quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Humberto Rodrigues Neto /SP (Sonetos Avulsos I)


SAUDADE
(a minha esposa, in memoriam)

 Teu desencarne fez-me descontente,
 com a alma e o coração sempre em quebranto;
 do nosso lar foi embora o antigo encanto
 que tu levaste assim... tão de repente!

 Do alto onde estás podes sentir o quanto
 por ti pranteio ao te sentir ausente,
 e nada existe que tão fortemente
 me incline à solidão e ao desencanto!

 Não mais teus lábios, nem os teus abraços
 tentei buscar noutros alheios braços,
 preso à paixão que só por ti nutria!

 E hoje vergado a esta infelicidade,
 a Dor se fez a esposa do meu dia,
 e à noite faço amor com a Saudade!

 AGORA...

 Agora que o meu sonho está desfeito,
 e enfim sepultos os meus ideais;
 agora que, ao invés de madrigais,
 choram dobres de réquiens no meu peito;

 agora que me foge até o direito
 de imaginar-te em sonhos irreais;
 agora que ilusões não me vêm mais
 ao coração magoado e insatisfeito;

 que eu siga só, o meu trágico caminho,
 onde da sorte a aguda e acerba foice
 ceifou-me as dádivas do teu carinho;

 que por ti meu coração não mais baloice...
 ah... deixa-me esquecer-te, aqui sozinho,
 soprando o pó de um grande amor que foi-se!

 MIGALHAS

 Que mais desejas, afinal, que eu faça
 pra ter por meu o que de ti não tenho,
 se já cansado estou de tanto empenho
 de haurir de ti a mais suprema graça?

 Há quanto tempo mendigando eu venho
 um pouco mais que esta ventura escassa!
 Do amor apenas pingos pões-me à taça
 que eu sorvo ao jugo de pesado lenho!

 Somente a um outro, nas liriais toalhas
 da mesa de Eros serves tua paixão,
 mesa em que, pródiga, teus bens espalhas!

 E ali enjeitado, a farejar o chão,
 o meu amor vive a lamber migalhas
 que tu lhe atiras qual se fora a um cão!

MÃE!

Tu foste, mãe, na treva a claridade,
 na dor meu riso e na tormenta o norte,
 a doce companheira e a consorte
 das minhas horas de infelicidade!

 Que anjo não foste, toda vez que a sorte
 não me sorriu! E com que imensidade
 de amor, desvelo e angelical bondade
 tu me ensinaste a ser paciente e forte!

 E hoje a alegria anda a sorrir nos ares...
 é o “Dia das Mães” numa porção de lares
 e eu vou fingindo que inda o comemoro!

 Finjo, mãezinha, até que em doce jeito
 vens doer tão tristemente no meu peito,
 que eu cerro os olhos, pendo a fronte... E choro!

O AMANHÃ

 Acreditemos, poetas, no amanhã
 que está chegando após tardia demora,
 quando todos os seres, de alma sã,
 serão mais puros do que são agora.

 Se unirmos forças nesse nobre afã,
 todos os vícios hão de ir embora;
 e a idéia de uma sociedade irmã
 propaguemos, ó vates, mundo afora!

 Ter nalma o brilho que arde nas estrelas
 não são lucubrações de mero acaso
 e até na Terra é fácil concebê-las.

 Se à perfeição nós, vates, dermos azo
 no céu seremos endeusados pelas
 argivas nove musas do Parnaso!

RESGATE DAS CORES

 Aquarelas do amor há, que descoram
 se expostas a um desejo insatisfeito.
 Se presas a um anseio contrafeito,
 em vez de rir todas as cores choram!

 Janelas fecham-se e jardins desfloram,
 vazios de flores no deserto leito,
 qual se chorassem o ideal desfeito
 em findas ilusões que se evaporam!

 Talvez por força de fatais adágios
 jamais os tons da cor e da emoção
 conservam para sempre iguais estágios.

 Mas reverte o sol de um sim a situação:
 ordena lave a chuva os maus presságios,
 e em riso e cores ri-se o coração!

CILADAS DA VIDA

 Ao marulho das vagas que separam
 este imenso Brasil de Portugal,
 dois seres, num destino desigual,
 em dois sonetos seu amor declaram.

 Se amam demais, porém seria fatal
 o malogro dos bens com que sonharam;
 talvez nem um, nem outro cogitaram
 de não chegar tal sonho a um bom final.

 Ah... quanto almejariam, pessoalmente,
 trocar um beijo apenas, frente a frente,
 pra consumar o amor que hoje os seduz!

 Porém, a sorte, alheia a tais instantes,
 coloca o Atlântico entre os dois amantes
 e os crucifica sobre a mesma cruz!

TÉDIO

 A mesma dor, o mesmo nada em tudo,
 uma ânsia funda de morrer, chorar;
 na alma engasgado um sentimento mudo,
 e em tudo o nada de um vazio lunar...

 A fronte baixa... nas feições o agudo
 vinco das rugas, a testemunhar
 que o sofrimento anda afinal desnudo
 na dor que franze-me o semblante e o olhar...

 olhar há tanto, acostumado ao pranto,
 e à dor há tanto tempo acostumado,
 que nem teus nãos me causam medo ou espanto!

 E já nem sei, a este martírio atado,
 se o que mais dói é ter te amado tanto,
 ou se dói mais o não ter sido amado!

Fontes:
Bernardo Trancoso. http://www.sonetos.com.br/meulivro.php?a=40

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