordem-se, aqui, as odes líricas gregas, os salmos de Davi, os cantos heróicos de Homero, para citar apenas esses. Com o tempo, a poesia passou a ser simplesmente recitada – lida ou falada. Mas guardou indeléveis sinais de sua origem, sendo exato que a medida do verso ritmado nasceu do compasso melódico (música e dança.). Por isso, para atender ao meu propósito, sugiro um reencontro da poesia com sua velha companheira das épocas primordiais. 

Recorro, para ensejar essa reaproximação, à música popular, dela retirando exemplos que tornam acessíveis aos leigos as normas próprias do gênero literário. 

Os tratados de versificação ensinam que o verso tradicional é composto de pés ou sílabas, e que a métrica portuguesa admite os versos de uma (1) até doze (12) sílabas, alguns deles (os de 8, 9, 10, 11 e 12) com pausas obrigatórias peculiares, remanescência das velhas pausas musicais, base do ritmo. A contagem dessas sílabas é algo complicado e obedece a regras específicas. Mas, se utilizarmos o processo (que adotei) de acomodar a letra (as palavras do verso) a um molde musical preestabelecido, escolhendo uma forma para enchê-la com palavras, todas as dificuldades ficam superadas. 

Vamos à prova. 

Para modelo do verso de 12 sílabas, (o alexandrino), escolhi uma belíssima valsa de Paulo Medeyros, cantada por Sílvio Caldas: 

“Sorris da minha dor, mas eu te quero ainda, 
sentindo-me feliz, sonhando-te mais linda...” 

Com essa melodia, pode-se cantar o célebre soneto de Alceu Wamosy, “Duas almas”, escrito em versos alexandrinos: 

“Ó tu, que vens de longe! ó tu, que vens cansada...” 

Ou o famoso soneto de Bilac, “Virgens Mortas”: 
“Quando uma virgem morre, uma estrela aparece...” 

Para os versos de 10 sílabas, encontramos vários moldes, que podem ser aproveitados de diversas maneiras. 

Temos o Hino Nacional Brasileiro (“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas...”), “A voz do violão” de Francisco Alves (“Não queiras, meu amor, saber da mágoa...”), “Chão de estrelas” de Orestes Barbosa (“Minha vida era um palco iluminado...”), o bolero “La barca” (“Dicen que la distancia es el olvido...”), por exemplo. Com qualquer desses conhecidos moldes, poderemos cantar estes conhecidos decassílabos: 

1 – “As armas e os barões assinalados...” 
(Camões) 

2 – “Sete anos de pastor, Jacó servia...” 
(Camões) 

3 – “Só a leve esperança, em toda a vida, 
disfarça a pena de viver, mais nada...” 
(Vicente de Carvalho) 

4 – “Vai-se a primeira pomba despertada...” 
(Raimundo Corrêa) 

5 – “Se a cólera que espuma, a dor que mora...” 
(Raimundo Corrêa) 

No caso do verso de sete (7) sílabas, metro obrigatório da trova, a coisa ainda fica mais simples, porque esse é o verso mais comum da Música Popular Brasileira. Os cantores de seresta sabem-no por experiência própria. Se não, vejamos: 

1 – “Fugindo da nostalgia, 
fui procurar alegria 
na ilusão de um cabaré...” 
(A mulher que ficou na taça) 

2 – “Olho a rosa na janela, 
sonho um sonho pequenino...” 
(Modinha) 

3 – “Vestida de azul e branco, 
trazendo um sorriso franco...” 
(Normalista) 

4 – “Nosso amor que eu não esqueço, 
e que teve o seu começo 
numa festa de São João...” 
(Último desejo) 

5 – “Estava à toa na vida, 
o meu amor me chamou 
pra ver a banda passar 
cantando coisas de amor...” 
(A banda) 

Para aplicar essas noções ao exercício da trova, costumo indicar três moldes, tomados à MPB, ao folclore e, até, à música popular italiana: “Peguei um Ita no Norte”, de Dorival Caymmi; “Meu limão, meu limoeiro”, canto folclórico; e “Torna a Surriento”, do cancioneiro napolitano. Uma trova corretamente feita, sem a necessidade de contarmos as sílabas pelos dedos, mas apenas com apoio num bom ouvido, ligando-se as palavras naturalmente, como na linguagem falada, encaixa-se, como numa luva, em qualquer desses moldes musicais. Querem experimentar? Comecemos pela toada de Caymmi: 

“Peguei um Ita no Norte, 
pra vir no Rio morá, 
adeus, meu pai, minha mãe, 
adeus, Belém do Pará...” 

Com a melodia dessa toada, é possível cantar estas trovas: 

1 – “Eu quis, na cara ou coroa 
saber se és minha ou do Zé 
fiquei na mesma. Esta é boa! 
O níquel caiu de pé!” 
Colbert Rangel Coelho 

2 – “Maria da Graça é uma 
cachopa de olhos em brasa 
vive sozinha, não fuma, 
e tem cinzeiros em casa!” 
Augusto Gil 

Com a melodia de “Meu limão, meu limoeiro” e de “Torna a Surriento” obtém-se o mesmo efeito: 

1 – “Meu limão, meu limoeiro, 
meu pé de jacarandá: 
Uma vez, tindô-lelê, 
outra vez, tindô-lalá...” 

2 – “Vide ‘o mare quant’è bello, 
spira tantu sentimento, 
comme tu a chi tiene mente, 
ca scetato ‘o faie sunná...” 

Penso que bastam essas explicações para demonstrar que o processo é prático e rápido. 

No início, o aprendiz pode exercitar-se com frases e palavras sem sentido, ligadas arbitrariamente, desconexas, procurando adaptá-las ao molde musical. Depois, adquirindo o hábito, os versos irão formar-se naturalmente, até pelo cotejo com as trovas de autores mais experimentados. E no meio, como diria o poeta espanhol, no meio “hay que poner talento”. Quanto a isto, não tenho dúvida: existe, por aí, de sobra.

Fonte:
Seleções em Folha. Ano 4. N.1 – janeiro 2000. São Paulo/SP

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