SEDIMENTOS
Aos poucos se apaga
o consentimento da morte
adio a noite, avanço
ao avesso do dentro
e encontro os encontros
do tempo, um gosto
de pele, um nexo
Faço oferendas
à água
ao fogo.
HARMONIZAÇÃO
Demorasse a tua mão
um pouco mais
sobre o meu ombro
e me nasceriam asas
Em silêncio
logo o pressentimento
o pacto e o voo:
grades e escarpas
ruindo sob as pernas
cúmplices, entrelaçadas
as nossas.
REINVENÇÃO
Vertendo do branco:
eu, o anti-herói
preso a ganchos de ar
por sobre as fragas da razão
duras lâminas
que evisceram
a argamassa do corpo
a desbordar de mim
banal, rude, rala argila
não reluz. Só o que destila
por trás do que me é oculto
se esconde à vista
É grampo no avesso
— até a secreção
vir à voz, exposta
aos anjos e algozes
Então o instante que espero
quando me reinventam os dias
e as aves planam
sob o vulto explícito e sem sede
Gritem medos e mentiras
para o estômago do nunca
(o julgamento está surdo
e a tentação de não ser
para hoje
está morta
afogada).
POSSE
O ar é só pele:
teu corpo expira
das dobras do mapa
aquece os dedos
saliva doce na boca
as esferas do sal
A falta é tensão
teu vulto invasivo
conturbando o pulso
em pedras candentes
nas farpas da noite
O ventre esfria
e explode em tentáculos
da fluida água marinha
vertigem que plana e pesa
por sobre as vozes
os cortes do dia
— teu sempre
no fundo de mim.
METAMORFOSE
Era seu rosto
um campo de trigo
e manso se entregava
ao passeio da boca
Braços me protegiam
e enlaçavam
e devolviam ventos
que ninguém sentiu
Desdobrava-se
o seu consentimento
e sem proposições
uma supernova em mim
Talvez reencontrasse o destino
respirasse sem deformidades
talvez fosse apenas como voltar
E já não chovia
E era tão bom.
INVERSÃO
O esgotamento vem
do vazio
esse fundo
enredo de vozes
que uma só valem —
atrás dos nódulos do espanto
das folhas da súplica
e da sequência de sombras
sem volta,
a ilusão habita
a insônia
vergonha e ridículo
do homem parado
diante da pedra.
MIRAGEM
Somos ficção
Simulamos o invisível
e a imagem
no reflexo
do espelho — ali nada há
como nada somos
Onde encontrar
a verdade
ou a real essência
desses fantoches
de nós mesmos
se os mistérios
não estão em lugar
mas no que mais fundo
escondemos?
NUNCA
Um dia encontrei o nunca
preso ao teto
para onde nunca olhei
Tinha a aparência terrível
de uma gárgula
úmida de sangue
Mas sob os flagelos
era apenas
um pardal
tão sem pressa
desses que banais habitam
as árvores, a cegueira
Com voz serena e doce
disse que sendo nunca
era eterno, letra em todo nome
Soube quem era o nunca
e meu peito, arfando
pelo que não se esquece
aprendeu a respirar assim
um pouco menos
seca a parte que nunca mais.
SÉPALA
O seu rosto surge
em meio às folhas da pele
onde a mística seiva
invade a memória do sangue
Percebo como essa branda sépala
sobe em mim o feminino
cálice que lhe orna o ser
diáfano ser em branco
Fale-me de ventos, de terras
que os caminhos venceram
Só ao líquido das suas palavras
renasce o tempo, um rio para sentir.
ACUSAÇÃO
Você me acusa
pelas sombras
que nos cobrem
Não tenho a quem culpar
Guardamos a chave
quando passou a vigésima quinta hora
e os deuses de que fala
nunca souberam de nós
Estamos abandonados
na última vez
na impossível desdobradura
E eu afirmo:
amanhã ainda seremos
somente os dois
o verbo coagulando no escuro.
FIGO
E então a chance:
o desconhecido destino
tinha seu rosto
e se estendia ao alcance
da mão que abraçou
e adormeceu no amplo figo
cujos olhos eram luz
e também gemido
A posse da pele
veio como tudo enfim
como se os fluxos fizessem sentido
e nós vivêssemos a última cena
Mas há dias que não nascem
e se acaso irrompem
logo secam
definham nos espelhos
Deixei de existir
antes de saber. Ela não era
para além de mim
a imagem que testemunho
e minto apagar
embora toda a saliva
seja só a ilusão
que do seu corpo espero.
MILAGRES
Há milagres que se prendem
ao ar como anjos de pedra
no sempre da catedral
crescendo sobre nós
cortando a casa
o ventre
Toda fuga é inútil
a cegueira superior à visão
e a respiração quase sobrevive
à proximidade ou distância
de seu fogo
que pode ser pena, pode ser fome
e nos põe
frente a frente
com a epifania
Nas minhas mãos
o ramo que arde
-
Aos poucos se apaga
o consentimento da morte
adio a noite, avanço
ao avesso do dentro
e encontro os encontros
do tempo, um gosto
de pele, um nexo
Faço oferendas
à água
ao fogo.
