domingo, 10 de março de 2024

Varal de Trovas n. 596

 

Eduardo Affonso (A culpa é do estagiário)

O sujeito que inventou a língua portuguesa deixou algumas partes a cargo do estagiário, e não fez o chequiliste das funcionalidades antes de colocar o produto no mercado.

Isso que temos aí para nos expressar é, claramente, uma versão beta.

Duvida?

“Fulano acabou de ser visto saindo do motel com sua mulher”.

Antes de ir tomar satisfações, a questão que se coloca é: esse “sua” é a sua mesmo (pessoa com que eu faço a intriga) ou a dele (pessoa em cuja vida eu não tinha nada que estar me metendo, já que a mulher é dele e eles vão aonde quiserem)?

São coisas bem distintas ir ao motel com a mulher alheia (falta de decoro) e com a própria mulher (falta de imaginação).

Imagine quantas D.R.s e crimes passionais poderiam ter sido evitados se o idioma fosse um pouco mais profissional. Como o inglês, por exemplo, em que “your” ou “his”/”her” esclarecem tudo.

Outro exemplo: “Temos que manter acesa a chama do amor em nossos corações”.

Como assim “nossos corações”? “Em nossos pulmões” (ou rins), tudo bem, porque temos dois. Mas coração a gente só tem um. Poucas pessoas – as que fizeram transplante, por exemplo – podem usar essa frase sem incorrer em dubiedade.

Por outro lado, dizer “em nosso coração” dá a impressão de termos um coração só, compartilhado.

Um estagiário além do 5º período teria pensado numa fórmula melhor para essas situações – algo como um plural só meu e um plural envolvendo mais gente.

Graças aos bombeiros, nossas vidas foram salvas”, poderiam dizer dois gatos (7 vidas cada um). Mas para duas pessoas, a coisa – mesmo para quem leva vida dupla – soa estranha.

Temos 5 vogais (mais o Y, que parece vogal mas é gênero fluído) e 19 consoantes (mais o H, que é não binário). Dá pra fazer um sem número de combinações, permutações e arranjos. E, no entanto, a preguiça do estagiário fez com que tivéssemos uma penca de repetições.

“Vir” é tanto o infinitivo de um verbo (“Direito de ir e vir”) quanto o subjuntivo futuro do verbo “ver” (“Se eu vir você indo e vindo, você vai ver!”).

“Eu pulo” pode significar que estou polindo ou pulando. Mas se polir, não pule; se pular, não pula.

“Morto” é o particípio passado de “morrer” e de “matar”. É preciso uma análise jurídica e sintática para saber se se trata do réu ou da vítima.

Sem contar que o tal estagiário era adepto da lei do menor esforço. Só isso explica “em cima” e “encima”, “embaixo” e “em baixo”, “senão” e “se não”, “agente” e “a gente”, “acerca” e “a cerca”, “aparte” e “à parte”, “decerto” e “de certo”, “afim” e “a fim”, “haver” e “a ver”, “haja” e “aja”, “hora” e “ora”; e – aí era motivo para justa causa – “por que”, “por quê”, “porque” e “porquê”.

Eu, como qualquer falante do português, contrataria um profissional para revisar o idioma. E não ficar dependendo, como na sentença anterior, de uma vírgula para evitar mal entendidos.

Carolina Ramos (Ramalhete de Versos) – 1


A VIAGEM DOLOROSA

Enfrento, combalida, a jornada que assume
dimensões de montanha e nuvens de incerteza.
A dúvida recobre o intransponível cume.
A vida tumultua a própria correnteza.

Rochas, por toda a parte... e flores sem perfume!
Por todo o lado, a escarpa, o abismo sem beleza!
Por todo o tempo, a noite a se estender sem lume,
tornando negro o verde e o azul da natureza.

