domingo, 22 de setembro de 2024

Gerson César Souza (Trovas em Preto & Branco)


1
A justiça, rica em falhas,
corrompida por esquemas,
enche de glória e medalhas
mãos que merecem algemas!
2
Ator, arisco ao cabresto,
rebelde, se for preciso,
a vida escreve o meu texto
e eu teimo e sempre improviso!
3
Dizem que eu sonho em excesso...
Mas insisto em voos altos!
E as pedras nas quais tropeço
impulsionam novos saltos!!!
4
Espera é aquele momento
em que a saudade dispara
e o relógio fica lento,
fica lento e quase para...
5
Foi com pregos de desgosto
que a saudade, do seu jeito,
pôs retratos do teu rosto
nas paredes do meu peito...
6
Não julgue alguém pela imagem,
pois muitos fazem de tudo
para esconder na “embalagem”
a falta de conteúdo.
7
Nas horas de despedida
sem querer a gente chora
e uma lágrima perdida
quer seguir quem vai embora...
8
Nas mãos de Deus tudo entrego
fazendo um pedido assim:
que estes sonhos que carrego
não morram antes de mim!
9
O perdão, embora escasso,
é a cola mais indicada
para unir cada pedaço
de uma promessa quebrada.
10
Quando a esperança se cansa
o amigo é quem, prontamente,
empresta a sua esperança
para amparar a da gente.
11
Siga os mais velhos e creia
na experiência que eles têm:
quem reflete a luz alheia
ganha luz própria também!
12
Vejo a fé sem fundamento
dos que, olhando o céu em vão,
buscam Deus no firmamento
mas não O enxergam no irmão...

AS TROVAS DE GERSON CÉSAR SOUZA EM PRETO & BRANCO
por José Feldman

As trovas de Gerson César Souza não apenas revelam a complexidade das emoções humanas, mas também se conectam a um rico legado poético, tanto no Brasil quanto no exterior. Essa intertextualidade enriquece a compreensão de suas trovas e destaca a universalidade dos temas abordados.

AS TROVAS UMA A UMA, SUAS TEMÁTICAS E RELAÇÃO COM POEMAS DE UM UNIVERSO DE POETAS

Trova 1. 
Temática: Justiça e Corrupção
A crítica à hipocrisia da justiça expõe a fragilidade das instituições que deveriam proteger a sociedade. Reflete um descontentamento profundo com a impunidade e a moralidade distorcida. Essa busca por justiça ressoa com realidades contemporâneas, onde a corrupção é um tema recorrente.

Bertolt Brecht (embora alemão, sua obra ressoou no Brasil): critica a moralidade da sociedade, similar à crítica da trova à justiça falha.

T.S. Eliot (EUA/Inglaterra): em "A Terra Desolada", a desilusão com a sociedade e suas instituições é um tema central, ecoando a frustração da trova com a justiça.

Pablo Neruda (Chile): "O Canto da Liberdade" também aborda a injustiça, revelando como os poderosos muitas vezes se esquivam das consequências de seus atos.

Trova 2. 
Temática: Autenticidade e Rebeldia
A busca pela autenticidade expressa uma resistência às normas sociais. Gerson enfatiza a importância de viver de maneira verdadeira, mesmo diante de pressões externas. Essa rebeldia é uma afirmação da individualidade e da liberdade pessoal, fundamentais na construção da identidade.

Cecília Meireles: "A Vida é Sonho" explora a ideia de viver a vida de forma autêntica, semelhante à rebeldia e improvisação de Gerson.

Adélia Prado: "Oração de um Amor", fala sobre a sinceridade e a necessidade de ser verdadeiro consigo mesmo.

Walt Whitman (EUA): "Leaves of Grass" celebra a individualidade e a expressão pessoal, ressoando com a teimosia do trovador em seguir seu próprio caminho.

Trova 3. 
Temática: Sonhos e Obstáculos
A perseverança diante das adversidades é central nesta trova. Fala sobre como os desafios moldam nossos sonhos e fortalecem nosso caráter. A ideia de que obstáculos podem ser trampolins para o sucesso reflete uma visão otimista da vida.

Vinicius de Moraes: "Soneto de Separação" fala sobre a superação da dor, espelhando a ideia de que as dificuldades podem impulsionar novos saltos.

Emily Dickinson (EUA): em muitos de seus poemas, a luta entre esperança e desilusão é comum, refletindo a jornada de Gerson.

Langston Hughes (EUA): "I Dream a World" fala sobre a luta por um mundo melhor, onde os obstáculos são parte do caminho para a realização dos sonhos.

Trova 4. 
Temática: Saudade e Tempo
A relação entre saudade e a percepção do tempo revela uma melancolia intrínseca. O trovador captura a essência da nostalgia, mostrando como as memórias podem tanto confortar quanto trazer dor. O tempo, nesse contexto, é um protagonista que transforma a experiência emocional.

Adélia Prado: "Poema à Mãe" fala sobre o tempo e a saudade de maneira íntima, semelhante à reflexão temporal na trova.

Vinicius de Moraes: "Soneto de Separação" expressa a dor da saudade e como ela distorce o tempo.

Marcel Proust (França): "Em Busca do Tempo Perdido" enfatiza a memória e o tempo, capturando a essência da saudade que Souza expressa.

T.S. Eliot (EUA/Inglaterra): novamente, em "A Terra Desolada", aborda a passagem do tempo e a saudade de um passado perdido, criando um sentimento de melancolia.

Trova 5. 
Temática: Memórias e Desgosto
A fixação em memórias dolorosas aborda a luta interna entre o passado e o presente. A trova nos convida a refletir sobre como as lembranças moldam nossas emoções e decisões, enfatizando que o passado pode ser um fardo, mas também uma fonte de aprendizado.

Carlos Drummond de Andrade: "No Meio do Caminho" trata da dor e das marcas que permanecem, refletindo a fixação de Gerson em memórias.

Sylvia Plath (EUA): em seus poemas, a relação com a dor e a memória é central, ecoando a intensidade da saudade do trovador.

Trova 6. 
Temática: Aparências e Conteúdo
A crítica à superficialidade das aparências desafia as convenções sociais. Destaca a importância de olhar além do que se vê, questionando a autenticidade das interações e das relações humanas. Essa reflexão é um convite à profundidade e à sinceridade.

Fernando Pessoa: "O Livro do Desassossego" reflete sobre a dualidade entre aparência e essência, semelhante à crítica contida na trova.

Robert Frost (EUA): "The Road Not Taken" explora a escolha e as aparências enganadoras da vida, ressoando com a mensagem de Gerson.

Trova 7. 
Temática: Despedida e Emoção
A dor da despedida é uma experiência universal que Gerson aborda com sensibilidade, explorando a fragilidade das relações e a inevitabilidade da perda, enfatizando que cada despedida traz consigo um leque de emoções que precisam ser reconhecidas e processadas.

