domingo, 11 de agosto de 2024

Silmar Bohrer (Croniquinha) 118

Travessias são caminhos que usamos em andanças a qualquer momento. Sazonais muitas delas - em determinados dias, meses, anos. Nos levam no barco do tempo, e então dizemos que a vida é 
uma travessia. 

Navegamos até há pouco nos mares do outono, folhas caindo, galhos verdissecos, horizontes luminosos, céus negrumes, sol com chuva, casamento de viúva, verãozinho de maio. Ali dentro o braseiro do fogão, primeiras ameaças da invernia, os ventinhos, os sabores que aquecem até o coração - - vinhos, a graspa*, as canjebrinas**. 

Badalam os sinos de junho, chegamos à travessia do inverno com suas peculiaridades. Umidade, frio, geadas. As grimpas em fogaréu, a cinza dando o toque saboroso do pinhãozinho embaixo do pinheiro. 

Revisão da adega. As sopas - agnoline, legumes, feijão. O aconchego às roupas quentes, aos acolchoados, aos pijamas, o cobertor "pula-cerca", a preguiça de levantar cedo . . . 

A vida é farta de travessas, travessuras e travessias. 

Atravessemos entonces . 
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
* Graspa = Aguardente feita através da destilação das borras do vinho.
** Canjebrina = (pop.) pinga.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Dissecando a magia dos textos (“O estraga-lar”, de A. A. de Assis)

Publicado neste blog em 22 de junho de 2024, no link https://singrandohorizontes.blogspot.com/2024/06/a-de-assis-o-estraga-lar.html

"O Estraga-Lar" é uma narrativa que explora temas como traição, masculinidade e o cotidiano das relações conjugais de forma humorística e crítica. Vamos analisar alguns aspectos importantes da história.

TEMAS PRINCIPAIS


Tradição e Modernidade:
O botequim é um espaço tradicional onde os homens se reúnem para desabafar e compartilhar experiências, refletindo as normas sociais da época.

A entrada de Dona Zuca simboliza uma quebra de padrões, trazendo uma nova dinâmica ao ambiente masculino.

Masculinidade e Vulnerabilidade:
Os homens se sentem à vontade para compartilhar suas "proezas", mas essa bravata esconde a vulnerabilidade de suas relações.

O papel de Dona Zuca provoca a reflexão sobre como as mulheres também estão cientes das fraquezas masculinas, muitas vezes subestimadas pelos homens.

Consequências da Traição:
O "Estraga-Lar" é um microcosmo das consequências da traição, onde a diversão se transforma em conflito.

As revelações dos homens culminam em uma reviravolta, mostrando que a deslealdade pode ter repercussões graves.

ESTRUTURA NARRATIVA

Introdução: A narrativa começa com a descrição do botequim e a famosa iguaria, estabelecendo um cenário familiar para muitos leitores.

Desenvolvimento: A entrada de Dona Zuca altera a dinâmica do grupo, levando os homens a se exporem. Os diálogos são ricos em humor e crítica social.

Clímax: O momento em que as esposas invadem o botequim, armadas com um gravador, é o ponto alto da história, trazendo um conflito inesperado que muda o tom da narrativa.

CARACTERIZAÇÃO DOS PERSONAGENS

Dona Zuca: Uma figura forte e astuta, que manipula a situação em seu favor. Ela desafia os homens, expondo suas fraquezas e revelando a hipocrisia.

Os Homens: Representam uma masculinidade frágil, que se exibe em bravatas, mas que é facilmente desmantelada pela presença de uma mulher. Cada um oferece uma visão diferente de como lidam com suas vidas conjugais.

DESENVOLVIMENTO DE TEMAS

1. Hipocrisia e Máscaras Sociais:
Os homens no botequim exibem uma postura de confiança enquanto compartilham suas infidelidades. Isso revela uma hipocrisia, pois, apesar da bravata, muitos têm medo das consequências.

Dona Zuca atua como uma força desmascaradora, revelando a vulnerabilidade por trás da fachada de machismo.

2. A Força Feminina:
Dona Zuca representa uma nova mulher, que não se cala diante das traições. Sua audácia desafia os estereótipos de gênero da época.

A chegada das outras mulheres no botequim demonstra a união e a força coletiva em face da traição, mostrando que as mulheres estão cada vez mais empoderadas.

ESTRUTURA NARRATIVA DETALHADA

Introdução do Botequim:
O ambiente é descrito de forma vívida, com sons e cheiros que criam uma atmosfera familiar. Isso ajuda o leitor a se sentir parte do cenário.

Dinâmica do Grupo:
As interações entre os homens são recheadas de humor e competitividade, o que estabelece a hierarquia e as regras não ditas do grupo.

Intervenção de Dona Zuca:
Sua entrada é um divisor de águas. Ela não só desafia os homens, mas também se diverte com suas confissões, criando uma tensão que culmina na invasão das esposas.

Clímax e Resolução:
O clímax traz uma reviravolta dramática que transforma a dinâmica do botequim. A pancadaria serve como uma metáfora para as consequências das ações dos homens.

REFLEXÕES FUTURAS
Após o Incidente poderíamos ver as repercussões na vida dos casais. Como cada homem lida com a descoberta de suas traições? Eles se tornam mais honestos ou continuam na mentira?

Os homens poderiam refletir sobre suas ações e tentar se redimir, levando a um questionamento mais profundo sobre a masculinidade e o que significa ser um bom parceiro.

REFLEXÕES FINAIS
"O Estraga-Lar" é uma obra rica em nuances que aborda a complexidade das relações humanas com humor e crítica. Através da figura de Dona Zuca, a narrativa desafia as normas sociais e apresenta um espaço onde a verdade, por mais dolorosa que seja, é essencial para o crescimento e a compreensão. É uma crítica perspicaz das dinâmicas de gênero e das relações conjugais. Através de humor e ironia, A. A. de Assis consegue provocar reflexões sobre a traição e a masculinidade, mostrando que, muitas vezes, as coisas não são o que parecem.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. IA Open.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.Fonte: Análise por José Feldman. Open IA .

