SAUDADE
(a minha esposa, in memoriam)
Teu desencarne fez-me descontente,
com a alma e o coração sempre em quebranto;
do nosso lar foi embora o antigo encanto
que tu levaste assim... tão de repente!
Do alto onde estás podes sentir o quanto
por ti pranteio ao te sentir ausente,
e nada existe que tão fortemente
me incline à solidão e ao desencanto!
Não mais teus lábios, nem os teus abraços
tentei buscar noutros alheios braços,
preso à paixão que só por ti nutria!
E hoje vergado a esta infelicidade,
a Dor se fez a esposa do meu dia,
e à noite faço amor com a Saudade!
AGORA...
Agora que o meu sonho está desfeito,
e enfim sepultos os meus ideais;
agora que, ao invés de madrigais,
choram dobres de réquiens no meu peito;
agora que me foge até o direito
de imaginar-te em sonhos irreais;
agora que ilusões não me vêm mais
ao coração magoado e insatisfeito;
que eu siga só, o meu trágico caminho,
onde da sorte a aguda e acerba foice
ceifou-me as dádivas do teu carinho;
que por ti meu coração não mais baloice...
ah... deixa-me esquecer-te, aqui sozinho,
soprando o pó de um grande amor que foi-se!
MIGALHAS
Que mais desejas, afinal, que eu faça
pra ter por meu o que de ti não tenho,
se já cansado estou de tanto empenho
de haurir de ti a mais suprema graça?
Há quanto tempo mendigando eu venho
um pouco mais que esta ventura escassa!
Do amor apenas pingos pões-me à taça
que eu sorvo ao jugo de pesado lenho!
Somente a um outro, nas liriais toalhas
da mesa de Eros serves tua paixão,
mesa em que, pródiga, teus bens espalhas!
E ali enjeitado, a farejar o chão,
o meu amor vive a lamber migalhas
que tu lhe atiras qual se fora a um cão!
MÃE!
Tu foste, mãe, na treva a claridade,
na dor meu riso e na tormenta o norte,
a doce companheira e a consorte
das minhas horas de infelicidade!
Que anjo não foste, toda vez que a sorte
não me sorriu! E com que imensidade
de amor, desvelo e angelical bondade
tu me ensinaste a ser paciente e forte!
E hoje a alegria anda a sorrir nos ares...
é o “Dia das Mães” numa porção de lares
e eu vou fingindo que inda o comemoro!
Finjo, mãezinha, até que em doce jeito
vens doer tão tristemente no meu peito,
que eu cerro os olhos, pendo a fronte... E choro!
O AMANHÃ
Acreditemos, poetas, no amanhã
que está chegando após tardia demora,
quando todos os seres, de alma sã,
serão mais puros do que são agora.
Se unirmos forças nesse nobre afã,
todos os vícios hão de ir embora;
e a idéia de uma sociedade irmã
propaguemos, ó vates, mundo afora!
Ter nalma o brilho que arde nas estrelas
não são lucubrações de mero acaso
e até na Terra é fácil concebê-las.
Se à perfeição nós, vates, dermos azo
no céu seremos endeusados pelas
argivas nove musas do Parnaso!
RESGATE DAS CORES
Aquarelas do amor há, que descoram
se expostas a um desejo insatisfeito.
Se presas a um anseio contrafeito,
em vez de rir todas as cores choram!
Janelas fecham-se e jardins desfloram,
vazios de flores no deserto leito,
qual se chorassem o ideal desfeito
em findas ilusões que se evaporam!
Talvez por força de fatais adágios
jamais os tons da cor e da emoção
conservam para sempre iguais estágios.
Mas reverte o sol de um sim a situação:
ordena lave a chuva os maus presságios,
e em riso e cores ri-se o coração!
CILADAS DA VIDA
Ao marulho das vagas que separam
este imenso Brasil de Portugal,
dois seres, num destino desigual,
em dois sonetos seu amor declaram.
Se amam demais, porém seria fatal
o malogro dos bens com que sonharam;
talvez nem um, nem outro cogitaram
de não chegar tal sonho a um bom final.
Ah... quanto almejariam, pessoalmente,
trocar um beijo apenas, frente a frente,
pra consumar o amor que hoje os seduz!
Porém, a sorte, alheia a tais instantes,
coloca o Atlântico entre os dois amantes
e os crucifica sobre a mesma cruz!
TÉDIO
A mesma dor, o mesmo nada em tudo,
uma ânsia funda de morrer, chorar;
na alma engasgado um sentimento mudo,
e em tudo o nada de um vazio lunar...
A fronte baixa... nas feições o agudo
vinco das rugas, a testemunhar
que o sofrimento anda afinal desnudo
na dor que franze-me o semblante e o olhar...
olhar há tanto, acostumado ao pranto,
e à dor há tanto tempo acostumado,
que nem teus nãos me causam medo ou espanto!
E já nem sei, a este martírio atado,
se o que mais dói é ter te amado tanto,
ou se dói mais o não ter sido amado!
Fontes:
Bernardo Trancoso. http://www.sonetos.com.br/meulivro.php?a=40
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