Mário Quintana: "Despedida" fala sobre a tristeza da separação, ecoando a lágrima perdida de Gerson.

Pablo Neruda (Chile): em "Soneto XVII" a intensidade emocional diante da perda é um tema recorrente, refletindo a fragilidade da despedida.

John Keats (Inglaterra): "La Belle Dame sans Merci" retrata a dor da perda e a tristeza que acompanha uma despedida.

Trova 8. 
Temática: Sonhos e Destino
A súplica para que os sonhos não se percam reflete uma esperança profunda. O trovador nos lembra da fragilidade dos sonhos e da importância de lutar por eles, mesmo em face das dificuldades, sugerindo que o destino é algo que podemos moldar com nossas ações.

Manuel Bandeira: "Vou-me embora pra Pasárgada" fala sobre a busca de um lugar ideal, semelhante à esperança de Gerson pelos seus sonhos.

Alphonsus de Guimaraens: "A Fala do Sonho" fala da fragilidade dos sonhos e da necessidade de preservá-los.

Langston Hughes (EUA): "I Dream a World" expressa a esperança e o desejo por um futuro melhor, alinhando-se à súplica na trova.

Trova 9. 
Temática: Perdão e Relações
O perdão como um elemento de reparação destaca a complexidade das relações humanas. Sugere que o ato de perdoar é essencial para a cura e o entendimento mútuo, mostrando que a empatia e a compreensão são fundamentais na construção de vínculos saudáveis.

Guilherme de Almeida: "Perdão" aborda a importância do perdão nas relações humanas.

Khalil Gibran (Líbano): "O Profeta", fala sobre amor e perdão, ressoando com a ideia de Gerson sobre unir promessas quebradas.

Trova 10. 
Temática: Amizade e Esperança
A importância do amigo em momentos difíceis é uma celebração da solidariedade. Enfatiza que a amizade é um pilar de esperança, essencial para enfrentar os desafios da vida. Essa conexão entre indivíduos é vital para a resiliência emocional.

Chico Buarque em suas letras, a amizade é um tema recorrente, refletindo a solidariedade que o trovador valoriza.

Cecília Meireles: "Amizade", destaca a importância da amizade como um pilar de esperança e apoio.

Emily Dickinson (EUA): em seus poemas, frequentemente menciona a solidez da amizade como um alicerce em tempos de tristeza.

William Wordsworth (Inglaterra): "I Wandered Lonely as a Cloud" estabelece que uma conexão com a natureza e os amigos traz esperança, semelhante à troca de esperanças em Gerson.

Trova 11. 
Temática: Sabedoria e Experiência
A valorização da experiência dos mais velhos reflete um respeito pela história e pelas lições aprendidas. A trova sugere que a sabedoria é um legado que deve ser transmitido, enfatizando a importância da escuta e da reflexão sobre nossas vivências.

William Wordsworth (Inglaterra): "The Prelude" valoriza a sabedoria adquirida com a experiência e a reflexão sobre a vida.

Rainer Maria Rilke (Áustria): "Cartas a um Jovem Poeta", fala sobre a empatia e a sabedoria que podemos aprender com os mais velhos.

Trova 12. 
Temática: Fé e Empatia
A crítica à fé que não se traduz em ações concretas destaca a necessidade de ação em prol do próximo, e uma reflexão sobre a autenticidade da nossa fé e a importância de agir com empatia, sugerindo que a verdadeira espiritualidade se manifesta em atitudes.

Hilda Hilst: "A Obscena Senhora D" questiona a espiritualidade e a prática, ecoando a crítica do trovador.

Claudio Manuel da Costa: "Oração a Deus" aborda a relação entre fé e ação, enfatizando a importância da empatia.

Maya Angelou (EUA): "Still I Rise" mostra como a fé e a determinação se manifestam em ações de resistência e solidariedade.

Albert Camus (Argélia/França): no "O Mito de Sísifo" a busca por sentido e a crítica à fé abstrata são temas que estão alinhados com a mensagem de Gerson.

A SAUDADE E O TEMPO NAS TROVAS DE GERSON CÉSAR SOUZA

A saudade, em muitas das trovas de Gerson, é apresentada como um sentimento que está intrinsecamente ligado ao passado. Ela não é apenas uma lembrança nostálgica, mas uma vivência que distorce a percepção do tempo. O presente é muitas vezes ofuscado pela intensidade das memórias, criando um espaço onde o passado se torna mais presente do que o próprio agora.

Ele sugere que as memórias moldam a forma como vivemos o tempo. A saudade pode fazer com que momentos felizes do passado pareçam mais significativos, levando a uma idealização do que foi. Essa reinterpretação pode causar uma dor aguda, pois a comparação entre o que foi e o que é gera um sentimento de perda.

As trovas também abordam a saudade em relação aos ciclos da vida. À medida que as pessoas passam por diferentes fases, a saudade se torna uma constante. Eventos como despedidas e mudanças de vida intensificam esse sentimento, evidenciando como o tempo traz transformações que podem ser tanto dolorosas quanto enriquecedoras.

A melancolia é um tema forte na relação entre saudade e tempo. A saudade muitas vezes carrega um tom de tristeza, uma consciência da transitoriedade da vida. O tempo, ao avançar, leva consigo momentos que não podem ser recuperados, e isso gera um lamento por aquilo que já se foi.

A saudade também desempenha um papel na formação da identidade. As experiências passadas moldam quem somos, e a saudade é um lembrete constante de nossas vivências. O poeta sugere que, ao refletir sobre o tempo e a saudade, somos convidados a entender nossa trajetória e reconhecer como ela influencia nosso presente.

A relação entre saudade e tempo na obra de Gerson César Souza provoca uma reflexão profunda sobre como vivemos nossas experiências e como elas nos afetam emocionalmente. A saudade, ao se entrelaçar com o tempo, transforma-se em um elemento central na busca por significado e compreensão da própria existência.

CONCLUSÃO

As trovas de Gerson César Souza oferecem um rico panorama das emoções humanas, abordando temas universais como justiça, saudade, autenticidade, perdão e amizade. Cada uma dessas temáticas não apenas ressoa com a experiência individual, mas também estabelece diálogos profundos com a obra de poetas brasileiros e estrangeiros, ampliando a compreensão da condição humana.

A crítica à corrupção e à hipocrisia da justiça, por exemplo, reflete a insatisfação contemporânea com instituições falhas, um sentimento que ecoa nas obras de poetas como Bertolt Brecht e Pablo Neruda. Este contexto social é crucial, pois revela a necessidade de uma literatura engajada que questione e desafie as estruturas de poder, algo que continua a ser relevante em um mundo marcado por desigualdades.

A busca pela autenticidade e a resistência às normas sociais, presente nas trovas, dialoga com a obra de poetas como Walt Whitman e Cecília Meireles. Essa luta pela individualidade é vital em uma época em que as pressões sociais e culturais muitas vezes levam à conformidade. Essa busca por identidade e expressão pessoal se torna ainda mais importante para as futuras gerações, que habitam um mundo digital em constante transformação.