Recordando Velhas Canções (A Festa do Bolinha)


Compositor: Roberto e Erasmo Carlos

Eu ontem fui a festa
Na casa do Bolinha
Confesso não gostei
Dos modos da Glorinha
Toda assanhada
Nunca vi igual
Trocava mil beijocas
Com Raposo no quintal...

Porém pouco durou
Aquela paixão
Pois, Bolinha com ciúmes
Formou a confusão
Aninha tropeçou
E os copos derrubou
E a casa do Bolinha
Num inferno se tornou...

Bolinha provou
Que é ciumento pra xuxu
E que não gosta da Lulu
Bobinha que por ele
Ainda chora...

Com tanto pão
Dando bola no salão
Luluzinha foi gostar
Logo de um Bolão...(2x)

(Repetir a letra)
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
Ciúmes e Confusões na Festa do Bolinha
A música 'A Festa do Bolinha', é uma narrativa divertida e cheia de reviravoltas sobre uma festa que acaba em confusão. A letra descreve uma festa na casa do Bolinha, onde a protagonista observa comportamentos que a desagradam, especialmente os de Glorinha, que está 'toda assanhada' e trocando beijos com Raposo no quintal. Essa situação já cria um clima de tensão e desconforto, sugerindo que a festa não será tranquila.

A situação se agrava quando Bolinha, tomado pelo ciúme, causa uma confusão ao ver Glorinha e Raposo juntos. A confusão é tanta que Aninha tropeça e derruba os copos, transformando a festa em um verdadeiro caos. Esse trecho da música ilustra como o ciúme pode ser destrutivo e causar desordem, afetando não apenas os envolvidos diretamente, mas todos ao redor.

Além disso, a música também aborda o tema do amor não correspondido. Lulu, que ainda chora por Bolinha, vê-se em uma situação complicada, pois Bolinha não retribui seus sentimentos. Em vez disso, ele está mais preocupado com Glorinha e Raposo. A letra sugere que, apesar de haver muitas outras opções ('com tanto pão dando bola no salão'), Lulu escolhe gostar justamente de alguém que não a valoriza, o que é uma reflexão sobre as escolhas amorosas e a dor do amor não correspondido. https://www.letras.mus.br/trio-esperanca/926599/ 

Contos das Mil e Uma Noites (A história que é toda mentiras)

Certa noite, tomado de insônia, o califa Harun Al-Rachid mandou chamar o poeta Abu-Nauas e disse-lhe: - Ó Abu-Nauas, estou agitado e oprimido. A única coisa capaz de me divertir seria ouvir uma história tecida de mentiras da primeira à última palavra. Se puderes improvisar essa história, recompensar-te-ei generosamente; mas se puseres nela um grão de verdade sequer, juro que farei com que a tua cabeça se separe do teu corpo. 

Este estranho pedido fez o pobre Abu-Nauas sentir-se bem indisposto, especialmente na região do seu pescoço. Mas ninguém escapa à vontade de um califa. O poeta pediu vinho, bebeu e começou a falar: 

“Sabei, ó Comandante dos Fiéis, que quando meu pai nasceu, minha avó entregou-me a criança e me pediu que a distraísse. Levei meu pai no ombro e saí para a rua. Mas meu pai chorava, e chorava, e chorava; e nada conseguia acalmá-lo até que viu um cesto de ovos à porta de uma quitanda; então, sossegou de repente e, indicando o cesto, disse: “Quero um desses!”

“Comprei-lhe um ovo, e ele ficou radiante. Quando voltamos para casa, deixou cair o ovo. O ovo  quebrou-se, e dele saiu um pintinho. E o pintinho começou logo a crescer. Cresceu tanto que se tornou igual a um camelo. Não podeis imaginar, ó Comandante dos Fiéis, a quantidade de alimentos que esse pinto devorava. Meu avô começava a se preocupar quando uma boa ideia assomou-lhe à mente. Disse-me ele: “Meu filho, por que não levas esse galo pela manhã à floresta e o carregas de lenha para o fogão? 

“Assim o fiz; mas no dia seguinte, a ave amanheceu doente, com um ferimento nas costas. E imaginai a nossa surpresa quando deste ferimento vimos surgir, todo verde, um broto de nogueira. Dentro de pouco tempo, o broto tornou-se uma nogueira gigante, com doze ramos tão grandes e tão esparsos que não era possível ouvir-se de um ramo para outro.

“Quando chegou a época de colher as nozes, doze homens foram encarregados de proceder à colheita. E quando acabaram, meu avô mandou-me ver se não tinham esquecido algumas frutas entre a folhagem. Examinei a árvore e descobri apenas, uma noz, na ponta de um ramo. Apanhei o que me pareceu ser uma pedrinha e atirei-a de encontro à noz. A noz caiu. Mas, para meu deslumbramento, o que julgara ser uma pedra, era, na verdade, um torrão de lama seca que começou a se estender numa gigantesca planície até cobrir todos os ramos da nogueira. 

“Naturalmente, meu avô ficou encantado de ver tantas terras adicionadas às propriedades que já possuía. Mandamos construir escadas e subir o gado para cultivar a nova terra; e tão vasta era ela que precisamos de doze bois trabalhando um mês inteiro para lavrá-la. Quando o solo ficou pronto, perguntamos a alguns lavradores qual seria a plantação mais indicada. Todos aconselharam o sésamo (gergelim). Semeamos a área de sementes de sésamo. E mal tínhamos acabado de plantar, eis que vieram outros lavradores e perguntaram o que havíamos semeado. Quando respondemos: “Sésamo,” puseram-se a rir, dizendo: “Sésamo! Onde se viu plantar sésamo em terra virgem? Deveriam ter plantado melancia, que é a melhor planta para o solo virgem.” 

“Meu avô olhou para mim com tristeza e mandou-me apanhar todas as sementes de sésamo que tínhamos semeado na imensa planície. Obedeci e apanhei todas as sementes sem um murmúrio sequer. Quando tinha reunido todas elas, meu avô contou-as e achou que faltava uma, e mandou-me procurá-la. Busquei-a por toda parte, mas não houve meio de encontra-la. À tardinha, porém, quando voltava para casa desesperado, vi uma formiga arrastando a semente perdida. “Não me escaparás,” gritei-lhe, e tentei apoderar-me do sésamo, puxando-o para meu lado; mas a formiga não o largava e o puxava também. Nenhum de nós se dava por vencido até que, por fim, o sésamo partiu-se em dois e, por Alá, um rio de óleo de sésamo espalhou-se entre a formiga e eu. Sem exagero, ó Comandante dos Fiéis, era um rio tão largo e profundo quanto o próprio Tigre. Então, plantamos novamente a terra, desta vez com sementes de melancia. E quando as melancias amadureceram, fui encarregado de vigiá-las. 