Mas, seguirei ferindo as mãos pelos espinhos.
E seguirei cortando os pés pelos caminhos,
sem temer empecilho e sem temer fracassos,

se souber que me espera apenas uma rosa
e esta viagem, por fim, tão triste e dolorosa,
me der repouso e paz, no ninho dos teus braços...
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IDOLATRIA

Se amar fosse pecado, quem seria
livre de culpas neste pobre mundo?!
Mundo que pede amor, dia após dia,
e apenas por Amor se faz fecundo!

Se amor fosse pecado, eu bendiria
esta culpa de amar, de que me inundo
neste amor que se estende à idolatria,
e é tão imenso e puro, quão profundo!

Bem vês, Senhor, quanta sublimidade,
no amor-renúncia envolto na saudade,
que minha alma não sabe mais conter!

Caso o mereça, Teu perdão imploro!
Digo, temendo mesmo Te ofender,
que nem sei mais se a um deus somente adoro!
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MILIONÁRIOS DE AMOR

Vivíamos? - Não sei... nem sabes! A verdade
é que, existir somente, é pouco à criatura.
Ninguém vive sem ter do amor a realidade,
nem transportando ao sonho o anseia de ventura!

Tão distante era a vida! Agora, uma saudade
nossos passos conduz, mas, cessou a procura,
porque vimos de perto o que é felicidade
e o que é provar o amor, em taça de ternura!

Na vitrina do espaço, etérea, inatingível,
qual fugaz ilusão, qual um sonho impossível,
a vida, para nós, era um caro adereço:

- Fascinante rubi, da mais intensa cor!
E essa joia, afinal, milionários de amor,
nós compramos sorrindo... e sem olhar o preço!
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PASMO

Estranha sensação! - Sentir chegar o outono
de rosas perfumado e haurir toda a doçura
do beijo de uma flor, que pende em abandono,
entre botões de sonho e acenos de ventura!

Adormecer feliz, entregue ao próprio sono.
E, de repente, abrindo os olhos, com ternura,
descobrir na amplidão uma estrela sem dono,
que veio iluminar a noite, outrora escura!

Ah! Que emoção imensa em meu peito palpita!
De tal forma a crescer, numa ânsia infinita,
os pensamentos vão se esgarçando, dispersos...

Minha lira emudece... ou cantar não mais sabe!
A cigarra se cala: - a Vida não mais cabe
na estreita dimensão destes meus pobres versos!
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PRESENÇA

Nas horas em que partes para longe,
o mundo se esvazia de repente!
Pesa-me a solidão!... E, triste monge
no exílio, o coração assim se sente!

Chegas! Floresce a vida! E, porta aberta,
ganham fulgor as coisas que eram baças!
O monge, não mais só, a alma liberta,
e cora, ante o calor com que me abraças!
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ROSAS

Eram de terra e pedras os caminhos
que palmilhávamos e o céu, sem lume.
O encontro!... E uma vereda, só de espinhos,
abriu-se aos nossos pés. Flores, perfume

nos prometia, ao fim! E quantos ninhos
nós rejeitamos, quase com ciúme
a cercar de pureza esses carinhos
que o mundo não entende e em mal resume.

Há luz nos céus! Nos olhos meus, nos teus,
há um grande Amor! Há grande crença em Deus!
E sem fugir às sendas espinhosas,

mesmo de pés em sangue e olhos em pranto,
há de chegar o dia, só de encanto,
de sorrindo, afinal, colhermos rosas!
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TEMPO DE AMAR

Amor!... E o que é o Amor? - chama bendita
que nasce, vive, cresce e nos ampara.
E, por vezes, sepulta na alma aflita
o vazio dos sonhos sem seara.

Em qualquer tempo - Amor! - a vida grita.
Amor sublime, o de Francisco e Clara.
Amor Romeu - Julieta, amor desdita...
Amor paixão; Dr. Jivago e Lara!

Pode a neve pratear nossos cabelos
e os minutos fugirem... se retê-los
nos impede o destino, a contrapor,

há os instantes de excelsa magnitude,
que a vida é breve, muita vez ilude,
mas, nunca é tarde para o Grande Amor!
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Fonte> Carolina Ramos. Destino: poesias. São Paulo: EditorAção, 2011.  
Livro enviado pela poetisa.