A relação entre saudade e tempo, um tema central nas trovas de Gerson, revela a complexidade das emoções humanas frente à transitoriedade da vida. Poetas como Vinicius de Moraes e T.S. Eliot também exploram essa melancolia, demonstrando que a reflexão sobre o passado é fundamental para a construção da identidade no presente. Compreender essa relação é essencial para lidar com as perdas e a nostalgia que permeiam a experiência humana.

Além disso, a ênfase no perdão e na amizade ressalta a importância das relações interpessoais, fundamentais para a saúde emocional e a construção de comunidades solidárias. A ideia de que o perdão é uma forma de reparação é um ensinamento crucial, especialmente em tempos de polarização e conflito. Em um mundo onde as divisões são cada vez mais evidentes, essa mensagem ressoa fortemente.

Por fim, a valorização da sabedoria e da experiência dos mais velhos, presente nas trovas, sugere uma continuidade entre gerações que é vital para a construção de sociedades mais justas e empáticas. A capacidade de aprender com o passado e respeitar aqueles que vieram antes de nós é um legado que deve ser cuidadosamente preservado e transmitido.

Em suma, as trovas de Gerson César Souza não apenas capturam a essência da experiência humana, mas também servem como um convite à reflexão crítica sobre a sociedade contemporânea e as relações que a definem. Ao dialogar com grandes poetas do passado e do presente, ele reafirma a relevância da poesia como um meio de explorar, entender e transformar a realidade. Para as futuras gerações, suas palavras oferecem um caminho de introspecção e esperança, ressaltando a importância de sonhar, amar e lutar por um mundo mais justo e verdadeiro.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Arthur Thomaz (O Pó de Pirlimpimpim)

A malvada bruxa que roubou o pó e tentou voar, fracassou porque para isso é necessário ter pensamentos alegres. A fada Sininho, um dia cansada de ser artista secundária na história de Peter Pan, resolveu arriscar voo até uma cidade que ouviu ser chamada de maravilhosa.

Veio ao Rio de Janeiro. Sobrevoou a metrópole, cumprimentou o Cristo, lambeu o Pão de Açúcar (não achou nada doce), teve que tampar seu narizinho ao passar pela Lagoa Rodrigo de Freitas e pela Baía de Guanabara, pegou carona no bondinho, onde ficou parada no alto por falta de energia elétrica, e foi conhecer algumas praias famosas, nas quais não pôde descer por excesso de lixo e de fezes de animais que os donos insistem em levar para passear.

Escapou de vários tiros ao sobrevoar os morros, desferidos por traficantes que a confundiram com helicóptero da PM. Em São Conrado, misturou-se às dezenas de coloridas asas-deltas que flanavam pelo ar.

Pegou um táxi e veio até Ipanema, onde ficou em um lindo hotel com vista para o mar. Na manhã seguinte, após descansar da extenuante viagem, comprou um sumário biquíni na loja do hotel e foi até a praia. Observou maravilhada a imensa diversidade da fauna que se reunia em diferentes postos da orla.

Em uma delas, notou que após fumar uma estranha erva, o grupo parecia voar como se tivesse borrifado seu pó de pirlimpimpim. Curiosa, resolveu experimentar esse cigarrinho artesanal. Notou que apesar de ficar muito leve, não conseguia alçar voo, tossiu bastante e continuou pela areia. 

Encontrou uma tribo de alegres rapazes e moças que se beijavam sofregamente, independentemente de qualquer distinção sexual, e que pareciam levitar de tanta frescura. Beijou muitas e muitos dessa tribo, mas novamente não conseguiu voar.

No Arpoador, deparou-se com saudáveis corpos bronzeados que a convidaram para surfar em magníficas ondas, mas que também não a fizeram alçar voo.

Em outra região, encontrou um grupo que se dedicava inteiramente à cultura, lendo e declamando poemas maravilhosos, mas que também não a fizeram decolar.

Já quase desesperançada, ouviu de alguém que haveria uma roda de samba em um local na Lapa. Meio sem saber o que era samba, muito menos roda e Lapa, pediu a um taxista que a levasse até lá. Ao entrar no local indicado, deparou-se com pessoas requebrando os quadris em um ritmo frenético. 

Conheceu um rapaz magro e de cor morena, que imediatamente a convidou para dançar algo que ele chamou de Samba de Gafieira. Sininho foi às nuvens nos braços daquele homem. Mal sentia seus pés no chão, e após dançar três canções, percebeu que nem precisava mais do seu pozinho para levitar.

Hoje, Sininho é proprietária de uma casa de show na Lapa, com o sugestivo nome ”Dançando nas Alturas”, cujo barman é Peter Pan, especializado em drinques verdes, com uma pitadinha de certo pó, e que seu efeito principal é levar os dançarinos às nuvens.

Em frente a essa maravilhosa casa noturna está escrito em letras garrafais: “entre sempre aqui com pensamentos alegres”.

Felizes, jamais voltaram à Terra do Nunca.

Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu. Santos/SP: Bueno Editora, 2021. 
Enviado pelo autor 

Dicas de Escrita (Como escrever uma história de mistério) – Parte 1

texto por Lucy V. Hay
Um bom mistério terá personagens fascinantes, um suspense emocionante e um quebra-cabeça que manterá você virando as páginas. Mas pode ser difícil escrever uma história de mistério cativante, especialmente se você nunca tiver tentado antes. Com a preparação, o brainstorming, o planejamento, a edição e o desenvolvimento certo das personagens, você pode criar seu próprio mistério envolvente.


PREPARANDO-SE PARA ESCREVER

1. Entenda a distinção entre o gênero mistério e o gênero suspense
Os mistérios quase sempre começam com um assassinato. A grande questão é quem cometeu o crime. Os suspenses costumam começar com uma situação que leva a uma grande catástrofe, como um assassinato, um assalto a banco, uma explosão nuclear etc. 

A grande pergunta em um texto desse gênero é se o herói pode ou não evitar que a catástrofe aconteça. 

Nas histórias de mistério, o leitor não sabe quem cometeu o assassinato até o fim do romance. Elas são centradas no exercício intelectual de tentar descobrir as motivações por trás do crime ou a resposta para o quebra-cabeça.

Os mistérios tendem a ser escritos em primeira pessoa enquanto os suspenses, são muitas vezes escritos na terceira pessoa e a partir de vários pontos de vista. As narrativas de mistério costumam ter um ritmo mais lento, conforme o herói, detetive ou protagonista tenta resolver o crime. Há também menos cenas de ação nelas do que nos suspenses.

Como os mistérios costumam ser mais lentos, as personagens geralmente têm mais profundidade e melhor acabamento neles do que em um suspense.

