sábado, 9 de fevereiro de 2013

Santos Dumont (O Que Eu Vi, o Que Nós Veremos) Parte 2

Comprei um dia um triciclo a petróleo. Levei-o ao "Bois de Boulogne" e, por três cordas, pendurei-o num galho horizontal de uma grande árvore, suspendendo-a alguns centímetros do chão. É difícil explicar o meu contentamento ao verificar que, ao contrário do que se dava em terra, o motor do meu triciclo, suspenso, vibrava tão agradavelmente que quase parecia parado.

Nesse dia começou minha vida de inventor. Corri à casa, iniciei os cálculos e os desenhos do meu balão n.º 1.

Nas reuniões do Automóvel Club — pois o Aero Club não existia ainda — disse aos meus amigos que pretendia subir aos ares levando um motor de explosão sob um balão fusiforme. Foi geral o espanto: chamavam de loucura o meu projeto. O hidrogênio era o que havia de mais explosivo!

"Se pretendia suicidar-me, talvez fosse melhor sentar-me sobre um barril de pólvora em companhia de um charuto aceso". Não encontrei ninguém que me encorajasse.

Não obstante, pus em construção o meu n.º 1, e logo  depois o n.º 2.

As minhas experiências no ar começaram em fins de 1898. Foram grandemente interessantes, não pelo resultado obtido, mas pela surpresa de ver, pela primeira vez, um motor trepidando e roncando nos ares. Creio mesmo que foram estas experiências que deram lugar à fundação do Aero Club de França.

As experiências com esse modelo não surtiram o resultado desejado. Eu tinha sido audacioso demais, fabricando um balão demasiado alongado para os meios de que, então, dispunha. Abandonei essa forma e construí um balão ovóide.
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Com o primeiro tipo tive uma terrível queda de várias centenas de metros, que muito me ameaçou de ver naquele o meu último dia. Não perdi, porém, o alento. Com esse novo aparelho, o meu n.º 3, atravessei a cidade de Paris.

Houve grande barulho em torno dessa experiência. Creio mesmo que, se as primeiras deram lugar à fundação do Aero Club, esta foi que determinou a instituição do prêmio Deutsch.

De fato, com a travessia que fiz de Paris, começou-se a discutir se seria possível ir de um ponto a outro e voltar ao de partida, em balão.

Grandes controvérsias...
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A uma das assembléias do Aero Club compareceu um senhor, desconhecido de todos nós, muito tímido, muito simpático, que ofereceu, ele, Deutsch de la Meurthe, um prêmio de cem mil francos ao primeiro aeronauta que, dentro dos cinco anos seguintes, partindo de St. Cloud, que era então onde se achava o Parque do Club, circunavegasse a Torre Eifel e voltasse ao ponto de partida, tudo em menos de 30 minutos. Acrescentou mais, que no fim de cada ano, caso não fosse ganho o prêmio, se distribuíssem os juros do dinheiro entre os que melhores provas tivessem obtido.

Era sentir geral que cinco anos se passariam sem que o prêmio fosse ganho.

A direção do balão, naquele tempo, era um desejo sem promessa.
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No dia seguinte à instituição do prêmio Deutsch, iniciei a construção do meu n.º 4 e de um hangar em St. Cloud.

Opinei novamente pelo balão fusiforme, pois precisava atingir a uma velocidade de mais ou menos 30 km por hora, o que seria difícil com um balão ovóide. Adquiri o motor mais leve que encontrei no mercado; tinha a força de 9 HP e pesava 100 quilos. Era a maravilha de então...

Com esse balão, no ano de 1900, pouco consegui de bom. Meu único concorrente ao prêmio foi o Sr. Rosc, cujo balão não conseguiu nunca subir; os juros do prêmio Deutsch me foram entregue, pois.

Durante o inverno pus em construção o meu famoso n.º 5, que experimentei no Parque do Aero Club.

Em 12 de julho de 1901, às 3 horas da madrugada, auxiliado por alguns amigos e meus mecânicos, levei-os para o Hipódromo de Longchamps; comecei a fazer pequenos círculos com o dirigível, que era verdadeiramente dócil; fui ao bairro de Puteaux e evoluía por cima de suas inúmeras usinas quando, de repente, ouço um barulho terrível: uma a uma todas as usinas tinham posto a funcionar seus apitos e sirenes.

Fiz duas ou três voltas e cheguei novamente a Longchamps.