Silmar Bohrer (Croniquinha) 107

Viver ou ficar esgueirando entre os espinhos do dia a dia?  E a alegria? O riso?  A gargalhada?  O frenesi? Não valem nada ?

A faina diária, sim!  Enfrentar como quem vai bebericando uma sopa quente, com cautela, olhos grandes, em silêncio, pelas beiradas, sem receios, buscando o intento.

Vale a pena brigar por coisas banais, futilidades, muitas vezes em benefício de terceiros de quem pouco ou nada sabemos? Em nome de crenças, ideologias, fanatismos, demônios?

De tudo que construímos e realizamos, nada levamos.  Viver a realidade otimista das horas, dos dias, da vida.  Benesses granjeadas, graciosas, grandiloquentes.     

Fonte> Texto enviado pelo autor 

Arthur de Azevedo (Contos em Versos) Bem feito!

A mulher do Vilella
Não era uma Penélope; os vizinhos
Viam de vez em quando em casa dela
Entrar um moço de altos colarinhos,
Polainas e cartola. Não seria
Caso para estranhar, e aquela gente
À língua não daria,
Se não escolhesse o moço justamente,
Para as suas visitas,
As horas infinitas
Em que o dono da casa estava ausente.

Defronte, um cidadão austero e grave,
Marido e pai de umas senhoras feias,
Que, zeloso, ao sair, fechava à chave,
Sentia o sangue lhe ferver nas veias
Sempre que via aquele sujeitinho,
Desrespeitando a vizinhança honrada,
Em casa entrar do crédulo vizinho.
Por isso, resolveu — coisa impensada! —
Dizer tudo ao marido,
Que não era, aliás, seu conhecido,

E ter com ele foi, um belo dia,
Lá na secretaria
Onde o pobre diabo era empregado.

— Falo ao senhor Vilella? — A um seu criado. —
— Pois, meu caro senhor, fique ciente
De estar aqui presente
Joaquim Belmonte, funcionário honrado,
Há muito aposentado,
Pai de família honesta,
Respeitável, pacífica, modesta. —
Vilella respondeu: — Senhor Belmonte,

De vista já o conheço desde o dia
Em que um prédio aluguei mesmo defronte
De vossa senhoria.
Eu tenho a honra de ser seu vizinho. —
— Bem sei, e é justamente
O que me traz. — Parece que adivinho:
Comigo aqui ter veio,
Muito provavelmente,
Para comigo combinar o meio
De fazer com que a nossa
Municipalidade,
Que tão pouco se ocupa da cidade,
E que às reclamações faz vista grossa,
Mande limpar aquela imunda vala
Da nossa rua, que nos contraria
Pelo cheiro que exala
E há de ser causa de uma epidemia... —

— Não, não venho tratar da vala; eu venho
Tratar de coisa muito mais nociva,
E por cuja extinção muito me empenho,
E hei de empenhar-me creia, enquanto viva,
A coisa não depende
Da Municipalidade,
Mas do senhor, — entende?
— Para falar verdade,
Não entendo, — Meu caro, eu poderia
Escrever-lhe uma carta,
Que não assinaria;
Mas sou digno de haver nascido em Esparta:
Acho as cartas anônimas infames,
E uma infâmia jamais cometeria,
Embora me expusesse a mil vexames. —

Depois desse preâmbulo,
O Vilella ficou pasmado e mudo;
Parecia um sonâmbulo.
O outro continuou, grave e sisudo:
— O senhor é casado,
Ou, se o não é, parece, — pelo menos
Vive na sua casa acompanhado
De uma senhora e de mais dois pequenos. —
— Mulher e filhos meus, disse o Vilella. —
— Abra o olho com ela!
Quando o senhor não está, vai visitá-la
Um janota, e, reflita,
Não é de cerimônia essa visita,
Pois não lhe abrem a sala... —