2. Leia exemplos de mistérios 
Há muitas grandes histórias desse gênero que você pode ler para ter uma noção do que é um mistério bem escrito e bem desenvolvido.

"A Mulher de Branco", de Wilkie Collins: esse romance de mistério do século XIX foi escrito originalmente no formato de série, por isso a história avança em passos medidos. Muito do que se tornou norma em ficção policial foi feito por Collins neste livro, por isso trata-se de uma introdução envolvente e instrutiva ao gênero.

"O Sono Eterno", de Raymond Chandler: Chandler é um dos maiores escritores do gênero, criando histórias envolventes sobre os desafios e as atribulações do detetive particular Philip Marlowe. Este é um investigador durão, cínico, mas honesto que se envolve em uma trama com um general, sua filha e um fotógrafo chantageador. O trabalho de Chandler é conhecido por seu diálogo afiado, bom ritmo e herói interessante.

"As Aventuras de Sherlock Holmes", de Sir Arthur Conan Doyle: um dos detetives mais famosos do gênero, junto com seu igualmente famoso parceiro de investigação Watson, resolve uma série de mistérios e crimes nesta compilação de histórias. Holmes e Watson injetam seus traços de personalidade únicos ao longo das narrativas.

"Nancy Drew", de Carolyn Keene: toda a série se passa nos Estados Unidos. Nancy Drew é uma detetive. Os amigos próximos dela, Helen Corning, Bess Marvin e George Fayne aparecem em alguns mistérios. Nancy é filha de Carson Drew, o advogado mais famoso de River Heights, onde vivem.

"Hardy Boys", de Franklin W. Dixon: esse romance é semelhante a Nancy Drew e fala sobre dois irmãos: Frank e Joe Hardy, detetives talentosos. Eles são filhos de um investigador muito famoso e às vezes ajudam nos casos dele.

"A Crime in the Neighborhood", de Suzanne Berne (sem tradução para o português): esse romance de mistério recente se passa na Washington suburbana dos anos 1970. Ele se concentra em um crime que ocorre no bairro, o assassinato de um jovem. Berne intercala uma história de amadurecimento com o mistério da morte do jovem em um subúrbio chato e sem graça, mas consegue tornar a história bastante interessante.

3. Identifique a personagem principal em uma história de exemplo
Pense em como o autor apresenta o protagonista e em como o descreve.

Por exemplo, em "O Sono Eterno", o narrador em primeira pessoa de Chandler se descreve por suas roupas na primeira página: "Eu estava usando meu terno azul-claro acinzentado com camisa azul-escura, gravata, lenço dobrado no bolso, sapatos pretos, meias de lã pretas com bordados azuis. Estava limpo, impecável, barbeado e sóbrio, e não estava ligando se alguém percebia. Eu era tudo o que um detetive particular de boa aparência deve ser".

Com essas frases iniciais, Chandler torna o narrador distinto pela maneira dele descrever a si mesmo, a sua roupa e a seu trabalho como detetive particular.

4. Note o ambiente ou o período de tempo de uma história de exemplo 
Pense em como o autor situa a história no local ou no período de tempo.

Por exemplo, no segundo parágrafo da primeira página de "O Sono Eterno", Marlowe coloca o leitor no tempo e no cenário: "O saguão principal da mansão Sternwood tinha dois andares." O leitor agora sabe que Marlowe está na frente da casa dos Sternwoods e que essa é uma casa grande, possivelmente de pessoas ricas.

5. Considere o crime ou mistério que a personagem principal precisa resolver
 Qual é o crime que o protagonista tem de solucionar ou com o qual ele deve lidar de alguma forma? Poderia ser um assassinato, uma pessoa desaparecida ou um suicídio suspeito.

Em "O Sono Eterno", Marlowe é contratado pelo General Sternwood para "cuidar" de um fotógrafo que tem chantageado o general com fotos vergonhosas da filha dele.

6. Identifique os obstáculos ou problemas que a personagem principal encontra
Um bom mistério manterá os leitores envolvidos complicando a missão do protagonista com obstáculos ou problemas.

Em "O Sono Eterno", Chandler complica a busca pelo fotógrafo fazendo com que este seja morto nos primeiros capítulos, seguido pelo suicídio suspeito do motorista do general. Assim, o autor coloca dois crimes para Marlowe resolver.

7. Note a resolução do mistério
Pense em como ele será resolvido no final da história. A solução não deve parecer muito óbvia ou forçada, mas também não deve ser muito estranha ou inacreditável.

A resolução deverá parecer surpreendente para o leitor, sem confundi-lo. Uma das vantagens é que você pode regular o ritmo da história para que o desfecho se revele aos poucos, em vez de apressadamente.
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continua…

Fonte: Wikihow

Recordando Velhas Canções (Chove lá fora)


(Valsa, 1957) 

Compositor: Tito Madi

A noite está tão fria
Chove lá fora
E essa saudade enjoada
Não vai embora
Quisera compreender
Por que partiste
Quisera que soubesses
Como estou triste
E a chuva continua
Mais forte ainda
Só Deus sabe dizer
Como é infinda
A dor de não saber
Saber lá fora
Onde estás, como estás
Com quem estás agora

A Melancolia da Saudade em 'Chove Lá Fora'
A música 'Chove Lá Fora', interpretada pelo cantor e compositor Tito Madi, é uma expressão lírica da melancolia e da saudade. A letra descreve um cenário onde a noite fria e a chuva que cai lá fora são elementos que compõem a atmosfera de tristeza e reflexão do eu lírico. A chuva, frequentemente associada à tristeza e à introspecção, serve como metáfora para o estado emocional do narrador, que se encontra imerso em sentimentos de perda e saudade.

O eu lírico expressa um desejo de compreensão e busca por respostas sobre a partida de um ente querido. A repetição da frase 'Chove lá fora' reforça a sensação de isolamento e a continuidade da dor que parece não ter fim. A chuva que 'continua mais forte ainda' pode ser interpretada como o agravamento da dor emocional que o narrador sente, uma dor que apenas Deus conhece a profundidade e a extensão.

A música também aborda a angústia da incerteza, refletida na última estrofe, onde o eu lírico questiona o paradeiro e o bem-estar da pessoa amada. A ausência de respostas e a impossibilidade de saber se a pessoa está bem ou com quem está agora ampliam a sensação de desamparo e solidão. Tito Madi, conhecido por suas canções românticas e pela suavidade de sua voz, consegue transmitir com maestria a emoção contida na letra, tornando 'Chove Lá Fora' um clássico da música brasileira que toca profundamente os corações que já sentiram a dor da saudade.

sábado, 21 de setembro de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “25”

 

Geraldo Pereira (A Mangueira e a Cerejeira)

Em tarde assim, de suave tropicalidade, com os ventos alísios assoprando o frescor dos ares, mesmo que a ansiedade fustigue a intimidade d’alma, antecipando momentos de tensão emergente, nada pode ser melhor que saborear uma manga Rosary, presente de Oswaldo Martins de Souza, leitor habitual desses meus escritos. Ainda mais, se a morosidade das horas permite a leitura atenta das contribuições do agrônomo ao estudo dessas frutas da Ilha de Itamaracá. Considerações de caráter técnico e ao mesmo tempo sociológico ou antropológico, pelo que traz dos convívios pretéritos, das superstições e das crenças. 

