terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Cordélia Brasil)


Primeiro texto de Antônio Bivar a chamar a atenção, encenado por Emílio Di Biasi, que estréia na direção e protagonizado pela musa do cinema nacional, Norma Bengell. A peça causa polêmica por mostrar a vida íntima de um casal e valorizar a subjetividade das personagens, que expressam sem pudores suas misérias tendência que diverge da dramaturgia engajada da geração anterior.

Para sustentar seu companheiro Leônidas, que sonha em ser escritor de histórias em quadrinhos, Cordélia, além de trabalhar como auxiliar de escritório, começa a se prostituir. Ela traz para casa um jovem de 16 anos, Rico, que acaba morando com eles. Forma-se então um triângulo, em que se insinua a cumplicidade entre os dois homens, já que Rico se identifica com o comportamento de Leônidas para com Cordélia. A relação torna-se cada vez mais conflituosa, acabando por precipitar um desfecho trágico que, paradoxalmente, é tratado de forma poética e absurda. 

Entre 1968 e 1969, estréiam vários jovens autores que começam a despontar com uma nova dramaturgia, tributária da trilha aberta por Plínio Marcos, mostrando a exacerbação de conflitos entre personagens marginalizadas: Leilah Assumpção, Consuelo de Castro, José Vicente e Isabel Câmara. Segundo Sábato Magaldi, "a desilusão pelo recuo do movimento internacional de maio de 1968, as forças repressoras que tomaram maior fôlego com o Ato Institucional nº 5, o escárnio do Poder diante das necessidades legítimas do povo forçaram esse grupo a defender-se em códigos subjetivos, confundidos com a idéia de que ele via o mundo a partir do próprio umbigo. A ausência de preconceitos encontrará, nessa dramaturgia, o resultado da sufocação, a que se deu resposta rebelde, de vários tipos".1

O texto, cujo título original é O Começo É Sempre Difícil, Cordélia Brasil, Vamos Tentar Outra Vez, é premiado no 1º Seminário de Dramaturgia do Rio de Janeiro, em 1967. No ano seguinte, a montagem é interditada pela Censura durante o período de ensaios, juntamente com Barrela, de Plínio Marcos, e Santidade, de José Vicente. Uma leitura dramática é organizada na cobertura de Danusa Leão para que os intelectuais cariocas conheçam a obra. O evento é bem-sucedido e os críticos vão aos jornais interceder pela liberação do texto, que consegue subir à cena ainda em 1968, com o título de Cordélia Brasil, no Teatro Mesbla.

Enfatizando aspectos da construção do texto, analisa Yan Michalski: "À medida que o desfecho se aproxima, Bivar introduz no tom de realismo, até então característico da peça, um surpreendente elemento de fantasia, que cresce e se expande com enorme rapidez, a ponto de acabar por sobrepor-se, inexoravelmente, ao realismo. A saída final de Leônidas se desenrola num clima de alucinada lógica sem lógica, que me faz pensar, toda vez que releio a peça, em Pierrot le Fou, de Godard; e o suicídio de Cordélia é, ao mesmo tempo, comovente e engraçado na sua cafonice: as últimas palavras da heroína, que se referem à marca que ela deixará da sua passagem pela Terra - uma fotografia para a qual posou nua, na praia, a pedido de um fotógrafo americano -, constituem uma das mais poéticas contribuições para a antologia de nosso florescente tropicalismo. A facilidade com a qual Bivar conseguiu passar do realismo para a fantasia me pareceu constituir a mais evidente prova do seu talento".2

A crítica se divide quanto à encenação de Emílio Di Biasi, alguns considerando o espetáculo jovem e imaturo, mas Bivar é amplamente elogiado na imprensa, e a presença de Norma Bengell como protagonista garante o afluxo do público ao teatro. 
O espetáculo viaja a São Paulo, é apresentado no Teatro de Arena e ganha os prêmios Associação Paulista dos Críticos de Artes, APCA, e Governador do Estado de melhor autor para Bivar e APCA de melhor atriz para Norma Bengell. Durante a temporada paulista, Bengell é seqüestrada por dois dias pelos agentes da repressão, acirrando o confronto entre a classe teatral e a ditadura militar.

Vinte anos depois, afirma o crítico Sábato Magaldi: "Cordélia Brasil já é um clássico do moderno repertório teatral brasileiro".3
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Notas 

1. MAGALDI, Sábato. Panorama do Teatro Brasileiro. São Paulo: Global, 1997, p. 308-309.

2 . MICHALSKI, Yan. Suicídio Tropical. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 1968. In: BIVAR, Antonio. As Três Primeiras Peças. Londrina, Azougue Editorial e Atrito Art. Editorial, 2002, p. 15.

3. MAGALDI, Sábato. Sem Título. In: BIVAR, Antonio. As Três Primeiras Peças. Londrina, Azougue Editorial e Atrito Art. Editorial, 2002, p. 17.

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