Vilella deu um pulo
Da cadeira em que estava, e ficou fulo;
Mas o velho puxou-o pelo casaco
E obrigou-o a sentar-se,
Dizendo-lhe: — Vá lá! Não seja fraco!
Ouça o resto, e disfarce...
Naquele bairro inteiro
O escândalo comentam,
E o vendeiro, o açougueiro e o quitandeiro
Mil horrores inventam,
Dizendo que o senhor sabe de tudo,
Mas faz de conta que de nada sabe!
Eu não sou abelhudo,
E outro papel no caso não me cabe
A não ser a defesa do decoro
De minhas filhas, que esse desaforo
Profundamente ofende.
Não pode aquilo continuar, entende?

Disse o Vilella enfim: — Velho maldito,
Se tudo quanto para aí tens dito
Não for verdade, apanhas uma coça!
Livrar-te destas mãos não há quem possa! —
— Faça uma coisa, respondeu tranquilo
O velho: quer saber se é certo aquilo?
Pois amanhã, quando sair, não venha
Para a repartição: em minha casa
Entre, e lá se detenha.
Fique certo de que não perde a vaza.

Escondido por trás da veneziana,
Verá entrar o biltre que o engana,
Está dito? — Está dito! — Lá o espero,
Sou velho honrado. Convence-lo quero. —

Foi-se o Belmonte, e o mísero marido
Ficou estarrecido;
Mas de tal modo disfarçou o estado
Em que o deixara o velho estonteado,
Que, entrando em casa à costumada hora,
Não notou a senhora
Nenhuma alteração, — e, no outro dia,
Posto à janela do denunciante,
Que, fechada, discreta parecia,
Viu entrar o amante,
Que ele não conhecia.

Correu Vilella à casa num rompante,
Antes que o outro lhe embargasse os passos,
Ou lhe pusesse os braços,
E um barulho infernal se ouviu da rua
Subitamente alvoroçada, e cheia
Dessa canalha vil que tumultua
Quando vê novidade em casa alheia.

O corpo do janota pela escada
Rolou como uma bola,
E a luzente cartola
Na rua, encapelada,
Antes do dono apareceu. A vaia

Que ele apanhou foi tal, tão formidável,
Que, viva ele cem anos, é provável
Que da memória nunca mais lhe saia.

Mas, oh, astúcia de mulher, quem pode
Sondar os teus arcanos,
Medir os teus recursos?!
Um Hércules não há que não engode
O ardil dos teus enganos
Ou o mel dos teus discursos!

E o Vilella não era
Precisamente um Hércules, coitado!
A esposa, que ele amava, e por quem dera,
Feliz, entusiasmado,
A vida, se ela a vida lhe pedisse,
A esposa... que lhe disse?
Que o janota não era o seu amante,
Mas o seu mestre de francês; queria
Aprender essa língua, que humilhante
Era viver na roda em que vivia,
Sem saber o francês... Ele, o marido,
Já meio convencido,
Lhe perguntou por que razão queria
Aprender em segredo,
E ela, pondo-lhe um dedo
No lábio inferior, pôs-se a agitá-lo,
Como se fosse um berimbau, e disse:
— Eu queria fazer-te uma surpresa.

Passado o grande abalo,
O bom Vilella, sem que ninguém visse,
Pôs-se na esquina à caça do Belmonte,
E — oh, que não sei de nojo como o conte! —
Deu-lhe uma tunda mestra, e derreado
Dois meses o deixou. Foi coisa nova
Apanhar uma sova
Um grave funcionário aposentado.

Mas, passada tão longa penitência,
Quando se ergueu do leito,
O velho interrogou a consciência,
E a consciência respondeu: — Bem feito!

