sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Afrânio Peixoto (Trovas Populares Brasileiras) – 22 (Partida)


1
Benzinho, quando te fores,
Vem cá me dizer adeus; 
quero mandar os meus olhos 
em companhia dos teus.
2
Se com lágrimas pudesse 
a tua ausência impedir, 
estava sempre a chorar
para não te ver partir.
3
Quando me for desta terra 
três coisas quero pedir:
A maior é o mal de amores 
pra quando tornar a vir.
4
No dia em que eu nasci, 
nasceu um pé de oiticica. 
Eu cresci, e ela cresceu, 
eu irei, e ela fica.
5
Queria achar quem dissesse 
onde o pesar mais aumenta: 
– Se no peito de quem fica, 
se na alma de quem se ausenta.
6
Tu partes cruel e eu fico 
curtindo a dor de perder-te, 
sabendo que a minha vida 
dependia só de ver-te.
7
Vou-me embora de manhã 
por este caminho afora, 
minha falta ninguém sente, 
minha ausência ninguém chora.
8
Minha jangada de vela 
que vento queres levar? 
De dia, vento de terra…
De noite, vento do mar…
9
Menina, quando te fores 
me escreve lá do caminho; 
Se não tiveres papel, 
nas asas de um passarinho.
10
Da boca faz o tinteiro, 
da língua pena aparada, 
dos dentes letra miúda, 
dos olhos carta fechada.
11
Dos cachos dos teus cabelos 
fiz anel para meu dedo. 
Pra te deixar tenho pena, 
pra te levar tenho medo.
12
Amanhã me vou embora. 
Amanhã muito cedinho, 
eu faço que vou me embora, 
vou te esperar no caminho.
13
Agora eu me vou embora 
para a semana que vem, 
quem não me conhece chora, 
que dirá quem me quer bem?
14
Adeus, que eu me vou embora,
adeus, que me quero ir;
Menina, nesses teus braços 
eu quero me despedir.
15
Vou-me embora morrer longe.
Sem uma consolação. 
Novas de mim não procures, 
culpa esse teu coração.
16
Adeus, adeus, vou-me embora. 
Degredos levo na mão,
se por mim se formam guerras, 
já me vou... descansarão!
17
Quem parte, parte chorando. 
Quem fica, vida não tem, 
não tem alma, não tem vida 
quem se aparta de seu bem.
18
Quero dar a despedida 
como deu a patativa, 
adeus, coração de prata! 
Perdição da minha vida!
19
Quando nós nos separamos 
no riacho da Agonia, 
tanto corriam as águas 
como o meu pranto corria
20
Esta noite à meia-noite, 
Meia-noite já seria,  
vi cantar e vi chorar, 
como quem se despedia.
21
Esta noite, à meia-noite, 
ouvi cantar, e vi chorar, 
eram dois amantes firmes, 
com pena de se apartar.
22
Vou-me embora, vou-me embora, 
que me dão para levar? 
Levo penas e saudades
e lágrimas para chorar...
23
Adeus fontes, adeus rios, 
adeus pedras de lavar. 
Olhos que me veem ir, 
quando me verão voltar?
24
Quem inventou a partida 
não sabia o que era amor; 
Quem parte, parte sem vida, 
quem fica, morre de dor.
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Júlio Afrânio Peixoto (Lençóis/BA, 1876 – 1947, Rio de Janeiro/RJ) foi um médico, político, professor, crítico literário, ensaísta, romancista e historiador brasileiro. Ocupou a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras, e a cadeira 2 da Academia Brasileira de Filologia, da qual foi fundador. Passou sua infância no interior da Bahia, na cidade de Canavieiras (onde há uma biblioteca e rua com seu nome), vivenciando situações e paisagens que influenciariam muitos dos seus romances. Formou-se em Medicina, em Salvador, no ano de 1897. Sua tese inaugural, "Epilepsia e crime", despertou grande interesse nos meios científicos do país e do exterior. Em 1902, mudou-se para a capital do país, na época, Rio de Janeiro, onde foi inspetor de Saúde Pública e diretor do Hospital Nacional de Alienados, em 1904. Ministrou aulas de Medicina legal na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1907) e assumiu os cargos de professor extraordinário da Faculdade de Medicina (1911); diretor da Escola Normal do Rio de Janeiro, em 1915 e diretor da Instrução Pública do Distrito Federal no ano seguinte. Em 1916, após 3 anos ministrando a disciplina de Medicina Legal, torna-se professor titular da cadeira na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Foi eleito deputado federal pela Bahia, ficando no cargo no período de 1924 a 1930. Após isto, voltou à atividade do magistério sendo professor de História da Educação no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, em 1932. Em 1934 foi agraciado com a Grã-Cruz da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico de Portugal. Foi reitor da Universidade do Distrito Federal em 1935 e, após 40 anos de relevantes serviços, aposentou-se. Iniciou na literatura no ano de 1900 com a publicação do drama Rosa mística. Drama em cinco atos, luxuosamente impresso em Leipzig, com uma cor para cada ato. Entre 1904 e 1906 esteve em vários países da Europa, a fim de adquirir novos conhecimentos. Ao retornar ao Brasil esqueceu-se da literatura e pensou apenas na medicina. Nesse período foi grande sua produção de obras de cunho médico-legal-científica. O romance foi uma implicação a que o autor foi levado em decorrência de sua eleição para a Academia Brasileira de Letras, em 7 de maio de 1910, para a qual fora eleito à revelia, quando se achava no Egito, em sua segunda viagem ao exterior. Quase como que por obrigação, começou a escrever o romance A esfinge, o que fez em três meses antes da posse da Cadeira nº 7. O Egito inspirou-lhe o título e a trama novelesca. O romance, publicado no mesmo ano, obteve um sucesso incomum e colocou seu autor em posto de destaque na galeria dos ficcionistas brasileiros. Afrânio Peixoto obteve, na época, grande aprovação de crítica e prestígio popular. Existe no Palácio Imperial, em Petrópolis, uma placa comemorativa onde se lê: "Nesta sala, durante cinco verões, Afrânio Peixoto disse cousas. Que cousas! e como as disse!". Como ensaísta escreveu importantes estudos sobre Camões, Castro Alves e Euclides da Cunha. Como médico, conheceu e estudou as ideias e teorias de Freud, levando-as para muitos de seus romances. Teve colaboração na publicação periódica Atlântida (1915–1920) e na revista luso-brasileira Atlântico. 
Algumas obras: Rosa mística — drama (1900); Lufada sinistra — novela (1900); A esfinge — romance (1911); Trovas brasileiras (1919); Fruta do mato — romance (1920); As razões do coração — romance (1925); História da literatura brasileira (1931); Livro de horas (1947), etc.

Fontes: 
Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919. 
Disponível em Domínio Público.
Biografia = https://pt.wikipedia.org/wiki/Afrânio_Peixoto

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