“Certo dia de calor, quis comer uma melancia. Passei a vista por todo o campo e escolhi a maior de todas. Depois, saquei da minha adaga e tentei abrir a melancia. Mas a minha adaga entrou na fruta e desapareceu. Não podia eu segui-la, dentro da melancia, e deixar minhas plantações sem vigia. E não queria perder meu facão. Pensei e pensei e então tive uma ideia luminosa: decidi cortar a minha cabeça, com a minha espada, e pô-la por cima da torre de vigia. Assim ficava livre para ir procurar a minha adaga.

“Sem hesitar, pus meu plano em execução. Quando entrei na melancia, achei-me dentro de uma cidade. Tudo nela era-me novo e desconhecido. As ruas estavam cheias de gente. Todavia, olhando com atenção, verifiquei que todos aqueles homens eram, como eu próprio, sem cabeça, embora parecessem acertar o caminho sem dificuldade. Comecei a andar e, logo depois, dei com uma multidão reunida em volta de um pregoeiro que perguntava em alta voz: “Quem perdeu uma cabeça?” Quando me aproximei, vi que se tratava da minha cabeça. Gritei-lhe: “Essa é a minha cabeça.” Mas outros reclamavam a mesma cabeça. Então o pregoeiro gritou: “Lançarei esta cabeça ao ar e, no pescoço onde ela cair, ficará.”

“A cabeça subiu no ar e, quando desceu, veio diretamente para o meu pescoço. Olhei em volta de mim e, pela vida do meu senhor, não havia nem cidade, nem campo de melancia, nem nogueira, nem galo do tamanho de um camelo; nem pai recém-nascido, nem nada de todas as coisas que lhe contei, ó Príncipe dos Fiéis!”

Harun Al-Rachid ficou de tal maneira satisfeito que desatou a rir. E acrescentou: “Não é sem razão que te chamam o príncipe dos poetas. Nunca ouvi história tecida de tantas mentiras. E embora pusesses nela alguma verdade lá pelo fim, fizeste-o com tanta habilidade que não te pedirei conta disto e te compensarei conforme mereces.” 

E Harun Al-Rachid premiou Abu-Nauas com um rico traje de seda e um saco cheiro de ouro.

Fonte: As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público

sábado, 10 de agosto de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 21

 

Arthur Thomaz (Velho Maracanã: reminiscências)

Em uma manhã de domingo, ecoa uma voz longínqua. Começa, então, a dura missão de afastar a ressaca resultante da balada da noite anterior. 

Ninguém levanta até que se ouve a frase mágica: “vai dar praia”.

Traje regulamentar: sunga, bermuda, chinelo, uma camiseta surrada e 10 cruzeiros no bolso interno da sunga.

Para completar: pingado e pão com manteiga na padaria mais próxima. Caminhando, até que surge o local mágico, a tão almejada e ensolarada praia.

Um mergulho e a ressaca vai embora. Em instantes está formado um time de futebol de areia. Gordos, magros, jovens, idosos, mulheres e crianças, em um elenco heterogêneo e democrático.

O jogo transcorre maravilhosamente, até que do nada aparece um vendedor de cerveja. Pausa para reidratação preconizada pela FIFA.

Mais alguns minutos de jogo, até que alguém grita que é hora do Maraca. Fila para a ducha gelada, trajes recolocados e seguir para o almoço no primeiro “buteco” encontrado.

Uma cachaça antes de um PF (Prato Feito), digno dos grandes chefs. Feijão preto ao fundo, coberto com arroz, um bife que é impossível de ter sua origem determinada, e por cima, uma salada que consistia em uma equilibrada rodela de cebola sobre uma de tomate.

Tudo isso pelo módico preço de 1 cruzeiro.

Um ônibus lotado com bandeiras e cantos dos hinos de ambos os times. Fila na bilheteria, e enfim, hora de garantir um assento naquilo que poderia ser comparado ao trono da rainha da Inglaterra, o quentíssimo cimento da arquibancada.

Então, começa o espetáculo mágico de 100 mil pessoas, cantando e tremulando suas coloridas bandeiras, enquanto os jogadores desfilam majestosamente no gramado. São 90 minutos de êxtase total.

Ao final da peleja, na descida da rampa, iniciam-se debates democráticos e sadios que se estenderão pela semana inteira.

Correr para o ônibus que levará à rodoviária, e de lá, embarcar no último “Viação Valenciana”. Passar a semana estudando e sonhar com o próximo fim de semana mágico.

Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor

Recordando Velhas Canções (Gasparzinho)


Compositor: Renato Correa

Gasparzinho, fantasminha camarada
Que só quer com as pessoas conversar
Mas coitado do Gaspar só dá mancada
Quando aparece todos correm a gritar

Noutro dia, passeando na cidade
Gasparzinho numa festa entrou
Mas quando viram nosso alegre amiguinho
Todos correram e a festa se acabou.

Então o pobre do Gaspar que é tão bonzinho
Ficou sozinho, tão tristonho a chorar
Embora seja um fantasminha camarada
Não consegue perto de ninguém chegar. }bis
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

Gasparzinho: O Fantasminha Incompreendido do Trio Esperança
A música 'Gasparzinho' do Trio Esperança narra a história de um fantasma amigável que enfrenta dificuldades em se relacionar com as pessoas devido ao medo que sua aparência provoca. Gasparzinho, o fantasminha camarada, deseja apenas conversar e fazer amigos, mas sua presença assusta todos ao seu redor, levando-os a fugir e deixando-o solitário. A letra destaca a ironia de sua situação: apesar de ser bondoso e inofensivo, ele é constantemente rejeitado e mal compreendido.

A canção utiliza a figura do fantasma, um ser tradicionalmente associado ao medo e ao sobrenatural, para explorar temas de solidão e exclusão social. Gasparzinho é um personagem que, apesar de suas boas intenções, não consegue se integrar à sociedade devido a preconceitos e estereótipos. A festa mencionada na letra simboliza um espaço de socialização e alegria, mas a chegada de Gasparzinho transforma o ambiente em um cenário de pânico e dispersão, evidenciando a dificuldade que ele enfrenta em ser aceito.

O Trio Esperança, conhecido por suas harmonias vocais e letras que muitas vezes abordam temas lúdicos e infantis, utiliza essa narrativa para transmitir uma mensagem sobre aceitação e empatia. A tristeza de Gasparzinho ao final da música reflete a dor da rejeição e a necessidade de compreensão mútua. A música, embora simples, carrega uma profundidade emocional que ressoa com qualquer pessoa que já se sentiu excluída ou incompreendida.

Aparecido Raimundo de Souza (Capela Mortuária)

OLÁ, POR GENTILEZA, com todo respeito, deixem-me apresentar a todos vocês. Pelo amor de Deus, não se assustem. Venho em paz! Não tenho nome de batismo, nem certidão de nascimento. Sou conhecida por todos como Capela Mortuária. No meu caso, uma Capela Mortuária de um cemitério de periferia. Vivo incrustada aqui nesse bairro pobre e humilde, cercada de pessoas boas e gentis que sabem o valor da vida e me aceitam como se eu fosse um ser de carne e osso que algum dia ajudará na preparação da última viagem para algum lugar que não sei exatamente onde é ou para que lado fica. Acredito, para alguns, eu seja uma figura esquisita, chata, pegajosa, rabugenta e inconstante. Para outros, obviamente eu represento a paz da serenidade e o atalho para o encontro com as almas que já desencarnaram e hoje descansam nos afagos do Poderoso 

Quero que compreendam, apesar da minha aparência, muito me alegro (sim, isso mesmo, muito me alegro) com a tristeza e a desgraça das pessoas. Como assim, “me alegro”? Tal coisa é possível?! Eu explico: vamos ver a Capela como um todo, indistintamente. Vou me descrever e situar entre as pessoas que orbitam ao meu redor. A Capela Mortuária é um local solitário, triste e impregnado de lágrimas e lembranças daqueles “mais chegados” que vieram dar o último adeus à uma personalidade querida que o Pai Maior chamou para morar junto com Ele lá no distante intransponível. Em face desse particular, eu me regozijo porque é nessas horas que as pessoas (as mais soberbas e de narizes em pé) se lembram que o outro lado sombrio e misterioso existe. Ninguém aparece por aqui para me dar bom dia. Ninguém sequer vislumbra que eu passo os dias dentro de um cemitério. 

Sei que a morte é uma perda dolorida e irreparável. Um elo que as pessoas não gostariam jamais de ver se romper e sentir essa contristação se estraçalhando na própria pele. Ainda mais quando o que vai viajar é um personagem querido e admirado por todos, com uma legião imensa de amigos e admiradores. Todavia, não fosse a minha presença (ainda que para alguns “macabra”), acredito que ninguém daria as caras só para ver se eu ainda estou no mesmo lugar. Me alegro, pois, porque quando sei que vai acontecer um velório, eu me regozijo. Nessa hora, vejo gente de toda espécie. Percebo a algazarra das crianças correndo, gritando, festejando a alegria da vida plena, e isso me tira do chão, aviva o meu “eu” interior. Me perdoem por dizer certas coisas, porém, se eu não existisse, se não houvesse uma Capela Mortuária, parem e reflitam, meus amigos e amigas, não seria realizado aquele rito fúnebre, menos ainda o derradeiro tchau ao defunto. 

Ele ficaria sem significado algum em exposição solitária, ou, no pior dos mundos, simplesmente não se alegraria em rever, pela última vez, as pessoas que faziam parte do seu dia a dia. Vamos aproveitar o ensejo e entender o meu significado pelo outro lado da moeda. É aqui nas minhas dependências que as pessoas (ainda que magoadas) se respeitam, trocam olhares amedrontados e, no fim, diante do inevitável, se abraçam, se beijam, trocam palavras carinhosas e, às vezes, até se perdoam. Aqui é onde todos prestam reverência, conforto, solidariedade, tudo num pacote destinado a proporcionar um elo de contemplação em harmonia diante da austeridade do adeus de uma pessoa querida. Em muitas culturas, eu desempenho um papel crucial no centro geográfico do luto, oferecendo um ambiente onde a comunidade pode se reunir para prestar suas últimas homenagens e refletir sobre a vida que o “de cujus” viveu enquanto se fazia entre nós. 

Esses espaços, meus prezados, são projetados para acolher os enlutados com dignidade e serenidade. A minha arquitetura, se pararem para observar com mais acuidade, é frequentemente caracterizada por sua simplicidade e elegância, buscando criar uma atmosfera de ataraxia (tranquilidade) que facilite a introspecção e o consolo. A iluminação é suave e o uso de cores neutras ajuda a transmitir uma vibração de leveza, enquanto os elementos decorativos, como flores e símbolos religiosos, adicionam um toque de deferência e veneração à lembrança daquele que embarcará na viagem sem volta. Além da sua função estética e funcional, eu, Capela Mortuária, me vejo como uma reclusão momentânea de profundo simbolismo. Sou, sem dúvida alguma, o ponto de encontro onde se materializa a aquiescência coletiva e se compartilham memórias, onde amigos e familiares podem se unir em um ato de solidariedade e empatia. 

É um recinto como qualquer outro, onde os envolvidos comem, bebem, contam piadas, vigiam atentamente a viúva, ou as filhas adolescentes, falam de aconchegos, e o silêncio reverente permite que os sentimentos da perda sejam expressos de todas as formas conhecidas. Cada irmã minha espalhada mundo afora pode refletir (e de fato reflete) a diversidade cultural e religiosa da comunidade em que se encontra. Em algumas tradições, minha clausura é adornada com ícones e imagens específicas, enquanto em outras, a simplicidade bucólica e a ausência de símbolos são preferidas para permitir uma abordagem mais universal do luto. Esses detalhes, embora variados, têm o objetivo comum, sempre, de honrar a memória do extinto e proporcionar, sobretudo, um ambiente neutro que solidifique o assédio irreversível de despedida. O meu papel, como Capela Mortuária, vai além de um simples local físico. 