Fonte> Artur de Azevedo. Contos em verso (contos brasileiros). Publicado originalmente em 1909. Disponível em Domínio Público . Convertido para o português atual por J. Feldman

Hinos de Cidades Brasileiras (Andirá/PR)


composição: Prof. Luiz Faria

Salve, salve, ó Andirá!
Salve, salve, ó cidade progresso!
Teu futuro deslinda o horizonte,
Anseio de liberdade incessante!

No passado, um dia de festa
Desejamos, com amor, exaltar.
Andirá, com orgulho trouxestes
Esta data para celebrar !

Refrão
Andirá - nova estrela
Que hora brilha numa constelação!...
Realidade alcançada
Conquistando um passado de amor!

Campo e indústria - duas colunas...
O comércio para te sustentar...
Seguem avante a saúde e o ensino,
Luz divina para te guiar...

O teu povo laborioso
É exemplo e ensina a fazer,
Construindo esta bela cidade,
Onde, em paz, aprendeu a viver!

Refrão
Andirá - nova estrela
Que hora brilha numa constelação!...
Realidade alcançada
Conquistando um passado de amor !

Celebramos assim,
Numa grande emoção
Esta data feliz
De tua emancipação.

Parabéns, Andirá,
Jovem em seu ardor!
És para o Paraná
Exaltação de amor!

Hans Christian Andersen (O Companheiro de viagem)

Quando o pai de Johannes faleceu, o menino ficou terrivelmente triste. Ele não tinha mãe e agora estava sozinho. É por isso que ele decidiu pegar a estrada no dia seguinte ao funeral de seu pai.

Na primeira noite, ele teve que dormir no feno, mas Johannes não se importou. O tempo estava bom e a lua brilhava forte no céu. 

Naquela noite, Johannes sonhou com uma linda garota com uma coroa de ouro na cabeça. Ele também viu seu pai que lhe disse: ‘Viva sempre bem, Johannes! Veja que linda noiva você terá então.’ 

Na manhã seguinte, Johannes acordou satisfeito e com a intenção de viver uma vida boa e gentil.

Na noite seguinte, o tempo estava péssimo e Johannes não conseguia dormir ao relento. Ele decidiu se abrigar em uma pequena igreja. Sentou-se num canto e adormeceu. 

Por volta da meia-noite, ele foi acordado por vozes. Ao luar viu que havia um caixão no meio da igreja, mas o homem ainda não estava enterrado. Ao redor do caixão estavam dois homens maus que queriam ferir o homem no caixão. 

‘Ei! O que você está fazendo?’ disse Johannes corajosamente. 

‘Este homem nos deve dinheiro, mas agora ele está morto e não recebemos nada. Então, como vingança, vamos expulsá-lo da igreja.’ 

‘Você pode ficar com o meu dinheiro’, disse Johannes, ‘não é muito, mas é toda a minha herança. Mas você terá que deixar o homem em paz’. 

Os dois homens malvados riram, pegaram o dinheiro e foram embora.

Quando Johannes continuou sua viagem na manhã seguinte, ele ouviu uma voz chamá-lo. 

‘Ei amigo, onde você está indo?’ disse o estranho. 

“Estou indo para o mundo inteiro”, respondeu Johannes. 

‘Eu também’, disse o estranho, ‘vamos juntos?’ 

Johannes achou uma boa ideia e logo eles se tornaram amigos íntimos.

O companheiro de viagem revelou-se um homem estranho. Ele não apenas sabia muito sobre o mundo, mas também tinha uma pomada mágica. Com esta pomada ele curou a perna quebrada de uma velha e deu vida aos bonecos de um marionetista. Em troca, ele ganhou três vassouras da velha e uma espada do marionetista. A espada veio a calhar quando se depararam com um cisne morto, o companheiro de viagem quis levar as asas consigo.

Não muito depois chegaram a uma cidade onde morava o rei. Eles ouviram que o rei era um homem bom, mas que sua filha era uma princesa má. Todo homem que quisesse se casar com ela tinha que resolver três enigmas. Se eles não conseguissem, ela os mataria. Muitos homens tentaram, mas nenhum conseguiu.