Fiz um conciliábulo com meus amigos. Pretendia fazer a volta à Torre Eifel; eles me querem dissuadir disso, por não estar presente a Comissão do Aero Club. Não me pude conter; o esporte me atraía; parti. Tudo correu bem até as alturas do Trocadero, quando senti que o balão não me obedecia mais. Arrebentara-se o cabo que ligava a roda do governo ao leme da aeronave. Diminuo completamente a velocidade do motor e manobro para tocar em terra. Fui muito feliz, desci mesmo no jardim do Trocadero, onde, por ser ainda muito cedo, havia muito poucas pessoas.

A ruptura se dera em ponto dificilmente acessível; era necessário uma escada. Vão busca-la; quatro a cinco pessoas a sustem de pé e, por ela, consigo subir e consertar o cabo. Parti de novo, circunaveguei a torre e voltei diretamente a Longchamps, onde já havia muita gente à minha espera, inquieta da demora.

Foi um sucesso colossal quando cheguei e parei o motor.

Nesse mesmo dia a imprensa anunciava ao mundo inteiro que estava resolvido o problema da dirigibilidade dos balões.
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Aproveito a ocasião para agradecer à imprensa do mundo inteiro a simpatia com que me cativou e, principalmente, a que dispensou à "Idea Aérea". Foi graças a isso que se instituíram prêmios de estímulo e o cérebro dos inventores se pôs a trabalhar para o aperfeiçoamento da aeronave, até podermos, em 1918, possuir aeroplanos e dirigíveis que parecem o resultado de uma evolução milenária.

Se quando nas ruas de Paris apareceu o primeiro automóvel e se quando a Torre Eifel foi circunavegada, não tivesse a imprensa incentivado essa iniciativas, acompanhando de perto o seu progresso, não teríamos hoje, estou certo, as locomoções automóvel e aérea, que são o orgulho da nossa época.
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Foi neste dia que começou a minha grande popularidade em Paris; aproveito, pois, também a ocasião para pagar um tributo ao povo de Paris. Foi graças aos constantes aplausos e encorajamento que recebemos, os meus colegas e eu, que encontramos forças para, diante de tantos insucessos e perigos, continuarmos na luta. É, pois, à clarividência do povo da Cidade Luz que o mundo deve a locomoção aérea.

Não só o povo me encorajava nas minhas experiências, mas também a sociedade, as altas autoridades e todos os escritores.

No meu hangar encontravam-se pessoas de todas as classes e opiniões. Um dia apanharam numa fotografia a ex-imperatriz dos franceses ao lado de Rochefort. Tinham sido os maiores inimigos; pois bem, no meu atelier, do qual Rochefort era um freqüentador assíduo, estavam um ao lado do outro!

Rochefort cobriu-me também de elogios; não falemos na legião de escritores, especialistas, como François Peyrey, Besaçon e todos os outros, pelos quais até hoje tenho uma profunda gratidão.

No dia seguinte, em um artigo de fundo, M. Jaurés disse que "até então tinha visto procurando dirigir os balões à "sombra dos homens" hoje viu "um homem".
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Recebi felicitações do mundo inteiro; entre elas, porém, uma, certamente a que mais me honrou e para mim a mais preciosa, veio assim endereçada, numa fotografia do maior inventor dos tempos modernos:

"A Santos-Dumont
o Bandeirante dos Ares
Homenagem de Edison".

Naquela época, em que a aeronáutica acabava de nascer, não era muito ser considerado o seu Bandeirante; hoje, porém, que ela existe e vai decidir a sorte da guerra, me é infinitamente preciosa essa apreciação do homem pelo qual tenho a maior admiração.
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No dia 13 de julho de 1901, às 6 horas e 41 minutos, em presença da Comissão Científica do Aero Club, parti para a Torre Eifel. Em poucos minutos, estava ao lado da torre; viro e sigo, sem novidade, até o Bois de Boulogne. O sol, mostra-se neste momento e uma brisa começa a soprar, leve, é verdade, porém, bastante, nessa época, para quase parar a marcha da aeronave. Durante muitos minutos, o meu motor luta contra a aragem, que se ia já transformando em vento. Vejo que vou sair do bosque e talvez cair dentro da cidade. Precipito a descida e o aparelho vem repousar sobre as árvores do lindo parque do Barão de Rotschild. Era necessário desmontar tudo, com grande cuidado, afim de que não se danificasse, pois pretendia reparar minha embarcação para concorrer de novo ao prêmio Deutsch.
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Nesse dia tinha despertado às três horas da manhã para, pessoalmente, verificar o estado do meu aparelho e acompanhar a fabricação do hidrogênio, pois, de um dia para outro, o balão perdia uns vinte metros cúbicos. Sempre segui a divisa: "Quem quer vai, quem não quer manda"... Já o dia ia findando e eu não abandonava o meu balão um só instante, a despeito da fome terrível.

