quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Ivan Herzog de Oliveira (Namoro nos Anos Dourados)


Arranjou uma namorada carioca, coisa linda de morrer, no seu tipo mignon, na sua tez morena de menina de Copacabana. Conheceu-a em Petrópolis e entre as muitas cartas trocadas, havia sempre um fim-de-semana para ir encontrá-la no Rio. 

Eram os anos dourados, fins da década de 50, fim de um tempo que não volta mais. 

Embora maiores de idade, o namoro, pelo menos da parte dela, era mantido em segredo perante seus parentes. 

E os dois adoravam quando se encontravam, quando conseguiam se falar por telefone, até gozando os momentos que passariam juntos no sábado e marcando os detalhes para irem à praia ou a uma festa em casa de parentes dele, que os tinha no Rio. 

A única praia que podiam freqüentar era a Praia Vermelha, na Urca. Razão: a única que dispunha de cabines para a troca de roupa, pois ele não poderia sair de Petrópolis, tomar um lotação para Copacabana na Praça Mauá e de lá, da Rua Barata Ribeiro, tomar outro lotação até a Av. Pasteur onde saltavam e iam a pé até a Urca, vestindo um short ou uma bermuda, coisa que qualquer garotão faz hoje. Naqueles tempos dourados, nem pensar. Ainda havia decoro e respeito pelo próximo. 

Esta era a odisséia do nosso herói, cada vez que descia para encontrar seu amor. 

Sair de Petrópolis bem cedo, saltar na praça Mauá, embarcar em um bólido Mauá-Copacabana, geralmente dirigido por um alienado, descer na Barata Ribeiro, esperar sua namorada quase uma hora na porta do edifício onde ela morava, andar até a N. S. de Copacabana e lá embarcar em outro bólido que passasse pelo Iate Club, onde saltavam e depois de uma última caminhada, a triunfal chegada à praia. 

Mas, em nome do amor e pelo amor, se faz qualquer sacrifício, para que ele “seja eterno enquanto dure”, não é verdade, Vinícius de Moraes? 

Em um desses dias, depois dessas peripécias todas, heis os dois à beira-mar, prontos para o primeiro e refrescante mergulho nas águas outrora límpidas. 

De pé sobre umas pedras quase à flor d’água, quando a mansa onda vem, ela grita e mergulha “Vamos, meu bem!” 

Por uma fração de segundo ele titubeia. Quando a onda vai, ele também. Sai da água metros adiante, ainda dando pé. Ela já o aguarda, pronta para lhe dar um caldo, e se possível, trocar um furtivo beijo, coisa rápida e esquiva, não era como essa chupação que se vê hoje em dia em qualquer lugar, a qualquer hora do dia. Aqueles eram os anos dourados! 

Onde é que eu estava mesmo? Ah! Nosso herói se espanta com a cara de espanto da sua amada. Ela está simplesmente horrorizada! 

– Meu amor, o que aconteceu? Você está coberto de sangue, da cabeça até a cintura. 

Realmente. Ao mergulhar, ele raspara toda a parte frontal do corpo no fundo, na areia cheia de pedacinhos de mariscos e conchas. Do alto da testa até aos joelhos. A água salgada não o deixara sentir assim de pronto, o que acontecera. 

– Vamos já para o pronto-socorro! 

– Não é preciso, meu bem. Foi superficial, nenhum arranhão mais profundo... 

– Não senhor. Vamos já. Ali em frente tem uma farmácia. 

Na farmácia, um vidro de mercurio-cromo foi fartamente aspergido pelos arranhões. O sangue parou de correr, mas o dito cujo ficou parecendo um índio pintado para a guerra com os caras-pálidas. 

Depois dessa, nada mais a fazer do que recolher a roupa, trocá-la entre gemidos e fazer todo o percurso inversamente, mas chamando a atenção de meio mundo para eles. Ela, se desdobrando em cuidados e carinhos para com seu amado e ele, com a cara mais infeliz do mundo. 

Ao chegar em casa, de tardinha, a mãe se espanta: 

– Meu filho! Que foi isso? Você foi atropelado? Eu não te disse para não se meter a namorar no Rio? 

– Não, mãe. Não foi nada disso. Não é nada grave. O diabo não é tão feio como o pintam... 

Fonte:
Arca de Não É, 1993 

Nenhum comentário: