Ana e Mino entraram na livraria de braços dados, sem pressa. Olharam para os lados e ele a arrastou para o interior da loja. Soltaram-se e se puseram diante da primeira prateleira. Ela passou à frente e deu dois passos, como se soubesse aonde ia. Ele a seguiu e parou ao seu lado. Ela deu mais dois passos. Desejava Kafka ou Borges. Nunca se mostravam juntos naquela livraria. Sollos sabia onde localizar cada escritor, seguindo a ordem alfabética. Também vivia para ler! Ela, não, não podia viver de livros. Pretendia, sim, escrever um livro. Talvez de poemas, ou de contos. Não teria fôlego para um romance. Quem sabe quando estivesse mais velha? Mino se encostou nela. Procurava que livro? O Castelo. Para que, se em casa havia um? Deram mais dois passos. Falasse baixo. Sabia onde achar Joyce? Semana passada o tinha visto, não lembrava onde. Possivelmente do outro lado. Um funcionário da livraria se aproximou deles. Apertou mão do cronista. A crônica do dia não podia ser mais perfeita. Ana sorriu, como se o elogio fosse para ela. Mino se voltou para o rapaz. Nem lembrava mais o assunto. Ana deu mais dois passos. O funcionário voltou. Mino se acercou da mulher e retirou da prateleira um Neruda. Do outro lado da estante um homem se movimentava, como se quisesse vê-los através das brechas entre uma prateleira e outra. Só podia ser Sollos. Ana se voltou para Mino. Precisavam ir embora. Não havia na bolsa um centavo. O homem não concordou com a retirada. O banco não fechava nunca. Sollos se dirigia para os fundos da loja e Ana rapidamente caminhou para o lado oposto. Não queria estar frente a frente com Sollos, pelo menos quando estivesse ao lado de Mino. Por um instante, o cronista virou a cabeça para a direita. Para onde ia Ana? Empertigou-se e, de relance, viu um vulto ao fundo da loja. Seria Sollos?
SOLLOS A SÓS
Para onde se dirigia Sollos? Caminhava a esmo pelas ruas, sem se lembrar do plano de ação traçado na noite passada: ir a uma livraria, comprar um ou dois livros, almoçar num restaurante, voltar para casa, descansar, ler um pouco. Ao chegar à Praça do Ferreira se sentiu cansado e sentou-se num banco. Um homem fumava ao seu lado. Podia apagar o cigarro? Não, não pediria nada ao estranho. Melhor se acalmar, procurar outro banco ou ir almoçar. O homem se retirou, levando a fumaça. Sollos abriu as pernas. Ana teria querido falar mais com ele? Para dizer o quê? Sentia-se feliz ou infeliz? Um menino se ofereceu para engraxar os sapatos dele. Quanto custava? Só um. Engraxasse, sem pressa, mas com capricho. O olhar de Ana aparentava de felicidade. Por quê?
A VER NERUDA
Mino abriu a porta do carro, sentou-se no banco e aguardou a mulher se acomodar. Ana ajeitou os cabelos. Estaria o marido aborrecido? Não, não haveria de ter visto ela e Sollos frente a frente. O homem acelerou o carro. Por que Ana o tinha deixado a ver Neruda? Só podia ser em razão da presença de Sollos na livraria. Onde ele se encontrava antes de o vir? Ana, calada, alisava o cabelo. Por pouco Mino não bateu o carro na traseira de outro. Ainda pretendia ir ao banco ou havia desistido? Ela abriu a bolsa e se pôs a revirá-la. Ia ou não ia? Por que não imaginar a possibilidade de se defrontar com Sollos na livraria, se havia muito o passatempo dele consistia em passar horas e horas de todos os sábados cercado daqueles livros? E se ele continuasse com a ideia de serem namorados? Não, não podia ser. Sabia de seu casamento. O pior não era isto, mas passar Mino a ter ciúmes. Talvez estivesse exagerando, pois nunca contou a ele detalhes do relacionamento dela com Sollos. O cronista suava. Não havia motivos para pressa. O dia todo pela frente. Por que Ana fugia do escritorzinho? Sabia da amizade deles. Conheciam-se de tanto se verem em livrarias, lançamentos de livros, encontros de escritores. Amigos apenas. Aliás, colegas de profissão. Mino havia gargalhado. Profissão de escritor era medicina, arquitetura, jornalismo. Não, não desconfiava de nada. Desconfiar de quê?
SINFONIAS INACABADAS
A tarde demorou a passar. Sollos se deitou na cama, fechou os olhos. Tencionava descansar, dormir, esquecer a manhã. Ana lhe aparecia a todo instante. Falava de livros, do marido, do passado, do tempo em que se encontravam e passavam horas a fio no apartamento dele. Levantou-se e deitou-se cinco ou seis vezes. Apanhou na estante um livro, leu duas ou três frases, lavou o rosto, quis telefonar para um amigo. Ana figurava-se mais sedutora do que antes. Abriu uma cerveja e sentou-se no sofá. Pôs-se a ouvir Scarlatti. Onde estaria Ana? Quantas vezes estiveram naquela livraria, a folhear Kafkas, Borges, Joyces! Trocou Scarlatti por Haydn, sem saber quem tocava. Bebeu mais cerveja, esqueceu sonatas, prelúdios, concertos para piano. Os olhos de Ana mais pareciam sinfonias inacabadas. Bebeu mais cerveja e buscou nas gavetas fotos dela. Haydn se confundia com o riso de Ana. No outro dia iria procurá-la. Ou não iria a lugar nenhum? Dirigiu-se ao banheiro e sentiu arrepios, como se ela o abraçasse e o sugasse.
ANA E O CASTELO
Quando Mino pegou no sono (estaria mesmo dormindo ou fingindo?), Ana abriu os olhos e se pôs a olhar para o teto. Talvez Sollos fosse um bom amigo. Poderiam, ela e Mino, fazer dele um amigo, de frequentar a casa um do outro. Com o tempo, Sollos passaria até a jantar na casa deles. Solteiro, seria convidado a dormir uma noite. Um quarto para ele, cama bem arrumada. Quando Mino viajasse... Não, Mino não viajava nunca. Ora, viagens eram como jantares – arranjavam-se, inventavam-se. Observou as costas de Mino. Dormia ou pensava? Sonhava ou urdia planos de detetive? Precisava deixar de falar em Kafka. Mais dia, menos dia, Mino veria Sollos num jornal a falar de Kafka. E se desse O Castelo para uma colega de trabalho? Quem poderia gostar dele na empresa? Todas as moças liam e viam somente revistas de fofocas. Nada de romances, contos. E se dedicasse o seu exemplar a Sollos? Com a amizade de sempre, ofereço-lhe o meu Castelo. Sua admiradora Ana. Ou admiradorana? Ele gostava de invenções desse tipo. E ainda lhe daria um abraço muito apertado.
ROMANCE FEITO DE LAVAS
Mino acordou no meio da noite. Virou-se para Ana. Dormia o sono das amantes. Não, Sollos não passava de um sonhador. Por que não convidá-lo para jantarem juntos? Falariam de Kafka, Borges, Joyce. Beberiam uísque e o outro liberaria o vulcão adormecido. Precisava anotar aquela imagem. Daria boa crônica. Algum vulcão histórico, o Vesúvio, e as paixões humanas. Ou um livro, um romance sem pé nem cabeça, feito de lavas. Sim, uma estreia de causar inveja a esses contistas de meia-tigela. Deixaria de ser apenas um cronista. Mudaria o nome. Nada de Minotauro.
NA MURALHA
Antônio Sollos se revirava na cama. Ana o chamava para conhecer de perto a muralha da China. Ele sentia medo de altura, de se aproximar do Sol, queimar-se, morrer. Ela ria. Um sol não deveria ter medo do Sol. Ainda mais sendo um sol duplo. Sollos se ajoelhava. Jurava não ser vaidoso. Milhares de chineses se aproximavam deles. Ana sumia na multidão e ele se punha a bradar por ela, que ria, falava, dizia estar ao lado dele. Sollos pedia socorro, gritava o nome de Ana, que ecoava pela muralha e pelos vales. Ela reaparecia. Ele sabia o significado do Sol? Falava de calendários, dias, meses e anos. Ele a chamava de louca. Por que o tinha abandonado? Porque se chamava Ana, a mulher do ano. E ria, gargalhava. Não brincasse com as palavras. Chineses o cercavam. Uma chuva forte caía sobre a muralha. Trovões e relâmpagos. Antônio Sollos sentia a urina inundar-lhe as pernas.
COM TESEU
Ana se debatia no leito. Sollos a convidava a conhecer um labirinto. Se fosse o de Creta, não desejava nem chegar perto. Tinha medo do minotauro. Deixasse de besteiras. Tudo era mito, apenas mito. Além do mais, a fera havia muito não existia. Matou-a a mitologia. E a puxava pelo braço e a chamava de Ariadne. Ela fincava os pés no chão. Mesmo assim, Sollos a arrastava e se dizia o herói Teseu. Ouvia um rugido de fera e se assustava. Não tivesse medo, ele mataria o animal. Escurecia. Os bramidos se faziam mais próximos.
O VULCÃO
Minos mexia os lábios, como se falasse. Ao longe, vislumbrava o topo de um vulcão adormecido. Sentava-se numa pedra. Sentia calor, suava. Olhava para o vulcão e percebia, distantes, pequeninos, dois vultos humanos. Aguçava a vista e reconhecia neles Ana e Sollos. O que faziam ao pé de um vulcão? Punha-se a bradar os seus nomes. Abandonassem o local. As lavas não tardariam a subir. Gritava, gritava, e nada de ser ouvido. E nunca poderia se aproximar deles. Não conseguiria chegar a tempo de evitar uma tragédia. Desesperava-se. Viessem, correndo. Tinha para eles presentes: todos os livros de Kafka, Borges e Joyce. No entanto, a boca do vulcão já vomitava fogo.
UM LIVRO IMENSO
Sollos, deitado, ouvia música havia horas, dias. Ansiava ouvir a sinfonia do Castelo pelo resto da vida. Quem a compusera? Sabia Ana, sabia Mino? Ou nunca a compuseram? Ana lia trechos de O Castelo. Mino sorria. Ainda seria o grande cronista do Universo. Batiam à porta. Um mensageiro dizia estar ali em nome do imperador da China. No entanto, escondido por máscara, poderia ser Mino? Atrás dele uma mulher jovem e bonita. Seria Ana? Trazia, em nome do monarca, a história da Grande Muralha da China. Lesse, traduzisse para todos os idiomas e divulgasse pelo mundo. Corriam os três pelas ruas de Fortaleza, seguidos de multidão a clamar e cantar. Chegavam à Praça do Ferreira e, diante da Coluna da Hora, se punham a fazer um discurso coletivo. A multidão se calava. Irmanavam-se os três num discurso sem fim e sem sentido E se olhavam e riam. No entanto, toda a cena diante deles se desenrolava numa tela de cinema ou televisão. No sofá, Sollos, Ana e Mino liam um imenso, quase infinito livro aberto diante deles.
Fontes:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.
SOLLOS A SÓS
Para onde se dirigia Sollos? Caminhava a esmo pelas ruas, sem se lembrar do plano de ação traçado na noite passada: ir a uma livraria, comprar um ou dois livros, almoçar num restaurante, voltar para casa, descansar, ler um pouco. Ao chegar à Praça do Ferreira se sentiu cansado e sentou-se num banco. Um homem fumava ao seu lado. Podia apagar o cigarro? Não, não pediria nada ao estranho. Melhor se acalmar, procurar outro banco ou ir almoçar. O homem se retirou, levando a fumaça. Sollos abriu as pernas. Ana teria querido falar mais com ele? Para dizer o quê? Sentia-se feliz ou infeliz? Um menino se ofereceu para engraxar os sapatos dele. Quanto custava? Só um. Engraxasse, sem pressa, mas com capricho. O olhar de Ana aparentava de felicidade. Por quê?
A VER NERUDA
Mino abriu a porta do carro, sentou-se no banco e aguardou a mulher se acomodar. Ana ajeitou os cabelos. Estaria o marido aborrecido? Não, não haveria de ter visto ela e Sollos frente a frente. O homem acelerou o carro. Por que Ana o tinha deixado a ver Neruda? Só podia ser em razão da presença de Sollos na livraria. Onde ele se encontrava antes de o vir? Ana, calada, alisava o cabelo. Por pouco Mino não bateu o carro na traseira de outro. Ainda pretendia ir ao banco ou havia desistido? Ela abriu a bolsa e se pôs a revirá-la. Ia ou não ia? Por que não imaginar a possibilidade de se defrontar com Sollos na livraria, se havia muito o passatempo dele consistia em passar horas e horas de todos os sábados cercado daqueles livros? E se ele continuasse com a ideia de serem namorados? Não, não podia ser. Sabia de seu casamento. O pior não era isto, mas passar Mino a ter ciúmes. Talvez estivesse exagerando, pois nunca contou a ele detalhes do relacionamento dela com Sollos. O cronista suava. Não havia motivos para pressa. O dia todo pela frente. Por que Ana fugia do escritorzinho? Sabia da amizade deles. Conheciam-se de tanto se verem em livrarias, lançamentos de livros, encontros de escritores. Amigos apenas. Aliás, colegas de profissão. Mino havia gargalhado. Profissão de escritor era medicina, arquitetura, jornalismo. Não, não desconfiava de nada. Desconfiar de quê?
SINFONIAS INACABADAS
A tarde demorou a passar. Sollos se deitou na cama, fechou os olhos. Tencionava descansar, dormir, esquecer a manhã. Ana lhe aparecia a todo instante. Falava de livros, do marido, do passado, do tempo em que se encontravam e passavam horas a fio no apartamento dele. Levantou-se e deitou-se cinco ou seis vezes. Apanhou na estante um livro, leu duas ou três frases, lavou o rosto, quis telefonar para um amigo. Ana figurava-se mais sedutora do que antes. Abriu uma cerveja e sentou-se no sofá. Pôs-se a ouvir Scarlatti. Onde estaria Ana? Quantas vezes estiveram naquela livraria, a folhear Kafkas, Borges, Joyces! Trocou Scarlatti por Haydn, sem saber quem tocava. Bebeu mais cerveja, esqueceu sonatas, prelúdios, concertos para piano. Os olhos de Ana mais pareciam sinfonias inacabadas. Bebeu mais cerveja e buscou nas gavetas fotos dela. Haydn se confundia com o riso de Ana. No outro dia iria procurá-la. Ou não iria a lugar nenhum? Dirigiu-se ao banheiro e sentiu arrepios, como se ela o abraçasse e o sugasse.
ANA E O CASTELO
Quando Mino pegou no sono (estaria mesmo dormindo ou fingindo?), Ana abriu os olhos e se pôs a olhar para o teto. Talvez Sollos fosse um bom amigo. Poderiam, ela e Mino, fazer dele um amigo, de frequentar a casa um do outro. Com o tempo, Sollos passaria até a jantar na casa deles. Solteiro, seria convidado a dormir uma noite. Um quarto para ele, cama bem arrumada. Quando Mino viajasse... Não, Mino não viajava nunca. Ora, viagens eram como jantares – arranjavam-se, inventavam-se. Observou as costas de Mino. Dormia ou pensava? Sonhava ou urdia planos de detetive? Precisava deixar de falar em Kafka. Mais dia, menos dia, Mino veria Sollos num jornal a falar de Kafka. E se desse O Castelo para uma colega de trabalho? Quem poderia gostar dele na empresa? Todas as moças liam e viam somente revistas de fofocas. Nada de romances, contos. E se dedicasse o seu exemplar a Sollos? Com a amizade de sempre, ofereço-lhe o meu Castelo. Sua admiradora Ana. Ou admiradorana? Ele gostava de invenções desse tipo. E ainda lhe daria um abraço muito apertado.
ROMANCE FEITO DE LAVAS
Mino acordou no meio da noite. Virou-se para Ana. Dormia o sono das amantes. Não, Sollos não passava de um sonhador. Por que não convidá-lo para jantarem juntos? Falariam de Kafka, Borges, Joyce. Beberiam uísque e o outro liberaria o vulcão adormecido. Precisava anotar aquela imagem. Daria boa crônica. Algum vulcão histórico, o Vesúvio, e as paixões humanas. Ou um livro, um romance sem pé nem cabeça, feito de lavas. Sim, uma estreia de causar inveja a esses contistas de meia-tigela. Deixaria de ser apenas um cronista. Mudaria o nome. Nada de Minotauro.
NA MURALHA
Antônio Sollos se revirava na cama. Ana o chamava para conhecer de perto a muralha da China. Ele sentia medo de altura, de se aproximar do Sol, queimar-se, morrer. Ela ria. Um sol não deveria ter medo do Sol. Ainda mais sendo um sol duplo. Sollos se ajoelhava. Jurava não ser vaidoso. Milhares de chineses se aproximavam deles. Ana sumia na multidão e ele se punha a bradar por ela, que ria, falava, dizia estar ao lado dele. Sollos pedia socorro, gritava o nome de Ana, que ecoava pela muralha e pelos vales. Ela reaparecia. Ele sabia o significado do Sol? Falava de calendários, dias, meses e anos. Ele a chamava de louca. Por que o tinha abandonado? Porque se chamava Ana, a mulher do ano. E ria, gargalhava. Não brincasse com as palavras. Chineses o cercavam. Uma chuva forte caía sobre a muralha. Trovões e relâmpagos. Antônio Sollos sentia a urina inundar-lhe as pernas.
COM TESEU
Ana se debatia no leito. Sollos a convidava a conhecer um labirinto. Se fosse o de Creta, não desejava nem chegar perto. Tinha medo do minotauro. Deixasse de besteiras. Tudo era mito, apenas mito. Além do mais, a fera havia muito não existia. Matou-a a mitologia. E a puxava pelo braço e a chamava de Ariadne. Ela fincava os pés no chão. Mesmo assim, Sollos a arrastava e se dizia o herói Teseu. Ouvia um rugido de fera e se assustava. Não tivesse medo, ele mataria o animal. Escurecia. Os bramidos se faziam mais próximos.
O VULCÃO
Minos mexia os lábios, como se falasse. Ao longe, vislumbrava o topo de um vulcão adormecido. Sentava-se numa pedra. Sentia calor, suava. Olhava para o vulcão e percebia, distantes, pequeninos, dois vultos humanos. Aguçava a vista e reconhecia neles Ana e Sollos. O que faziam ao pé de um vulcão? Punha-se a bradar os seus nomes. Abandonassem o local. As lavas não tardariam a subir. Gritava, gritava, e nada de ser ouvido. E nunca poderia se aproximar deles. Não conseguiria chegar a tempo de evitar uma tragédia. Desesperava-se. Viessem, correndo. Tinha para eles presentes: todos os livros de Kafka, Borges e Joyce. No entanto, a boca do vulcão já vomitava fogo.
UM LIVRO IMENSO
Sollos, deitado, ouvia música havia horas, dias. Ansiava ouvir a sinfonia do Castelo pelo resto da vida. Quem a compusera? Sabia Ana, sabia Mino? Ou nunca a compuseram? Ana lia trechos de O Castelo. Mino sorria. Ainda seria o grande cronista do Universo. Batiam à porta. Um mensageiro dizia estar ali em nome do imperador da China. No entanto, escondido por máscara, poderia ser Mino? Atrás dele uma mulher jovem e bonita. Seria Ana? Trazia, em nome do monarca, a história da Grande Muralha da China. Lesse, traduzisse para todos os idiomas e divulgasse pelo mundo. Corriam os três pelas ruas de Fortaleza, seguidos de multidão a clamar e cantar. Chegavam à Praça do Ferreira e, diante da Coluna da Hora, se punham a fazer um discurso coletivo. A multidão se calava. Irmanavam-se os três num discurso sem fim e sem sentido E se olhavam e riam. No entanto, toda a cena diante deles se desenrolava numa tela de cinema ou televisão. No sofá, Sollos, Ana e Mino liam um imenso, quase infinito livro aberto diante deles.
Fontes:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.
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