Por fim, considero esse refúgio como um ninho acolhedor único, agradável e sofisticado, que ajuda a transformar o que se chama de “luto pesado” em uma experiência compartilhada e significativa. Aqui, nas minhas entranhas, os rituais de despedida são executados com o cuidado de preservar a dignidade do “de cujus” e apoiar os enlutados em sua jornada para a aceitação e a cura da alma frangalhada. Em resumo, eu, a Capela Mortuária, me vejo e me sinto como um teto alvissareiro de amplidão profunda e, logicamente, de importância emocional e cultural. Não sou apenas um lugar comum onde se realizam cerimônias funestas. Em absoluto. Me vejo acima das aparências, como um habitat que proporciona a reflexão para acalentar instantes inesquecíveis e de elevada melancolia. Ao oferecer este mimo de serenidade e comunhão, eu me engrandeço – acreditem – e me sinto alegre e realizada. Por mais que falem de mim, tenho a consciência objetiva de que desempenho um papel crucial na celebração da vida e na facilitação do trajeto envolvido no embarque do seu parente amado para os confins do Além-túmulo. Em vista de tudo o que eu disse, por favor, não me desprezem. Sou, a luz da verdade, uma espécie de mal necessário.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Daniel Maurício (Poética) 73

 

Monsenhor Orivaldo Robles (Admiração ou deboche)

Sempre gostei de ler. Desde criança lia tudo o que me caía sob os olhos. Concluído o grupo escolar, antes de ir para o seminário, trabalhei dois meses no Bazar Temer. No meio da infinidade de artigos à venda, descobri alguns livros de aventuras, que assanharam a minha curiosidade. Mais de uma vez o bom Temer, pai da nossa pediatra Elen Nemer, teve a paciência de me explicar que ali eu era funcionário para atender clientes, não leitor de obras de uma biblioteca. Naquela época ninguém fazia restrição ao criterioso emprego de crianças. Era pedagógica forma de inculcar o valor do trabalho, sem o qual nenhuma grandeza, inclusive financeira, se constrói. Na entrada da imponente sede do seu banco, na Cidade de Deus, bairro de Osasco (SP), o lendário Amador Aguiar, fundador do Bradesco, fez erguer a estátua de um burro de carga, sob a qual mandou escrever: “Só o trabalho produz riqueza”. Pena que hoje muitos desejem que a riqueza lhes caia do céu no colo. De preferência, sem que façam esforço algum.

Criado no meio do cafezal, na antiga Alta Araraquarense do interior paulista, era inevitável que eu sofresse com a chegada das ferramentas de conhecimento e comunicação deste mercante universo de hoje. As pessoas da minha idade o progresso atropelou sem pedir licença nem dar chance de adaptação. Não adianta; continuo fiel ao livro impresso. Sendo bom, a espessura dele não me assusta. Agora mesmo, estou lendo um de 633 páginas. Nem cheguei ao meio. Ir até o fim vai me custar um tempão, mas será uma alegria.

Da fartura de ferramentas e aplicativos que nossa garotada comanda brincando consegui aprender dois ou três nomes. Blog e Facebook, por exemplo. Mas não tenho nenhum. Não adianta. Logo aparecerão outros. Não dou conta de acompanhar. Se não me entendo com os existentes, imagine com novos! Li não sei onde que o Twitter é preferido pelos jovens; o LinkedIn, pelos mais velhos, e o Facebook, por ambos. Mas redes sociais aparecem e somem como bolhas de sabão. O Orkut ainda existe? E para que servem Instagram, Flickr, MySpace, iTunes, Tumblr, Badoo… e sei lá quantos palavrões esquisitos?

Amigos generosos postam textos meus em seus blogs. Sinto-me envaidecido. Blog é um espaço curioso: pertence a todos e não pertence a ninguém. Cada um pode meter lá a sua colher, desde que o dono do blog concorde. Alguns, sob a capa do anonimato ou do pseudônimo, desancam adversários reais ou imaginários. Já passei por isso. É o risco de quem se dispõe a dizer o que pensa.

Sobre a minha crônica da semana passada, este blog estampou um comentário emitido por alguém que me deve dedicar especial consideração. Bem maior, com certeza, da que eu mereço. A respeito de pessoas que se beneficiam do meu serviço de padre, informou-me ele: “São as mesmas que debocham de seus comentários que remetem à sua infância e origem pobre”. Não duvido. Admito que ele esteja falando do que teve ocasião de comprovar.

Ligue não, amigo. Não vale a pena. Quando me tornei padre, eu sabia que ia colher, vida afora, mais deboche que admiração. Ao completar 47 anos de ministério – justamente hoje; coincidência, não? – já tenho o couro curtido. Aplauso ou zombaria, pouco importa. Uma pancada a mais ou a menos não vai fazer diferença.

Dissecando a magia dos textos ("Redenção”, de Carolina Ramos)

Conto publicado em 29 de março  de 2024 neste blog, no link https://singrandohorizontes.blogspot.com/2024/03/carolina-ramos-redencao.html

A história de Carolina Ramos, inspirada na águia, é um miniconto sobre transformação e renovação.

TEMAS PRINCIPAIS

Transformação Pessoal: A comparação entre a águia e a protagonista simboliza a luta interna por liberdade e autoconhecimento.


Coragem e Decisão: A escolha da águia de enfrentar seus desafios representa a coragem necessária para romper com situações limitantes.

Autoaceitação: O processo de desprender-se do passado e das limitações é uma jornada de aceitação e valorização do eu.

ESTRUTURA NARRATIVA

Introdução: A descoberta do artigo na sala de espera serve como um catalisador para a mudança da protagonista. A palavra "Curiosidade" instiga a reflexão.

Desenvolvimento: A descrição da águia e seu processo de renovação é uma metáfora poderosa para as dificuldades que todos enfrentamos. A dor e o sacrifício são essenciais para o crescimento.

Clímax: O momento de decisão, onde a protagonista decide se libertar, é o ponto alto da narrativa. A conexão entre a águia e sua jornada pessoal se torna mais intensa.

Conclusão: O voo da águia simboliza a libertação e a nova vida que a protagonista abraça, deixando para trás as limitações que a prenderam.

PROFUNDIDADE DOS PERSONAGENS

Protagonista (Carolina)
História Pessoal: Poderíamos incluir flashbacks que revelem momentos específicos que a levaram a se sentir "engaiolada", como experiências passadas de decepção ou pressão social.

Sentimentos e Dúvidas: Ao longo da narrativa, suas inseguranças podem ser enfatizadas, mostrando sua luta interna antes de decidir se libertar.

A Águia
Simbolismo: A águia não é apenas um símbolo de força; sua jornada também representa a resistência e a necessidade de transformação que todos enfrentamos em algum momento da vida.

Conexão Emocional: A relação entre a águia e Carolina poderia ser aprofundada, talvez com Carolina se identificando com a ave em momentos de fraqueza.

TEMAS ADICIONAIS

Renovação e Ciclos: A ideia de que, assim como a águia, todos nós passamos por ciclos de renovação. .

Força Coletiva: A jornada de Carolina pode ser ligada a outras personagens femininas que também enfrentam desafios, mostrando como a solidariedade e a troca de histórias podem fortalecer a luta individual.

Liberdade vs. Segurança: A tensão entre buscar liberdade e o medo do desconhecido. O texto mostra que muitas pessoas sentem ao considerar mudanças significativas em suas vidas.

Reflexão Final
A história de "Redenção" é uma jornada de autodescoberta e superação. Ao abordar temas universais de luta e renascimento, ela ressoa com muitos leitores, oferecendo esperança e inspiração.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. IA Open.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.Fonte: Análise por José Feldman. Open IA .

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) Capítulo Final: Novo ciclo de amor

Isadora volta para o Sul, decidida a separar-se de Fábio e juntar-se a Genuíno.

– Nenhum obstáculo pode ser maior que o nosso amor- pensou ela. Se despediu de dona Branca, das meninas, que com suas histórias de vida a fizeram entender um pouco mais sobre as hipocrisias e desigualdades sociais, e partiu ao lado de João, em seu caminhão. E ele fez questão de devolvê-la sã e salva ao Pampa Riograndense.                    

- Obrigada, amigo. 

- Um homem de caráter jamais desampara uma mulher, seja ela sua mãe, esposa, irmã ou amiga – disse João. 

As moças da casa de dona Branca estavam emocionadas, pois Isadora estava indo ao encontro do sonho da vida de muitas delas:  encontrar o amor. O amor verdadeiro que a má sorte lhes negou. Depois de uma longa e cansativa viagem, chegaram em Cachoeira do Sul. E seguiram até a fazenda onde Genuíno trabalhava e morava. 

Ao avistá-lo em meio ao arrozal, a prenda correu para os braços do peão. João manteve certa distância, respeitando aquele momento importante e decisivo na vida de sua amiga.

 - O que fazes aqui? - pensei que tivesses partido para nunca mais voltar – disse Genuíno, surpreso.- Estive longe, mas voltei. Voltei por ti e para ti.  E então se abraçaram e trocaram um longo beijo.                 

- E eu, fico aqui, segurando vela. Pensou João com um sorriso de satisfação.      

O casal de amantes estavam, sim, decididos a enfrentar o senhor Antônio, Fábio e quem mais fosse preciso. Isadora apresentou seu amigo a Genuíno. E seguiram rumo à fazenda “Prenda Bonita”.   Estavam ansiosos. E tentavam conversar e se distraírem com as lindas paisagens naturais do lugar.              

 - Apesar de conhecer só uns pedaços do Rio Grande, aqui também me parece ser um belo lugar para se viver – falou João com entusiasmo.  Isadora retornou a sua casa, protegida pelo seu amor e seu amigo. Era hora de almoço e o senhor Antônio devorava um pescoço de frango quando eles chegaram de surpresa.                       

 - Fia. Onde tu andava esse tempo todo? O que esse peão tá fazendo aqui e quem esse outro que não conheço?            

- João é meu amigo. E este peão, é o meu amor. Fugi para a Bahia. Fugi de suas tiranias e das garras de Fábio. Mas voltei. Voltei para lutar pelo meu amor. Nem o senhor, e nem mais ninguém vai impedir minha felicidade.              

- Fia. Tu não deve tá no teu juízo perfeito. Ele não combina contigo. – diz o velho, certamente se referindo à cor de pele de Genuíno.                              

- Por que não combino com sua filha? Porque sou preto? Pois fique o senhor sabendo que sou mais limpo e mais honesto do que muito brancos por aí...                

 - Voceis são amantes?    - Sim, pai. Somos. Mas só por enquanto. Vou pedir o divórcio a Fábio. E logo estaremos livres para nos casarmos.    O senhor Antônio empurrou o prato, ergueu -se, abriu a boca e levantou o dedo na tentativa de dizer alguma coisa, mas sofreu um infarto fulminante. 

O real motivo da causa da morte do velho logo se espalhou. E Fábio, temendo as zombarias por ter sido passado para trás pela mulher, desapareceu. 

Dias se passaram. Isadora tomou a frente das terras que eram do seu pai, reabriu a escola da região, e passou a dar aulas em dois turnos: à tarde, para as crianças, e à noite, para os adultos, que por falta de oportunidade ainda eram semi ou totalmente analfabetos. 

Padre Orestes deu o casamento de Isadora e Fábio por anulado, devido ao seu desaparecimento. Assim, ela se casou com Genuíno. E em grande festa junto de amigos, alunos e os peões de sua fazenda, celebrou a vitória do amor.  

A família de Enila permaneceu unida. E mais felizes do que nunca com a notícia de sua gravidez.

Amélia e Pedro estavam com a relação estremecida por razões de desconfianças e ciúmes, mas apesar dos boatos de traição da mulher com seu amigo Simão continuarem a todo vapor entre colegas, eles fizeram as pazes. E voltaram a se amar ardentemente. 

Os demais trabalhadores estavam muito contentes com a fazenda sob a direção de Isadora e Genuíno, que tinham agora a difícil missão de impedir a total falência das produções geradas naquelas terras.