HARMONIZAÇÃO
Demorasse a tua mão
um pouco mais
sobre o meu ombro
e me nasceriam asas
Em silêncio
logo o pressentimento
o pacto e o voo:
grades e escarpas
ruindo sob as pernas
cúmplices, entrelaçadas
as nossas.
REINVENÇÃO
Vertendo do branco:
eu, o anti-herói
preso a ganchos de ar
por sobre as fragas da razão
duras lâminas
que evisceram
a argamassa do corpo
a desbordar de mim
banal, rude, rala argila
não reluz. Só o que destila
por trás do que me é oculto
se esconde à vista
É grampo no avesso
— até a secreção
vir à voz, exposta
aos anjos e algozes
Então o instante que espero
quando me reinventam os dias
e as aves planam
sob o vulto explícito e sem sede
Gritem medos e mentiras
para o estômago do nunca
(o julgamento está surdo
e a tentação de não ser
para hoje
está morta
afogada).
POSSE
O ar é só pele:
teu corpo expira
das dobras do mapa
aquece os dedos
saliva doce na boca
as esferas do sal
A falta é tensão
teu vulto invasivo
conturbando o pulso
em pedras candentes
nas farpas da noite
O ventre esfria
e explode em tentáculos
da fluida água marinha
vertigem que plana e pesa
por sobre as vozes
os cortes do dia
— teu sempre
no fundo de mim.
METAMORFOSE
Era seu rosto
um campo de trigo
e manso se entregava
ao passeio da boca
Braços me protegiam
e enlaçavam
e devolviam ventos
que ninguém sentiu
Desdobrava-se
o seu consentimento
e sem proposições
uma supernova em mim
Talvez reencontrasse o destino
respirasse sem deformidades
talvez fosse apenas como voltar
E já não chovia
E era tão bom.
INVERSÃO
O esgotamento vem
do vazio
esse fundo
enredo de vozes
que uma só valem —
atrás dos nódulos do espanto
das folhas da súplica
e da sequência de sombras
sem volta,
a ilusão habita
a insônia
vergonha e ridículo
do homem parado
diante da pedra.
MIRAGEM
Somos ficção
Simulamos o invisível
e a imagem
no reflexo
do espelho — ali nada há
como nada somos
Onde encontrar
a verdade
ou a real essência
desses fantoches
de nós mesmos
se os mistérios
não estão em lugar
mas no que mais fundo
escondemos?
NUNCA
Um dia encontrei o nunca
preso ao teto
para onde nunca olhei
Tinha a aparência terrível
de uma gárgula
úmida de sangue
Mas sob os flagelos
era apenas
um pardal
tão sem pressa
desses que banais habitam
as árvores, a cegueira
Com voz serena e doce
disse que sendo nunca
era eterno, letra em todo nome
Soube quem era o nunca
e meu peito, arfando
pelo que não se esquece
aprendeu a respirar assim
um pouco menos
seca a parte que nunca mais.
SÉPALA
O seu rosto surge
em meio às folhas da pele
onde a mística seiva
invade a memória do sangue
Percebo como essa branda sépala
sobe em mim o feminino
cálice que lhe orna o ser
diáfano ser em branco
Fale-me de ventos, de terras
que os caminhos venceram
Só ao líquido das suas palavras
renasce o tempo, um rio para sentir.
ACUSAÇÃO
Você me acusa
pelas sombras
que nos cobrem
Não tenho a quem culpar
Guardamos a chave
quando passou a vigésima quinta hora
e os deuses de que fala
nunca souberam de nós
Estamos abandonados
na última vez
na impossível desdobradura
E eu afirmo:
amanhã ainda seremos
somente os dois
o verbo coagulando no escuro.
FIGO
E então a chance:
o desconhecido destino
tinha seu rosto
e se estendia ao alcance
da mão que abraçou
e adormeceu no amplo figo
cujos olhos eram luz
e também gemido
A posse da pele
veio como tudo enfim
como se os fluxos fizessem sentido
e nós vivêssemos a última cena
Mas há dias que não nascem
e se acaso irrompem
logo secam
definham nos espelhos
Deixei de existir
antes de saber. Ela não era
para além de mim
a imagem que testemunho
e minto apagar
embora toda a saliva
seja só a ilusão
que do seu corpo espero.
MILAGRES
Há milagres que se prendem
ao ar como anjos de pedra
no sempre da catedral
crescendo sobre nós
cortando a casa
o ventre
Toda fuga é inútil
a cegueira superior à visão
e a respiração quase sobrevive
à proximidade ou distância
de seu fogo
que pode ser pena, pode ser fome
e nos põe
frente a frente
com a epifania
Nas minhas mãos
o ramo que arde
-
Fontes:
Poemas enviados por Carlos Machado, de poesia.net. www.algumapoesia.com.br
Alberto Bresciani. Incompleto Movimento. RJ: José Olympio, 2011.
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/distrito_federal/alberto_bresciani.html
Poemas enviados por Carlos Machado, de poesia.net. www.algumapoesia.com.br
Alberto Bresciani. Incompleto Movimento. RJ: José Olympio, 2011.
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/distrito_federal/alberto_bresciani.html
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