De repente, — deliciosa surpresa! — apareceu-me um criado com uma cesta cujo aspecto traía iniludivelmente o seu conteúdo; pensei que algum amigo se tivesse lembrado de mim enquanto almoçava... Abria-a e dentro encontrei uma carta: era da senhora Princesa D. Isabel, vizinha do Barão Rotschild, que me dizia saber que eu estava trabalhando até aquela hora, sem refeição nenhuma, e me enviava um pequeno lunch; pensava também nas angústias que deveria sofrer minha mãe, que de longe seguia as minhas peripécias, e declarava ter à minha disposição uma pequena medalha, esperando daria conforto a minha mãe saber que eu a traria comigo em minhas perigosas ascensões.

Essa medalha nunca mais me abandonou.
* *

Sobre essas experiências, publicou "L'Illustration" as seguintes notas: "La première du mois de Juillet 1901 a été signalée par deux événements qui pourralent bien marquer deux grandes dates dans l'Histoire de l'humanité, et qui semblent dans tous les cas promettre qu'en matière de conquétes scientifiques le vingtième siècle ne sera pas inférieur au dix-neuvième.

A dix jours d'intervalle, le sous-marin "Gustave-Zédé" a fait ses preuves en Corse, et le ballon dirigeable Santos-Dumont a fait les siennes à Paris meme. Dans deux numéros consecutifs, l'Illustraction a pu consacrer la gravure de première page à ces deux exploits — les premiers — acomplis dans le domaine de la navigation aérienne.

Le ballon de M. Santos-Dumont, qui vient d'effectuer deux jours de suite le voyage aller et retour de St. Cloud à la tour Eiffel est le cinquième aérostat avec lequel cet ingénieur de vingt-huit ans a tenté de resoudre le problème de la dirigeabilité.
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Les positions respectives de ces divers agrès on été déterminées avec beaucoup de soin et après de longs tâtonnements, afin qu'une fois tout en place et en tenant compte du poids mème de l'aéronaute, la quille soit horizontabilité et une égale tension des cordelettes de suspension. Cette condition explique pourquoi le siège de l'aéronaute se trouve éloigné du moteur.
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Enfin, c'est par le déplacement du guide-rope, suspendu sous la quille et pesant 38 kilogrammes, qu'on obtient l'inclinaison voulue du système les mouvements d'ascension ou de descente.
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A 7 heures, le Santos-Dumont nº 5 doublait la tour Eiffel en la contournant un peu au-dessus de la deuxième plate forme. Ce virage est executé avec précision remarquable.
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Attendons-nous à le voir un de ces jours planer sur Paris et descendre, par example, sur la terrasse de l'Automobile Club, place de la Concorde."


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Reposto o balão e estado de funcionar, revistas e consertadas todas as suas peças, cheio de novo, fiz experiências preliminares. Convocada novamente a Comissão do Aero Club, parti para a Torre Eiffel que circunaveguei de novo; mas, ao voltar, desarranjou-se-me a máquina nas alturas do Trocadero. Manobro para escolher um bom lugar para descer. Supunha ter sido feliz em minhas manobras e esperava descer em uma rua, quando ouço um grande estrondo, grande como o de um tiro de canhão; era a ponta do balão que, na descida, que foi rápida, tocara o telhado de uma casa.

Um saco de papel cheio de ar, batido de encontro a uma parede, arrebenta-se, produzindo um grande ruído; pois bem, o meu balão, saco que não era pequeno, fez um barulho assim, mas... em ponto grande. Ficou completamente destruído.

Não se encontrava pedaço maior do que um guardanapo!

Salvei-me por verdadeiro milagre, pois fiquei dependurado por algumas cordas, que faziam parte do balão, em posição incomoda e perigosa, de que me vieram tirar os bombeiros de Paris.

Os amigos e jornalistas me aconselharam a ficar nisso e não continuar em minhas ascensões, da última das quais me salvara por verdadeiro milagre. O conselho era bom, mas eu não pude resistir à tentação de continuar; não sabia contrariar o meu temperamento de sportsman.

Convoquei-os para nova experiência daí a três semanas. Eu sabia dos elementos com que podia contar; já conhecia, em Paris, umas vinte casas especialistas, cada qual, de um trabalho, e já tinha conquistado a simpatia dos contramestres e operários de quem podia esperar a maior dedicação e serviço rápido.
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Iniciei a construção de um novo balão e novo motor, este um pouco mais forte, aquele um pouco maior.
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Continua…

Fonte:
Universidade da Amazônia
NEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Belém – Pará
www.nead.unama.br

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