Prendo-me, particularmente, à lenda da manga Primavera, uma das mais saborosas daquele recanto, nascida dos amores frustrados de um padre por uma moça.

Corriam os anos do século XVII e o jovem Saldanha apaixonara-se, perdidamente, pela moçoila casadoira de nome Sancha, cortejando-a o mais que podia ou o mais que lhe permitiam as regras do tempo. Decidido, foi à presença do pai e decantou os sentimentos, recebendo, todavia, a maior de todas as negativas de que se tem notícia pras bandas de Itamaracá. Voltou cabisbaixo e por certo chorou baixinho as lágrimas de todas as perdas, o pranto da decepção estabelecida. Mas, não desistiu, antes buscou o caminho das glórias, para impressionar o resistente sogro. Lutou contra os holandeses e venceu batalhas, matou gente e quase morreu, levantou-se ninguém sabe como, depois de ter sido considerado destinado já à outra dimensão da vida. Bateu à porta do seminário e se fez sacerdote. 

Um dia, sem esquecer nunca do semblante de Sancha, mandado trabalhar em terras da Ilha, tomou-se da coragem que anima os amantes condenados à sina das rupturas e procurou a velha amiga, que solteira ainda vivia em companhia de um irmão e sua prole. Bateu à porta vestido a caráter, de batina e barrete! Foi ela quem se achegou e o recebeu, ouvindo-lhe pronunciar o nome que agora tinha: Pe. Aires Ivo. Não resistiu à identificação do antigo amor, da face que mostrava ainda traços da juventude e da voz, cuja tonalidade apontava a idade, mas conservava o timbre dos outroras vividos. Caiu por terra, fulminada, inerte, diante da inesperada visita, da surpresa e da condição que adotara, a de celibatário. 

Morreu, porque se morre mesmo, quando a decepção faz consolidar o desgosto!

Foi sepultada em cova rasa, rodeada de jasmins e numa das vezes em que o cura por lá voltou, para retomar imaginárias aproximações, com as quais convivera a existência inteira, plantou uma semente de manga no canto desses seus proibidos encantos. A mangueira desabrochou viçosa, cresceu em busca dos céus e deu o mais doce de todos os frutos de que se sabe em terras assim, quinhentona já: a manga Primavera. 

Plantada em solo diferente daquele das origens, fora da Ilha e longe daquela fada, que é madrinha também, não repete o sabor de mel, o adocicado do gosto, pra que não se fale de Aires, o padre ou de Sancha, a musa! Nem a ciência e nem a técnica conseguiram explicar a lenda ou mudar de hábitos a árvore dos amores rompidos.

E nessa mesma tarde, de suave tropicalidade, encontro no computador uma correspondência de lugar distante, bem distante. Chega de Tóquio, assinada por amiga minha, Harumi de prenome, dando conta que a sakura, a cerejeira dos japoneses, floresceu e encheu as ruas da cidade com a beleza das pétalas. Há gente sentada na relva admirando as flores, jovens e velhos, casais enamorados e errantes solitários. 

Será que existem homens como o cura de Itamaracá ou mulheres como Sancha embevecidos com o efêmero fenômeno, rebuscando passados e fantasiando amores? Talvez sim! Talvez não! Mas, por todo o tempo em que este mundo durar, quer queiram ou quer não queiram, amantes embevecidos hão de chorar as perdas, derramando as silentes lágrimas das distâncias, com as quais regam as árvores de bons frutos das lembranças eternizadas.

Fonte: Geraldo Pereira. A medida das saudades. Recife/PE, 2006. Disponível no Portal de Domínio Público.

Dissecando a Magia dos Textos (“A Menina de Tranças”, de Aparecido Raimundo de Souza)

por José Feldman

Conto publicado neste blog, em 13 de setembro de 2024, no link https://singrandohorizontes.blogspot.com/2024/09/aparecido-raimundo-de-souza-menina-de_13.html

O escritor deste conto, Aparecido Raimundo de Souza, é natural de Andirá/PR, radicou-se em Vila Velha/ES. Formado em Direito e Jornalismo, trabalhou como jurado do programa Sílvio Santos e Ratinho. Escreveu para diversas revistas e jornais do RJ, ES e MG. Atualmente é free-lancer para a Revista "Quem" (da Rede Globo), e às quintas escreve crônicas para o jornal "O Dia", no Rio de Janeiro. Colabora com seus textos e poemas neste blog desde 2010.

Ao dissecar o conto "Menina de Tranças" de Aparecido Raimundo de Souza, revela-se várias camadas de significado e temáticas que refletem aspectos da vida comunitária, da inocência da infância e da busca por um sentido de pertencimento.

ANÁLISE

1. Contexto e Ambiente
O cenário de Santa Luzia do Monte Sagrado, um vilarejo pacato, simboliza a simplicidade e a tranquilidade da vida rural. Este ambiente serve como um contraste poderoso com as complexidades do mundo moderno, destacando a importância das relações interpessoais e da tradição. A descrição detalhada da praça central, onde a vida social se desenrola, é um microcosmo da comunidade, mostrando como as interações moldam a identidade coletiva.

2. Personagem Principal: Laudicea
Laudicea, a "Menina de Tranças", é uma figura emblemática que representa a inocência e a beleza da juventude. Seus longos cabelos trançados, adornados com fitas coloridas, simbolizam tanto a sua individualidade quanto a conexão com as tradições familiares. Sua habilidade de ouvir e absorver histórias a torna uma ponte entre o passado e o presente, destacando o valor da oralidade e da transmissão de saberes.

3. Temática do Desejo e da Magia
O conto aborda a ideia de desejo através da história do viajante e do fio de ouro que pode realizar sonhos. Este elemento mágico serve como um catalisador para a transformação da realidade. A escolha de Laudicea em desejar a preservação da paz e da harmonia em sua comunidade reflete uma maturidade além de sua idade, enfatizando a responsabilidade que vem com o poder de realizar desejos.

4. A Comunidade como Personagem
A dinâmica da comunidade é central para a narrativa. A transformação que ocorre após o desejo de Laudicea — as pessoas se unindo e ajudando umas às outras — sugere que o verdadeiro poder reside nas relações humanas e na solidariedade. O conto critica a desumanização que pode ocorrer em ambientes urbanos e modernos, onde a individualidade muitas vezes se sobrepõe ao bem comum.