João retornou a Salvador, deixando a promessa de revisitar a terra do arroz em breve. E vó Gorda... Ah... Vó Gorda permanecia à espreita, observando tudo e rezando por todos... 

FIM!

Fonte: Texto enviado pela autora.

Recordando Velhas Canções (Atiraste uma pedra)


Compositor: David Nasser e Herivelto Martins

Atiraste uma pedra no peito de quem só te fez tanto bem
E quebraste um telhado, perdeste um abrigo
Feriste um amigo
Conseguiste magoar quem das mágoas te livrou

Atiraste uma pedra com as mãos que essa boca
Tantas vezes beijou
Quebraste um telhado
Que nas noites de frio te servia de abrigo
Perdeste um amigo que os teus erros não viu
E o teu pranto enxugou

Mas acima de tudo atiraste uma pedra
Turvando esta água
Esta água que um dia, por estranha ironia
Tua sede matou
Atiraste uma pedra no peito de quem
Só te fez tanto bem
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
A Dor da Traição em 'Atiraste Uma Pedra' de Herivelto Martins
A música 'Atiraste Uma Pedra', composta por Herivelto Martins, é uma profunda reflexão sobre a dor da traição e a ingratidão. A letra descreve a sensação de ser traído por alguém que se amava e em quem se confiava. A metáfora da pedra atirada simboliza um ato de agressão e deslealdade, que causa uma ferida profunda no coração de quem sempre fez o bem para o outro. A imagem do telhado quebrado e do abrigo perdido reforça a ideia de que a traição destrói a segurança e a confiança que existiam na relação.

Herivelto Martins utiliza uma linguagem poética para expressar a mágoa e a decepção de quem foi traído. A repetição da ideia de que a pessoa traída sempre esteve ao lado do traidor, enxugando suas lágrimas e perdoando seus erros, intensifica o sentimento de injustiça. A letra também menciona a ironia de que a mesma pessoa que agora traiu, um dia foi salva e acolhida por quem agora sofre. Essa dualidade entre o bem que foi feito e o mal que foi recebido é um dos pontos centrais da canção.

A música também aborda a ideia de que a traição não apenas fere o traído, mas também turva a pureza de algo que era vital e essencial, como a água que matou a sede. Essa metáfora finaliza a canção com uma nota de amargura, mostrando que a traição tem consequências profundas e duradouras. 'Atiraste Uma Pedra' é, portanto, uma canção que fala sobre a dor da ingratidão e a devastação emocional causada pela traição, temas universais que ressoam com muitos ouvintes.  

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

José Feldman (Versejando) 145

 

Coelho Neto (O lenhador)

Quando chegamos à cabana do velho Amâncio, à boca da mata, um cãozinho que dormia encolhido sobre um monte de bagaços de cana já secos, perto de uma moenda, saltou ladrando: mas o velho aquietou-o, e abrindo a cancelinha que dava ingresso ao terreiro, recebeu-nos amavelmente.

A casa de taipa, coberta de sapê, era um ninho entre as árvores. As laranjeiras carregadas vergavam os ramos ao peso dos frutos.

Num lado o canavial e os milhos, em outro lado a horta, onde cantava um fino córrego; e sob a rama frondosa de robusta mangueira agasalhava-se o paiol modesto; mais adiante, o cercado onde berrava a cabra leiteira, o galinheiro e a ceva.

Amâncio era homem de cinquenta anos, moreno e robusto, de olhos vivos, barbas e cabelos grisalhos. Falava sorrindo com expressão afável, e a boa Lívia, sua esposa, que o acompanhava desde a mocidade, já com a pele enrugada e a cabeça toda branca, parecia mais velha do que ele.

Quando entramos na sala da pobre gente, fora na mata, as cigarras cantavam, e as pombas punham uma nota de melancolia no crepúsculo. Vendo-nos com a espingarda, e sabendo que pretendíamos passar a noite na montanha para que pudéssemos surpreender a caça na hora em que ela sai pelas trilhas sossegadas, Amâncio ofereceu-nos do que tinha no armário, enquanto a boa Lívia estendia na mesa tosca uma toalha alvíssima, que exalava o suave perfume da erva de São João.

Aceitando o repasto que nos oferecia o honesto lenhador, pusemo-nos à mesa.

À luz de uma candeia, a sala tinha um triste aspecto, mas a pobreza era largamente compensada pelo escrupuloso asseio.

Mariposas voavam em torno da candeia, e lá fora, no silêncio, à luz das estrelas, os sapos coaxavam. Em uma das paredes, entre vários quadros de santos, havia uma litografia representando o general Osório.

— Vosmecês estão olhando? — disse o lenhador sorrindo. — Aquele é o homem que nos defendeu nos campos de guerra, por isso está perto de Nosso Senhor. A gente acostuma-se a querer bem a esses patrícios, e acaba fazendo o que eu fiz. Lívia anda sempre insistindo comigo para tirar o retrato dali, porque não é santo. Mas fez tanto como se o fosse, porque salvou a honra do povo! Pois não é assim? Deus Nosso Senhor do céu há de aprovar meu pensamento. Eu sou assim: tudo por minha terra e pelos homens que lhe fazem bem.

— Desde quando vives neste monte, Amâncio?

— Eu sei lá! Posso dizer que foi neste cantinho que nasci. Quando dei por mim, meu pai, que era um caboclo forte, morava em uma casinha um pouco mais lá embaixo. Tudo era mato nesse tempo, hoje é quase tudo cidade. Ainda as onças vagavam pelos caminhos, e não se andava neste monte com o sossego com que se anda agora...

— Havia perigo?

— Se havia perigo! Tudo isto estava ainda como Deus criou. Bem me lembro! À noite era um cuidado! Muita vez meu pai saía com a espingarda para espantar as suçuaranas que rondavam a casa. E isto não era como é hoje. Os bichos foram para longe, não há mais aqui em cima, nem mesmo na Mantiqueira onde está o Itatiaia, que é o pico mais alto do Brasil, vosmecês sabem. Só as árvores ficaram, ainda assim já desceram muitas.