No dia seguinte, Johannes viu a princesa cavalgando pelas ruas. Ela era tão linda e parecia a garota que ele tinha visto em seus sonhos! Ela não podia ser má, podia? Na hora, ele decidiu que queria se casar com ela. E mesmo que todos tentassem fazê-lo mudar de ideia, ele queria tentar.

Enquanto Johannes dormia, o companheiro de viagem fez um plano. Ele amarrou as asas do cisne nas costas e pegou uma vassoura da velha. Então ele voou para o castelo. Aí ele viu como a princesa voou de sua janela com grandes asas negras. 

O companheiro de viagem se fez invisível e voou atrás dela enquanto a golpeava com sua vassoura. Quando ela chegou a uma grande montanha, ela mergulhou em uma caverna. Um troll feio estava dando uma festa lá. O companheiro de viagem ouviu a princesa dizer ao troll que um novo pretendente havia chegado para pedir sua mão em casamento e o troll respondeu que o pretendente teria que adivinhar o que ela estava pensando. E ela teria que pensar em seus sapatos.

Na manhã seguinte, o companheiro de viagem disse a Johannes que havia sonhado com a princesa e que ela estaria pensando em seus sapatos. Johannes acreditou nele imediatamente. Isso tinha que ser um sinal! Ele foi ao castelo e respondeu sem hesitar à pergunta da princesa. Oh, como ela ficou surpresa quando ele respondeu corretamente.

Naquela noite, o companheiro de viagem fez a mesma coisa e desta vez ouviu que a princesa estaria pensando em sua luva. E novamente Johannes estava certo no dia seguinte. 

Naquela noite, o companheiro de viagem voltou ao castelo novamente. Ele seguiu a princesa, viu como ela estava dançando com o troll e os seguiu quando eles voaram de volta para o castelo. O troll sussurrou: ‘Pense na minha cabeça.’ E quando a princesa voltou para seu quarto, o companheiro de viagem cortou a cabeça do troll feio. Ele o colocou em um lenço e disse a Johannes na manhã seguinte que precisava abrir o pacote na frente da princesa.

Todos ficaram em choque quando viram a cabeça do troll, mas Johannes deu à princesa a resposta certa. 

Naquela noite eles se casaram. A princesa estava muito infeliz, mas felizmente o companheiro de viagem disse a Johannes como acabar com seu feitiço. A partir desse momento, a princesa amou muito Johannes.

No dia seguinte ao casamento, o companheiro de viagem veio se despedir. 

‘Devo ir agora’, disse ele, ‘Paguei minha dívida com você. Eu sou o homem morto cuja dívida você pagou aos homens maus. Muito obrigado.’ 

E com essas palavras ele desapareceu. E Johannes e sua princesa viveram felizes para sempre.

Fonte> Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público

sábado, 9 de março de 2024

Edy Soares (Fragata de versos) – 44: Frutos Mirrados

 

Eduardo Martínez (O Céu de Clarice)

Clarice, menina perspicaz até para as minúcias, não poupava saliva para defender o que imaginava ser o certo. E, diante de tanta imaginação, quis porque quis entrar na igreja com a Cocó, aquela cachorrinha que lhe fazia companhia nas brincadeiras diárias. E, quando chegava o momento de fazer as tarefas da escola, a Cocó se deitava aos pés da garota e, de lá, só arredava as patinhas após o ponto final do último exercício feito.

Mas voltemos àquela ideia da menina querer entrar com uma cachorra na igreja. Pois, sim! Que ideia mais estapafúrdia, diziam alguns. Isso é falta de umas boas chineladas para ver se aprende, diziam outros.

De tanto a guria insistir, a mãe da menina não teve escolha e, então, recorreu àquele com maior autoridade no bairro. Pois é, a mulher foi ter um dedo de prosa justamente com o Padre Júlio. Ela explicou a situação para o religioso, que, homem mais que sensato, quis conversar com a Clarice.