5. Ciclo da Vida e a Evolução Pessoal
Laudicea evolui de uma menina inocente para uma mulher que compreende a verdadeira essência da felicidade. Sua jornada simboliza o ciclo da vida e a importância de cultivar valores que transcendem o material. Mesmo após a morte de seus entes queridos, sua decisão de explorar o mundo, levando consigo o fio dourado, é um ato de coragem e reflexão sobre o legado que deixa.

6. Simbolismo e Metáforas
O fio dourado é uma metáfora poderosa que representa a conexão entre o desejo e a realidade. Ele também simboliza a continuidade da vida e das tradições, mostrando que a verdadeira magia não está em objetos materiais, mas nas ações e na bondade. As tranças de Laudicea, por sua vez, podem ser vistas como uma representação da interconexão entre os indivíduos e a comunidade.

LIÇÕES DO CONTO

A jornada de Laudicea em "Menina de Tranças" oferece várias lições valiosas. Aqui estão algumas das principais:

1. Importância da Comunidade
Laudicea demonstra que a força de uma comunidade reside na união e na solidariedade. A colaboração e o apoio mútuo são essenciais para enfrentar desafios e construir um ambiente harmonioso.

2. Poder dos Desejos Sinceros
O desejo de Laudicea de preservar a paz e a felicidade na comunidade ilustra que intenções puras e altruístas podem ter um impacto significativo na realidade ao nosso redor.

3. Valor da Tradição e da Oralidade
A conexão de Laudicea com as histórias de sua família e da comunidade enfatiza a importância de preservar tradições e transmitir conhecimentos por meio da oralidade, enriquecendo a identidade cultural.

4. Crescimento Pessoal e Maturidade
A transição de Laudicea de uma menina inocente para uma mulher consciente mostra que o crescimento pessoal envolve não apenas experiências, mas também reflexões sobre o que realmente importa na vida.

5. A Magia nas Pequenas Coisas
O conto revela que a verdadeira magia não está em elementos sobrenaturais, mas nas ações cotidianas e na bondade. Pequenos gestos podem transformar vidas e fortalecer laços.

6. Resiliência diante da Perda
A capacidade de Laudicea de seguir em frente após a perda de entes queridos ilustra a importância da resiliência e da busca por novos horizontes, mesmo em tempos difíceis.

7. Autenticidade e Individualidade
Laudicea, através de seu desejo, representa a autenticidade. Ser verdadeiro consigo mesmo e com os outros é fundamental para construir relacionamentos significativos.

RELAÇÃO DOS VALORES ABORDADOS NO CONTO DE APARECIDO COM OUTROS AUTORES

"O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry
Estão presentes valores como amizade, inocência, e a importância das coisas simples. A história enfatiza que o essencial é invisível aos olhos. Assim como o príncipe valoriza as relações que estabelece, Laudicea cresce em um ambiente onde a amizade e a solidariedade são fundamentais. Sua capacidade de ouvir e se conectar com os outros fortalece os laços comunitários.

"A Menina que Roubava Livros", de Markus Zusak
Há a solidariedade, resiliência e o poder das palavras. A protagonista se encontra em meio a um um contexto de guerra e perda, assim como Laudicea lida com a morte de seus entes queridos. Ambas as histórias mostram a importância de encontrar esperança e conforto nas relações humanas.

"O Alquimista", de Paulo Coelho
Aborda a busca de sonhos, autoconhecimento e a importância da jornada, aprende sobre a vida e a conexão com o universo.  A jornada de Laudicea em busca de um desejo sincero reflete a busca por um propósito maior, semelhante à busca do protagonista de Coelho por seu tesouro. Ambas as histórias falam sobre o autoconhecimento que surge durante a busca.

"A Cabana", de William P. Young 
Percebemos o perdão, amor e a superação da dor. A história aborda a importância de enfrentar a perda e encontrar paz interior. Assim como a narrativa de Young aborda temas de perdão e conexão, a oralidade nas histórias da comunidade de Laudicea destaca a importância da tradição e da comunicação para a cura e fortalecimento emocional.

"O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway 
Observa-se a perseverança, resiliência e a luta contra adversidades. Ambos os protagonistas enfrentam desafios. Laudicea, ao desejar a harmonia da comunidade, e o velho pescador, em sua luta contra o mar, mostram que a perseverança é crucial para se alcançar objetivos e manter a dignidade.

CONCLUSÃO

A análise do conto "Menina de Tranças" de Aparecido Raimundo de Souza revela não apenas a riqueza narrativa do autor, mas também suas influências e a relevância de sua obra no mundo contemporâneo e para as futuras gerações. O autor é influenciado por elementos da literatura oral, tradições culturais e a vida comunitária, que permeiam sua narrativa. Ele utiliza a oralidade como um recurso para transmitir valores, histórias e sabedoria ancestral, resgatando a essência das relações humanas e a simplicidade da vida rural. Essa conexão com as raízes culturais é fundamental, especialmente em um mundo que frequentemente prioriza a velocidade e a superficialidade.

Em tempos de individualismo e desumanização, a mensagem de "Menina de Tranças" se torna ainda mais significativa. O conto ressalta a importância da empatia, da solidariedade e do pertencimento. Em um contexto em que as comunidades enfrentam desafios como a alienação e a fragmentação social, a obra de Aparecido nos convida a refletir sobre a necessidade de retornar a valores que fortalecem os laços sociais. Para as futuras gerações, o conto serve como um modelo de como a literatura pode ser uma ferramenta poderosa para a educação emocional e social. Através de personagens como Laudicea, as crianças e jovens podem aprender sobre a importância de cultivar amizades, honrar tradições e valorizar a comunidade. A história incentiva a compreensão de que a verdadeira riqueza da vida está nas relações que construímos e na forma como nos conectamos uns com os outros.

Assim, "Menina de Tranças" transcende sua narrativa simples para se tornar uma reflexão profunda sobre a condição humana. A obra de Aparecido não apenas enriquece a literatura brasileira, mas também oferece lições valiosas para um mundo em constante transformação. Ao lembrar a importância da comunidade, da tradição e da empatia, o escritor nos proporciona um legado que ressoa com a essência do que significa ser humano — um convite para construirmos um futuro mais conectado e solidário.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. IA Open.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Recordando Velhas Canções (Chão de Estrelas)

(samba, 1937) 

Compositor: Sílvio Caldas e Orestes Barbosa

Minha vida era um palco iluminado
eu vivia vestido de dourado
palhaço das perdidas ilusões
cheio dos guizos falsos da alegria
andei cantando a minha fantasia
entre as palmas febris dos corações

Meu barracão no morro do salgueiro
tinha o cantar alegre de um viveiro
foste a sonoridade que acabou
e hoje, quando do sol, a claridade
forra o meu barracão, sinto saudade
da mulher pomba-rola que voou

Nossas roupas comuns dependuradas
na janela qual bandeiras agitadas
pareciam um estranho festival
festa dos nossos trapos coloridos
a mostrar que nos morros mal vestidos
é sempre feriado nacional

A porta do barraco era sem trinco
mas a lua furando nosso zinco
salpicava de estrelas nosso chão
tu pisavas nos astros distraída
sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, O luar e o violão.

