quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Luís Vaz de Camões (Redondilhas)

AMOR QUE EM MEU PENSAMENTO (1595)

Glosa

a este moto seu (acróstico):
A morte, pois que sou vosso,
não na quero, mas se vem,
[h]a-de ser todo meu bem.

–––––
Amor, que em meu pensamento
com tanta fé se fundou,
me tem dado um regimento
que, quando vir meu tormento,
me salve com cujo sou.

E com esta defensão,
com que tudo vencer posso,
diz a causa ao coração:
não tem em mim jurisdição
A morte, pois que sou vosso.

Por experimentar um dia
Amor se me achava forte
nesta fé, como dizia,
me convidou com a morte,
só por ver se a tomaria.

E, como ele seja a cousa
onde está todo o meu bem,
respondi-lhe (como quem
quer dizer mais, e não ousa):
não na quero, mas se vem...

Não disse mais, porque então
entendeu quanto me toca;
e se tinha dito o não,
muitas vezes diz a boca
o que nega o coração.

Toda a cousa defendida
em mais estima se tem:
por isso é cousa sabida
que perder por vós a vida
ha-de ser todo meu bem.

AQUELA CATIVA (1595)

a uma cativa com quem andava de amores na Índia, chamada Bárbora
––––––––-
Aquela cativa,
que me tem cativo,
porque nela vivo
já não quer que viva.

Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que para meus olhos
fosse mais formosa.

Nem no campo flores,
nem no céu estrelas,
me parecem belas
como os meus amores.

Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.

Uma graça viva,
que neles lhe mora,
para ser senhora
de quem é cativa.

Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que trocara a cor.

Leda mansidão
que o siso acompanha;
bem parece estranha,
mas Bárbora não.

Presença serena
que a tormenta amansa;
nela enfim descansa
toda a minha pena.

Esta é a cativa
que me tem cativo,
e, pois nela vivo,
é força que viva.

CAMPOS CHEIOS DE PRAZER (1595)
Glosa

a este mato alheio:
Campos bem-aventurados,
tornai-vos agora tristes,
que os dias em que me vistes
alegre são já passados.

––––––––––––
Campos cheios de prazer,
vós, que estais reverdecendo,
já me alegrei com vos ver;
agora venho a temer
que entristeçais em me vendo.

E, pois a vista alegrais
dos olhos desesperados,
não quero que me vejais,
para que sempre sejais
campos bem-aventurados.

Porém, se por acidente,
vos pesar de meu tormento,
sabereis que Amor consente
que tudo me descontente,
senão descontentamento.

Por isso vós, arvoredos,
que já nos meus olhos vistes
mais alegrias que medos,
se mos quereis fazer ledos,
tornai-vos agora tristes.

Já me vistes ledo ser,
mas depois que o falso Amor
tão triste me fez viver, .
ledos folgo de vos ver,
porque me dobreis a dor.

E se este gosto sobejo
de minha dor me sentistes,
julgai quanto mais desejo
as horas que vos não vejo
que os dias em que me vistes.

O tempo, que é desigual,
de secos, verdes vos tem;
porque em vosso natural
se muda o mal para o bem,
mas o meu para mor mal.

Se perguntais, verdes prados,
pelos tempos diferentes
que de Amor me foram dados,
tristes, aqui são presentes,
alegres, já são passados.

CORRE SEM VELA E SEM LEME (1595)

Corre sem vela e sem leme
o tempo desordenado,
dum grande vento levado;
o que perigo não teme
é de pouco experimentado.

As rédeas trazem na mão
os que rédeas não tiveram:
vendo quando mal fizeram
a cobiça e ambição
disfarçados se acolheram.

A nau que se vai perder
destrói mil esperanças;
vejo o mau que vem a ter;
vejo perigos correr
quem não cuida que há mudanças.

Os que nunca sem sela andaram
na sela postos se vêm:
de fazer mal não deixaram;
de demônio hábito têm
os que o justo profanaram.

Que poderá vir a ser
o mal nunca refreado?
Anda, por certo, enganado
aquele que quer valer,
levando o caminho errado.

É para os bons confusão
ver que os maus prevaleceram;
posto que se detiveram
com esta simulação,
sempre castigos tiveram.

Não porque governe o leme
em mar envolto e turbado,
quem tem seu rumo mudado,
se perece, grita e geme
em tempo desordenado.

Terem justo galardão
e dor dos que mereceram,
sempre castigos tiveram
sem nenhuma redenção,
posto que se detiveram.

Na tormenta, se vier,
desespere na bonança
quem manhas não sabe ter.
Sem que lhe valha gemer
verá falsear a balança.

Os que nunca trabalharam,
tendo o que lhes não convém,
se ao inocente enganaram
perderão o eterno bem
se do mal não se apartaram.

Fonte:
Portal São Francisco

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