quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Soares de Passos (Sócrates)


Já próximo do ocaso vai descendo
O sol ao mar inquieto,
Os moribundos raios estendendo
Nas alturas do Hymeto;
E Sócrates, sentado sobre o leito,
Inda aos alunos fala,
No silêncio geral notando o efeito
Da razão que os abala.
A verdade sublime lhes revela
Em palavras ignotas,
Suaves como a voz de Filomela
Ou do cisne do Eurotas.
Cebes, o próprio Cebes emudece,
Simias já não duvida:
Nus olhos do inspirado resplandece
Um Deus e a eterna vida!

Mas o sol expirava: era o momento
Que Atenas decretara:
Cumpre os deuses vingar: o sábio atento
À morte se prepara.
Os discípulos tremem, contemplando
O dia já no resto;
Eis o servo das onze entra chorando
No cárcere funesto.
O círculo cruzando, a brônzea taça
A Sócrates estende;
O filósofo a empunha com a graça
Que nos festins resplende.
«Ergamos, disse, nossa prece Aquele
«Que ao longe nos convida,
«Por que seja feliz por meio d'Ele
«A viagem temida.»
E aproximando intrépido e sereno
A líquida cicuta,
Como néctar a esgota, e do veneno
Entrega a taça enxuta.

Um lamento geral, um só transporte
Percorre em torno o bando
Dos alunos fiéis, chorando a sorte
Do mestre venerando.
Apolodoro geme; sucumbindo,
Críton lhe responde;
Fédon abaixa os olhos, e carpindo
No manto o rosto esconde.
Ele sem vacilar, ele somente,
Sorrindo á turba ansiada:
«Amigos, que fazeis? um sol fulgente
«Me luz em nova estrada.

«De presságios felizes rodeemos
«Os últimos instantes!
Chore quem não tem fé – nós que já cremos,
«Nós sejamos constantes!»
Disse, e deixando o leito em que jazia,
Sereno move o passo,
Que o veneno letárgico devia
Obrar pelo cansaço.
Das grades se aproxima, olha o Pártenon,
Olha os muros d'Atenas,
O Falero, o Pireu e as que lhe acenam,
Regiões tão serenas;
Olha os céus, olha a terra, a luz do dia
Expirando nas vagas,
E de harmonias tais se ergue à harmonia
De mais ditosas plagas.
Depois, volvendo ao leito, diz a tudo
O adeus de despedida:
Cobre o rosto co manto e aguarda mudo,
O instante da partida.

O veneno progride, e já do efeito
Redobra a intensidade;
Dos membros se apodera, sobe ao peito,
E o coração lhe invade.
Estremeceu! do gélido trespasse
Era enfim a agonia...
O executor lhe descobriu a face:
Sócrates não vivia!

Triunfa, cega Atenas, ao martírio
O sábio condenaste,
E d'olímpicos deuses no delírio
A razão enjeitaste;
À voz do Areópago, à voz de ferro
Sufocaste a doutrina:
A verdade sucumbe, a sombra do erro
No mundo predomina.

Mas que estrela futura se levanta
Rasgando a escuridade?
Que palavra ressoa, e o mundo espanta
Pregando a alta verdade?
E ele, e ele, o prometido às gentes
Na voz das profecias!
Curvai, ó gerações, curvai as frentes
Ao Verbo do Messias!

Fonte: 
Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource

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