A melancolia no samba de 'Chão de Estrelas'
A canção 'Chão de Estrelas', interpretada pelo icônico Silvio Caldas, é uma obra que transita entre a melancolia e a celebração da vida simples. A letra da música descreve a vida de um homem que, outrora parte de um espetáculo iluminado e vestido de dourado, vivia uma fantasia de alegria e aplausos. A metáfora do palhaço pode ser interpretada como uma crítica à falsidade das aparências e à efemeridade do sucesso e da felicidade construída sob os holofotes.

O cenário muda para um barracão no morro do Salgueiro, um lugar de vida simples, mas cheio de alegria e vivacidade, como um 'viveiro'. A saudade é um tema central, expressa pela ausência da 'mulher pomba-rola que voou', uma referência à perda de um amor que trouxe vida e sonoridade ao ambiente. A imagem das roupas penduradas, agitadas como bandeiras, evoca uma sensação de festividade e orgulho da identidade cultural dos morros, onde mesmo a pobreza é celebrada como um 'feriado nacional'.

Por fim, a música descreve uma cena poética onde a luz da lua, atravessando o zinco do barraco, cria um 'chão de estrelas'. A mulher amada, ao caminhar desatenta sobre esse chão iluminado, não percebe que a verdadeira felicidade está na simplicidade da vida cotidiana, simbolizada pela 'cabrocha, o luar e o violão'. A música é um retrato da vida nas favelas do Rio de Janeiro, com suas dificuldades e belezas, e um lembrete de que a felicidade muitas vezes reside nas coisas mais simples.

Numa visita ao poeta Guilherme de Almeida, em 1935, Sílvio Caldas mostrou-lhe uma canção inédita, intitulada "Foste a Sonoridade Que Acabou". Terminada a apresentação, a canção recebeu um novo nome: "Chão de Estrelas". Aconteceu a mudança por sugestão de Guilherme, tomado de súbito entusiasmo pelos versos, que eram de Orestes Barbosa.

Sobre o fato, ele escreveria trinta anos depois (em crônica incluída no livro Chão de Estrelas, de Orestes): "Nem de nome eu conhecia o autor. Mas o que então dele pensei e disse, hoje o repito: uma só dessas duas imagens - o varal das roupas coloridas e as estrelas no chão (... ) - é quanto basta para que ainda haja um poeta sobre a terra".

Mas não pãra em Guilherme de Almeida o fascínio despertado por "Chão de Estrelas" entre nossos poetas. Em 1956, numa crônica em louvor a Orestes, Manuel Bandeira terminava assim: "Se se fizesse aqui um concurso (...) para apurar qual o verso mais bonito de nossa língua, talvez eu votasse naquele de Orestes: ‘tu pisavas os astros distraída..."'.

Composto por Sílvio Caldas sobre um poema em decassílabos - que Orestes relutou em consentir que fosse musicado -, "Chão de Estrelas" é a obra-prima da dupla, que produziu um total de quinze canções, a maioria de muito boa qualidade ("Quase Que Eu Disse", "Suburbana", "Torturante Ironia" etc.). Essas composições cantam amores perdidos ou impossíveis, tratados do ponto de vista masculino e quase sempre localizados em cenários urbanos arranha-céus, apartamentos, cinemas... Embora tenha se destacado no seu lançamento em 1937, "Chão de Estrelas" só se tornaria um sucesso nacional na década de 1950, quando Sílvio Caldas a gravou pela segunda vez. 

Fontes: 

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 25

 

A. A. de Assis (Olha o miúdo de porco…)

Fico pensando no como eram ao mesmo tempo simples e ingênuas as coisas naquele velho e bom tempo de pioneirismo

Era o cotidiano refrão do bucheiro desde bem cedinho pilotando sua carrocinha puxada a burro nas ruas da Maringá recém-nascida. Quem num por acaso me fez lembrar disso foi o mestre desenhista e cartunista Kaltoé. Ele era ainda um garotinho, mas diz que se lembra bem.

Fico pensando no como eram ao mesmo tempo simples e ingênuas as coisas naquele velho e bom tempo de pioneirismo. O bucheiro trazia não se sabe de onde sua vendinha ambulante, oferecendo bucho, tripa, fígado. Não só de porco, mas também de bode, carneiro e os de-dentro de galinha, pato, marreco, mais umas comidinhas várias: torresmo, tripa, linguiça, pastéis, bolinhos, biscoitos, cocadas. Ninguém perguntava quais os cuidados de higiene havidos no trato da mercadoria. O bucheiro embrulhava as porções num papel grosso, todo mundo comprava, cozinhava, punha no prato, mandava ver.

Era assim também com o pão e o leite. O padeiro atendia os clientes avulsos no carrinho e deixava o pão nas portas dos que pagavam por mês. O leiteiro trazia o “suco de vaca” numa barrica com uma torneirinha. Os fregueses traziam caneco, panela ou caçarola e levavam o produto para casa em estado natural – cruzinho e gordinho. Hoje algo assim seria inacreditável. No mínimo daria escândalo, com direito a virar notícia de rádio, jornal e tevê.

No entanto, até a primeira metade do século 20, isso era comum na maioria das cidades, principalmente nos lugares novos, como era o caso de Maringá. Ou as pessoas tinham maior dosagem de anticorpos ou os possíveis vírus e bactérias eram menos perversos.

Aqui (Maringá) começou a mudar nos meados de 1960, quando a população deu sinais de que era hora de botar ordem nesse tipo primitivo de comercialização. Afinal Maringá já era uma cidade bem crescidinha; não podia mais aceitar um atraso desses. Campanhas da imprensa, debates nos clubes de serviços, manifestações de médicos, pressão daqui, pressão dali, enfatizando a urgência de alguma medida proibindo a venda de leite cru.

Todavia, como de praxe acontece em toda mudança de costumes, havia também gente que não queria mudar coisa alguma, resultando daí um quiproquó que rendeu inclusive exaltadas discussões na Câmara de Vereadores.  

Produtores e vendedores de leite, no início, ficaram também meio divididos, porém acabaram chegando a um consenso. Reuniram-se, debateram, avaliaram os prós e os contras e por fim reconheceram a real necessidade de entrar na era moderna.

Criou-se a Cooperativa de Laticínios e o produto passou a ser pasteurizado e distribuído nos conformes do que a higiene exige. Primeiro em garrafas de vidro, depois em saquinhos e finalmente em caixinhas, como se faz ainda hoje.  

O bucheiro teve igualmente que aposentar sua carrocinha. Carnes e miúdos na rua, nunca mais. Só nos açougues e sujeitos à indispensável fiscalização oficial. 