Não se sabe ao certo como se deu tal diálogo, mas o desfecho foi que a menina tem ido à igreja e, pasmem, acompanhada da Cocó, que fica confortavelmente sentada no seu colo. É verdade que a cadelinha ainda não aprendeu a rezar. Todavia, ela parece estar ciente do argumento usado pela Clarice para fazer com que aquele homem concordasse que a Cocó também pudesse assistir às missas.

– Padre Júlio, não sei se Céu tem cachorro, mas acho difícil ter Céu sem cachorro.

Fonte> https://blogdomeninodudu.blogspot.com/

Luiz Damo (Trovas do Sul) LVIII


A semente só germina
se na terra for plantada,
mesmo sendo pequenina
merece ser respeitada.
= = = = = = = = = 

A verdade não devia
ter segredos nem afrontas,
porque há de chegar o dia
que todos vão prestar contas.
= = = = = = = = = 

A vida contém enigmas
que podem ser desvendados
e uns antigos paradigmas
também devem ser mudados.
= = = = = = = = = 

À vida foste chamado
pra viver e te doar,
se de graça te foi dado
de graça tu deves dar.
= = = = = = = = = 

Cada momento da história
somos nós que prefaciamos,
com nossa dedicatória
no final sempre assinamos.
= = = = = = = = =

Cicatrizes do passado
na face podem ser vistas,
são dum sonho fracassado
ou de quedas imprevistas.
= = = = = = = = = 

Da infância pra adolescência,
desta pra maturidade,
porta que por excelência
conduz à terceira idade.
= = = = = = = = = 

Destes campos infinitos
sou ferrenho defensor,
basta ouvir doídos gritos
pra condenar o agressor.
= = = = = = = = = 

Em soluços de saudade
verte em pranto a solidão,
são pingos de uma amizade
que brotam do coração.
= = = = = = = = = 

Jamais carregue rancores
por qualquer adversidade,
viva todos os valores
que elevam a humanidade.
= = = = = = = = = 

Na cadeia alimentar
talvez, o grande dilema,
seja a vida preservar
sem mudar o ecossistema.
= = = = = = = = = 

Não podemos permitir
que a tristeza nos abata.
Mesmo sem poder sorrir
pela luta a dor combata.
= = = = = = = = = 

Nas escadas da existência
superamos seus degraus,
no topo, a benevolência,
para os bons e para os maus.
= = = = = = = = = 

Nem tudo quanto sabemos
nos compete divulgar,
tem segredos que queremos
somente a Deus revelar.
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Nunca esconda seu talento
com medo de ser roubado,
Desta forma esteja atento
porque lhe será cobrado!
= = = = = = = = =

Nunca faça do passado
uma fonte de saudade,
cada passo seja dado
buscando a felicidade.
= = = = = = = = = 

O cravo vibra galante
num galanteio sem fim,
dança sereno e vibrante
com inveja do jasmim.
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Olha se a vida que levas
é a que mais sonhavas ver,
ou se o que vês são só trevas
transtornando o teu viver.
= = = = = = = = = 

Onde estão, nobres valores,
que deram sustentação?
Ontem, firmes precursores
e hoje, só recordação...
= = = = = = = = = 

Os caminhos já traçados
pelos nossos ancestrais,
deverão ser ampliados
sem esquecê-los jamais.
= = = = = = = = = 

O trabalho nunca é pleno
quando feito sem amor,
com prazer, mesmo pequeno,
sempre tem muito valor.
= = = = = = = = = 

Ouço o sussurro do vento
no balanço das ramagens,
sopro firme, forte ou lento,
traça rotas nas paisagens.
= = = = = = = = =

Qualquer pedra no caminho
deixa o rumo atrapalhado.
"É melhor andar sozinho
do que mal acompanhado".
= = = = = = = = = 

Quando o trabalho for feito
com dignidade e presteza,
mesmo não sendo perfeito
guarda em si grande nobreza.
= = = = = = = = = 

Só de sonhos ninguém vive,
precisamos de água e pão,
se alguém diz que sobrevive
deve ser mera ilusão.
= = = = = = = = = 

Toda empresa é relevante
pois cultiva seus valores,
nenhuma é mais importante
do que os colaboradores.
= = = = = = = = = 
Fonte> Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014. 
Enviado pelo autor.