O velho lenhador baixou a cabeça grisalha, mas levantando-a, pouco depois, continuou:

— Américo (vosmecês não conhecem meu filho Américo, que é marinheiro?) disse-me, certa vez, uma coisa que me fez pensar: “Ah! Meu pai, a gente na cidade é que compreende o valor das árvores que foram as suas companheiras. O tronco que meu pai derruba vem para as oficinas — de uma sai feito navio, de outra sai transformado em leito: é mobília do rico, é o catre do pobre, é o esteio da casa, é o altar. Quase tudo quanto a gente vê em construções saiu da floresta. O navio no qual eu estou, foi um canto de bosque — teve folhas e flores — hoje, depois que os troncos foram trabalhados, anda sobre as águas: é a floresta que vai pelo mundo levando a nossa bandeira nos mastros como uma flor no galho. Eu vejo a floresta em toda parte, meu pai.” É bem verdade! Américo disse bem! E não é só a madeira que vai do monte — é a água, que mata a sede, é a caça, que alimenta, são as penas dos passarinhos, é a flor, é a resina, é a erva que cura, é tudo quanto há de bom nesse mundo. No tempo da guerra — tempo triste! — vieram aqui buscar madeira para os navios, para os carros, para os esteios, e a mata foi descendo, a seguir com o exército. A terra também entra em combate quando os seus filhos pelejam por sua honra.

— E você vive de lenhar, Amâncio?

— Então? Cada um faz o que pode, contanto que trabalhe. O cavoeiro vem, abre a cava, queima a lenha e desce com o carvão que vai dar fogo às casas. Não é um homem honrado? É, faz a sua tarefa. Eu derrubo árvores, vosmecês estudam. Eu trabalho para vosmecês, vosmecês trabalham para mim. É duro o meu serviço, estou com as mãos cheias de calos, mas a minha consciência é leve, porque nunca procedi mal.

 Assim dizendo levantou-se, abriu uma janela ao luar e ao perfume do monte:

— Se vosmecês querem apanhar alguma coisa, vão indo — agora as pacas estão bebendo. Eu vou também para mostrar os caminhos. Dá cá a espingarda, minha velha. Fecha a casa e dorme. Vamos! Está uma noite como poucas, e a gente, aqui em cima, parece que está mais perto do céu. Vamos com Deus e a Virgem!

E saímos os três pelo monte adormecido.

Fonte: Olavo Bilac & Coelho Neto. Contos Pátrios. RJ: Francisco Alves, 1931. Disponível em Domínio Público. 

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “21”

 

Geraldo Pereira (A Normalista Linda)

Sou do tempo do gasômetro e do bonde elétrico, do telefone cônico no ouvido e do largo bocal voltado às palavras de um interlocutor qualquer, que aos gritos deixava a sua mensagem, sem as sofisticações do hoje. Das ligações para Boa Viagem intermediadas pela telefonista, atenciosa sempre, do Serviço de Informações Gerais - o SIG -, cujo número gravei na memória (3011) e para o qual ligávamos todos, à cata dos melhores filmes e das localizações urbanas das ruas e das avenidas, dos becos e das vielas ou à procura de uma conversa fiada com a moça da empresa. E a resposta vinha antecedida por um comercial, chamado de reclame ao tempo: "Num presente exclusivo das Pílulas de Vida do Doutor Rossi, o cinema São Luiz exibe nesta tarde o desenho animado de Walter Disney: Peter Pan!". Mas, alertava a minha mãe, se alguém ligasse e fizesse uma pergunta - "Rins doentes?" -, não esquecesse de responder: "Tome Urudonal e viva contente!". Havia prêmios, dizia ela, para quem acertasse! Nunca ouvi a indagação e muito menos conheci as benesses resultantes!

E sou do tempo em que o sabonete Phebo oferecia uma casa a quem fizesse uso do produto, trazendo escondida, nessas intimidades saponáceas, uma chave. Todos cuidavam em passar no corpo, mais e mais, aquele escorregadio pretume, para encontrar a salvação da família inteira.

Nunca soube, também, de penitente aquinhoado, brindado com essa riqueza, a da casa própria. Vez ou outra, todavia, a marca Lever vinha à tona, o sabonete das estrelas, para que se pudesse cumprir o desiderato do devaneio, fantasiando-se no imaginário pueril Brigitte Bardot tomando um delicioso banho na Riviera francesa. Quem colecionasse tampinhas de Coca-Cola podia ganhar um carro da marca Skoda ou geladeiras em quantidade. Uma dessas, entretanto, tornou-se de tal forma difícil, que virou apelido de quem se julgava importante: G15. Até as marcas de sorvete agradavam ao consumidor, expondo nos palitos o direito de mais
um picolé, O Daqui, por exemplo, com o gostoso Tatá ou com o Saía-eBlusa.

Na soverteria Xaxá nos começos da rua Bispo Cardoso Ayres, a rapaziada do Nóbrega fazia ponto, para assistir o desfile das moças do Colégio Eucarístico, de branco e encarnado, escuro e carregado ou para saborear o maracujá e o cajá virados em gelo de bom paladar. Lá pras bandas da rua do Príncipe, esquina com a Afonso Pena, partiam as meninas do Colégio Arquidiocesano de volta ao lar paterno, primeiro e derradeiro abrigo, na voz do poeta! “Vestida de azul e branco/Trazendo um sorriso franco...”, como está no cancioneiro. Mas a normalista linda/Não pode casar ainda/Só depois que se formar/...”. 

Gente bonita e  faceira, de pele estirada, no viço da idade, de formas protundentes em geral, tagarelando conversa! Saias rodadas, mesmo que plissadas ao rigor do ferro quente, dando graça ao requebrado das ancas, engrandecendo movimentos de lateralidade explícita! Muitos amores nasceram assim, de um flerte qualquer no meio da rua ou no passeio ou no andar plácido e tranquilo do tempo, no nada das coisas ou no nada da vida.

O conquistador desvairado, entretanto, acomodado em seu Mustang cor do sangue, tirou de tantos o gosto da sedução, rodando a chave do carro no indicador da direita, nas alamedas do parque ou nas festas das igrejas. Aniquilou desejos que se encorparam pras bandas do novo edifício, do Vitória Régia, então, tomando de assalto a musa daquele prédio, Cida por cognome! Encantou a gregos e a troianos, mas nunca desencantou vontades!

Fonte> Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público