(Crônica publicada no Jornal do Povo)

Dicas de Escrita (O uso de pseudônimos para o escritor)

texto de Marcelo Spalding
A escolha do nome para um escritor parece simples, mas não é. Muitos alunos entram em crise existencial na hora de escolher o nome para sua primeira participação em coletânea. Eu mesmo só adotei de vez o Marcelo Spalding no meu segundo livro (meu nome completo é Marcelo Spalding Perez, e meu pai não ficou muito feliz de eu ter aberto mão do nome Perez).

Mas há casos que são mais complicados do que uma simples escolha de sobrenome: quando a pessoa não quer ser identificada e escolhe usar um pseudônimo.

Eu diria que há dois casos de pseudônimos: o primeiro é quando a pessoa escolhe o pseudônimo por uma questão comercial, como uma marca. Ela acredita que o pseudônimo vai ser melhor do que usar o nome dela pessoal, às vezes até as pessoas ao redor já conhecem ela por esse pseudônimo. Tony Ramos, por exemplo, é o pseudônimo do grande ator chamado Antônio de Carvalho Barbosa. O nome de nascimento da Xuxa é Maria da Graça Meneghel. E por aí vai, são pessoas que adotam esse nome artístico como sendo seu. Caso ela vá criar uma rede social, vai criar com nome artístico, as pessoas do seu convívio social a conhecem com nome artístico, então este caso é um uso de pseudônimo em substituição ao nosso nome original.

Outro caso é quando a pessoa não quer ser identificada pelos leitores, quer usar um pseudônimo para não misturar sua carreira de escritora com sua vida pessoal, profissional ou acadêmica, pois acredita que terá prejuízo em caso de misturá-las. O caso mais famoso é o de Fernando Pessoa, que foi além e criou os heterônimos (personalidades próprias para cada pseudônimo que usava).

Hoje, em tempos de rede social e grande interesse pela figura do autor, por vezes maior do que pela obra, acredito que um autor iniciante só deve usar esta estratégia quando o trabalho que faz ou a vida que ela leva é incompatível com a produção literária que vai produzir. Por exemplo, uma professora de escola infantil que planeja publicar romances de literatura erótica. Ou uma pessoa que trabalha em uma posição vulnerável, como promotor de justiça ou repórter investigativo, e não costuma aparecer em redes sociais por questões de segurança. Mas são situações muito específicas, não é a regra.

Mais comum é que a pessoa opte por preservar sua identidade por medo da reação de colegas, amigos ou familiares a seu tipo de literatura. Sim, a pessoa pode em uma empresa, universidade ou até por questões familiares ou religiosas ficar pouco à vontade de tratar alguns temas que ela trataria na sua literatura, mas não no seu dia a dia. A pessoa pode estar disposta a escrever sobre sua sexualidade, por exemplo, mas não querer discutir esse tema em círculos pessoais, por exemplo. São casos em que criar um pseudônimo paralelo na nossa vida civil nos deixa mais confortáveis.

Não é uma decisão fácil porque não se trata apenas da escolha de um nome, vai afetar, por exemplo, a escolha do nosso perfil nas redes sociais (fundamental para divulgarmos nosso trabalho como escritor). Sempre digo que o ideal é usar o perfil do Instagram que a pessoa já tem, o ideal é usar o nome que a pessoa já é conhecida. Como essa escolha de Marcelo Spalding ou Marcelo Perez eu fiz com 16, 17 anos, estava começando, foi tranquilo escolher usar o Spalding e não usar o Perez. O meu irmão já é conhecido como Perez no banco onde ele trabalha há muitos anos, se de uma hora para outra ele quiser trocar o nome de Perez para Spalding, vai complicar a vida dele.

Então trocar esse nome no meio do caminho é confuso, mesmo que a pessoa não esconda seu rosto, mesmo que a pessoa não tenha algum desses dilemas mais sociais ou políticos envolvidos. Desde adolescente eu tenho gente que me deu aula quando era criança, que me acompanha em rede social, compra meus livros, então a gente traz uma história toda quando a gente começa a produzir literatura, e usar o nome pelo qual se é conhecido desde sempre ajuda muito. Especialmente, claro, quem tem algum nome forte para isso.

Há pessoas que têm nomes um pouco mais comuns. Eu tive uma aluna chamada Paula Fernandes, por exemplo. Quando ela colocava no Google o nome dela, só aparecia a cantora Paula Fernandes. Quem tem nomes que combinados funcionam como um nome específico, um nome sem tanta gente assim conhecida, um nome que no Google ainda consegue aparecer nas primeiras posições, com o qual no Instagram consegue ter um perfil, de preferência a ele.

Cuide apenas que você se sinta à vontade com esse pseudônimo, afinal o que se deseja é que sua carreira prospere e você precise lidar com ele por um longo tempo.

Recordando Velhas Canções (Ela é carioca)


(bossa nova, 1963) 

Compositor: Vinicius de Moraes

Ela é carioca, ela é carioca
Basta o jeitinho dela andar
E ninguém tem carinho assim para dar
Eu vejo na cor dos seus olhos
As noites do Rio ao luar
Vejo a mesma luz, vejo o mesmo céu
vejo o mesmo mar

Ela é meu amor, só me vê a mim
A mim que vivi para encontrar
Na luz do seu olhar, a paz que sonhei

Só sei que eu sou louco por ela
E pra mim ela é linda demais
E além do mais, ela é carioca
ela é carioca
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A Essência do Rio de Janeiro em 'Ela É Carioca'
A música 'Ela É Carioca', composta por Vinicius de Moraes, é uma ode à mulher carioca e, por extensão, à cidade do Rio de Janeiro. A letra exalta a beleza, o charme e a singularidade da mulher nascida na cidade maravilhosa. A forma como ela anda, o carinho que ela oferece e a luz em seus olhos são descritos de maneira poética, refletindo a admiração e o amor do eu lírico por essa figura feminina. A mulher carioca é apresentada como um símbolo de tudo o que há de belo e encantador no Rio de Janeiro.

Vinicius de Moraes, um dos maiores poetas e compositores brasileiros, utiliza a mulher carioca como uma metáfora para a própria cidade. Através dos olhos dela, ele vê as noites do Rio ao luar, o mesmo céu e o mesmo mar. Essa visão romântica e idealizada do Rio de Janeiro é uma característica marcante na obra de Vinicius, que sempre buscou capturar a essência da cidade em suas composições. A música, portanto, não é apenas uma declaração de amor a uma mulher, mas também uma celebração da cultura e da paisagem carioca.

Além disso, a canção destaca a relação íntima e pessoal entre o eu lírico e a mulher carioca. Ele viveu para encontrá-la e encontra paz na luz do seu olhar. Essa conexão profunda e emocional reforça a ideia de que a mulher carioca, e por extensão o Rio de Janeiro, é uma fonte de inspiração e felicidade. A repetição da frase 'Ela é carioca' ao longo da música enfatiza essa identidade única e especial, tornando a canção um verdadeiro hino de amor à cidade e às suas mulheres.