Laé de Souza (Um dia para ler manuais)

As coisas vão acontecendo lentamente. Primeiro a televisão da sala. Depois outra para o quarto do filho. Modelo diferente, claro. Mais moderna, com controle remoto, cores mais nítidas. O vídeo modelo G-XX, depois um outro com mais recursos para acoplar à televisão do guri. Uma máquina de lavar, tanquinho, secadora, microondas (igual ao da vizinha, para não ficar por baixo], freezer, telefone sem fio, celular, parabólica, aparelho de som a laser.

De alguns, principalmente os importados via Paraguai e os adquiridos no mercado interno, o vendedor deu umas explicações básicas, que foram suficientes para o uso imediato, e fez até umas anotações de sequências numa folha de papel entregando o manual em inglês. A mulher, toda importante, falou para o muambeiro que não tinha problema, porque o filho estava no quinto estágio no CCAA e faria a tradução com facilidade.

De outros, veio a assistência técnica, instalou, também deu umas instruções rápidas de uso. Na hora tudo muito fácil. Depois, parece aquela coisa de mágica feita na Rua Direita. Só funciona com o cara, mas tem o manual.

Boa parte dos produtos, ninguém ensina nada e o comprador tem que se virar com o manual. Você começa a ler. Aperta aqui, ali. Pelo menos a coisa já começa a funcionar, Não com a capacidade total. 

Naturalmente que como eu, você deve achar que muitos recursos são desnecessários, e deixa para um outro dia o término da leitura. Por enquanto, a mulher vai se virando com o que você já sabe. Em geral é o marido que se encarrega de ler os manuais e vai passando o funcionamento para a mulher. A minha sempre cobra. O micro da Joanita é igual ao nosso, doura que é uma beleza e até agora você não me ensinou como fazer. A programação...

Mas tem um domingo, muito tempo depois e raro, em que você levanta sem preguiça, não tem jogo, nem cooper no parque, porque chove, resolve ler todos os manuais e colocar as informações tecnológicas em dia. Empilha todos, por cima os prioritários (a mulher é quem escolhe a ordem), apanha os dicionários português/ inglês, português/português, de termos técnicos de engenharia, um copo de uísque para clarear as ideias e dá início a maratona. Lê, relê, volta página, faz de novo. 

Levanta, enche mais uma vez o copo. Liga para o primo, que tem um igual. Percebe que o inglês do filho naquele momento não ajuda muito e que ele se enrola em frases incompletas e desconexas que dão em nada. E a mulher grita da cozinha:

- Tem o rádio-relógio também!

No final do dia, alguns aparelhos você já sabe utilizar perfeitamente. Quer dar por encerrado, deixando uma parte para outro dia, mas o filho insiste que seja lido o manual do seu game, que ele manuseia com perfeição sem nunca ter lido.

No dia seguinte, recebe uma ligação no escritório. É a mulher querendo saber como faz para gravar no vídeo um capítulo da novela. Tenta lembrar, mas não adianta. Para não levar mais bronca, carrega numa pasta os manuais para consultas de emergência.

Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

Hinos de Cidades Brasileiras (Vila Velha/ES)

(letra e melodia de Sérgio Vilella de Moraes)


Venha de onde vier
Vamos chegando devagar
Veja a beleza desta terra.
Com o seu povo feliz sempre a cantar.

Sob a colina sagrada
Vasco Coutinho fundo
A cidade encantada
Que a Virgem Santa abençoou.

Homens, mulheres, crianças
Juntos num só coração
Para frente Vila Velha querida
Pela grandeza da nossa nação.