sábado, 9 de fevereiro de 2013

Gregório de Matos (Sonetos Dispersos)

SONETO I

Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ousadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo, mar de enganos,
Ser louco c'os demais, que só, sisudo.

SONETO II

(A uma dama dormindo junto a uma fonte.)

À margem de uma fonte, que corria,
Lira doce dos pássaros cantores
A bela ocasião das minhas dores
Dormindo estava ao despertar do dia.

Mas como dorme Sílvia, não vestia
O céu seus horizontes de mil cores;
Dominava o silêncio entre as flores,
Calava o mar, e rio não se ouvia,

Não dão o parabém à nova Aurora
Flores canoras, pássaros fragrantes,
Nem seu âmbar respira a rica Flora.

Porém abrindo Sílvia os dois diamantes,
Tudo a Sílvia festeja, tudo adora
Aves cheirosas, flores ressonantes.

SONETO III

(Descreve um horroroso dia de trovões)
                    Na confusão do mais horrendo dia,
                    Painel da noite em tempestade brava,
                    O fogo com o ar se embaraçava
                    Da terra e água o ser se confundia.

                    Bramava o mar, o vento embravecia
                    Em noite o dia enfim se equivocava,
                    E com estrondo horrível, que assombrava,
                    A terra se abalava e estremecia.

                    Lá desde o alto aos côncavos rochedos,
                    Cá desde o centro aos altos obeliscos
                    Houve temor nas nuvens, e penedos.

                    Pois dava o Céu ameaçando riscos
                    Com assombros, com pasmos, e com medos
                    Relâmpagos, trovões, raios, coriscos

SONETO IV

(Continua o poeta em louvor a soledade vituperando a corte)

                    Ditoso aquele, e bem-aventurado,
                    Que longe, e apartado das demandas,
                    Não vê nos tribunais as apelandas
                    Que à vida dão fastio, e dão enfado.

                    Ditoso, quem povoa o despovoado,
                    E dormindo o seu sono entre as holandas
                    Acorda ao doce som, e às vozes brandas
                    Do tenro passarinho enamorado.

                    Se estando eu lá na Corte tão seguro
                    Do néscio impertinente, que porfia,
                    A deixei por um mal, que era futuro;

                    Como estaria vendo na Bahia,
                    Que das Cortes do mundo é vil monturo,
                    O roubo, a injustiça, a tirania?

SONETO V

(Conselhos a qualquer tolo para parecer fidalgo, rico e discreto)

                    Bote a sua casaca de veludo,
                    E seja capitão sequer dois dias,   
                    Converse à porta de Domingos Dias,   
                    Que pega fidalguia mais que tudo.   

                    Seja um magano, um pícaro, um cornudo,
                    Vá a palácio, e após das cortesias   
                    Perca quanto ganhar nas mercancias,
                    E em que perca o alheio, esteja mudo.   

                    Sempre se ande na caça e montaria,   
                    Dê nova solução, novo epíteto,   
                    E diga-o, sem propósito, à porfia;   

                    Quem em dizendo: "facção, pretexto, efecto".
                    Será no entendimento da Bahia
                    Mui fidalgo, mui rico, e mui discreto.

SONETO VI

(Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia)

                    A cada canto um grande conselheiro,
                    Que nos quer governar cabana e vinha;
                    Não sabem governar sua cozinha,
                    E podem governar o mundo inteiro.

                    Em cada porta um bem freqüente olheiro,
                    Que a vida do vizinho e da vizinha
                    Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
                    Para o levar à praça e ao terreiro.

                    Muitos mulatos desavergonhados,
                    Trazidos sob os pés os homens nobres,
                    Posta nas palmas toda a picardia,

                    Estupendas usuras nos mercados,
                    Todos os que não furtam muito pobres:
                    E eis aqui a cidade da Bahia.

SONETO VII

Um soneto começo em vosso gabo;
Contemos esta regra por primeira,
Já lá vão duas, e esta é a terceira,
Já este quartetinho está no cabo.

Na quinta torce agora a porca o rabo:
A sexta vá também desta maneira,
na sétima entro já com grã canseira,
E saio dos quartetos muito brabo.

Agora nos tercetos que direi?
Direi, que vós, Senhor, a mim me honrais,
Gabando-vos a vós, e eu fico um Rei.

Nesta vida um soneto já ditei,
Se desta agora escapo, nunca mais;
Louvado seja Deus, que o acabei.

SONETO VIII

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

SONETO IX

Anjo no nome, Angélica na cara
Isso é ser flor, e Anjo juntamente
Ser Angélica flor, e Anjo florente
Em quem, se não em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se como Anjo sois dos meus altares
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda
Posto que os Anjos nunca dão pesares
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda

Fonte:
www.sonetos.com.br

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