quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 15


Castro Alves
Antonio Frederico de Castro Alves.
(Cachoeira/BA, 14 março 1847 –  Salvador/BA, 6 julho 1871)

" BARBORA "

Erguendo o cálice que o Xerez perfuma,
loura a trança, alastrando-lhe os joelhos,
dentes níveos em lábios tão vermelhos,
como boiando em purpurina espuma;

um dorso de Walkíria . . . alvo, de bruma,
pequenos pés sob infantis artelhos,
olhos vivos, tão vivos, como espelhos,
mas como eles também sem chama alguma;

garganta de um palor alabastrino,
que harmonias, e música respira . . .
No lábio - um beijo. . . no beijar - um hino;

harpa eólia, a esperar que o vento a fira,
- um pedaço de mármore divino . . .
É o retrato de Barbora - a Hetaíra.

" DULCE  "
                                                           
Se houvesse ainda talismã bendito
que desse ao pântano - a corrente pura,
musgo - ao rochedo, festa - à sepultura,
das águias negras - harmonia ao grito...

Se alguém pudesse ao infeliz precito
dar lugar no banquete da ventura...
E trocar-lhe o velar da insônia escura
no poema dos beijos - infinito...

Certo . . . serias tu, donzela casta,
quem me tomasse em meio do Calvário
a cruz de angústias que o meu ser arrasta! . . .

Mas se tudo recusa-me o fadário,
na hora de expirar, ó Dulce, basta
morrer beijando a cruz do teu rosário.

" SONETO A NOBREZA D'ALMA "
                                                           
Aqui, onde o talento verdadeiro
Não nega o povo o merecido preito;
Aqui onde no público respeito
Se conquista o brasão mais lisonjeiro.

Aqui onde o gênio sobranceiro
E, de torpes calúnias, ao efeito,
Jesuína, dos zoilos a despeito,
És tu que ocupas o lugar primeiro!

Repara como o povo te festeja...
Vê como em teu favor se manifesta,
Mau grado a mão, que, oculta, te apedreja!

Fazes bem desprezar quem te molesta;
Ser indif’rente ao regougar da inveja,
"Das almas grandes a nobreza é esta.”
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Castro Menezes
Álvaro de Sá Castro Menezes
(Niterói/RJ, 3 junho 1883 –  Rio de Janeiro/GB, 7 março 1920)

" MUSA PAGÃ "

Junto à herma de um fauno irônico e lascivo
erguida entre mirtais, num bosque silencioso,
certa vez te detive o passo alado e esquivo
e apertei contra mim teu corpo voluptuoso.

Tive a impressão de ser um semideus cativo.
Foi um beijo sensual, um frêmito de gozo . . .
Mas nunca mais senti o aroma quente e ativo
dessa flor, que é teu corpo olímpico e formoso.

Vendo-te hoje passar como uma estátua fria
de Penélope fiel, de novo a fantasia
daquela hora pagã eu rememoro e avivo.

E és sempre, para mim, a ninfa esquiva e linda,
a ninfa que enlacei, numa loucura infinda,
junto à herma de um fauno irônico e lascivo...

" SONETO À CARMEN "

Carmen, sou eu... Aqui me tens, bem perto
de ti, fiel ao doce amor antigo,
casto eflúvio do céu que anda comigo,
única luz no meu destino incerto.

Aqui me tens, em pranto, a sós contigo,
lembrando o nosso lar, hoje deserto ....
Lar feliz, sonho bom de que desperto
para cobrir de rosas teu jazigo...

Junto da tua humilde sepultura,
ajoelho-me, sentindo que na altura,
sob os olhos de Deus leve revoas.

Tua imagem. piedosa. me aparece...
Moves; os lábios numa eterna prece
e me estendes as mãos, e me perdoas...
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Cecília Meireles
Cecilia Meireles Grilo
(Rio de Janeiro/GB, 7 novembro 1901 – Rio de Janeiro/RJ, 9 novembro 1964)

" A INOMINÁVEL "

Leve... - Pluma . . . Surdina... Aroma... Graça...
Qualquer coisa infinita... Amor... Pureza...
Cabelo em sombra, olhar ausente, passa
como a bruma que vai na aragem prêsa . . .

Silenciosa, imprecisa, etérea taça
em que adormece o luar... Delicadeza...
Não se diz... Não se exprime... Não se traça. . .
Fluído... Poesia... Névoa... Flor... Beleza...

Passa. . . - É um morrer de lírios. . . Olhos quase
fechados... Noite... Sono... O gesto é gaze
a estender-se, a alegrar-se... E enquanto vão

fugindo os passos teus, visão perdida,
chovem rosas e estrelas pela vida...
Silêncio! Divindade! Iniciação!
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Celso Pinheiro
(Barras/PI, 24 novembro 1887 – Teresina/PI, 29 junho 1950)

" FLOR INCÓGNITA "

Por essas tardes doces de novenas,
tive um sonho de todo imaginário:
fazer das minhas rimas um rosário
para ofertar-te, irmã das açucenas!

Tu, que és a inveja viva das morenas
e a pérola gentil do meu rimário
guardá-lo-ias, como um relicário,
no teu seio de arminhos e de penas. . .

E se fosses ao templo, como agora,
às tuas orações de tanto enlevo,
bendiria este amor Nossa Senhora. . .

Meu Deus, como seríamos felizes!
Tu rezando os Sonetos que te escrevo,
eu rezando as palavras que me dizes...
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Celso Vieira
Celso Vieira de Matos Melo Pereira
(Garanhuns/PE, 12 janeiro 1878 – Rio de Janeiro, 19 dezembro 1954).

" PLAGON "

Glória imortal da helena fantasia,
maravilha da Forma encantadora!
Não seria mais bela, nem seria
mais orgulhosa se uma Deusa fora.

Ei-la que passa: rútila, irradia
dos seus cabelos a alvorada loura;
ao vê-la, a gente evoca a sinfonia   
do mar da Jônia à Vênus tentadora.

Ei-la que passa: tudo se ilumina
à luz de seus olhares; tudo exalta
seu porte, ao som de sua voz divina . . .

E os anjos voam no infinito ao vê-la,
pois desejam saber se acaso falta
no cortejo da noite alguma estrela!

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963

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