A malvada bruxa que roubou o pó e tentou voar, fracassou porque para isso é necessário ter pensamentos alegres. A fada Sininho, um dia cansada de ser artista secundária na história de Peter Pan, resolveu arriscar voo até uma cidade que ouviu ser chamada de maravilhosa.
Veio ao Rio de Janeiro. Sobrevoou a metrópole, cumprimentou o Cristo, lambeu o Pão de Açúcar (não achou nada doce), teve que tampar seu narizinho ao passar pela Lagoa Rodrigo de Freitas e pela Baía de Guanabara, pegou carona no bondinho, onde ficou parada no alto por falta de energia elétrica, e foi conhecer algumas praias famosas, nas quais não pôde descer por excesso de lixo e de fezes de animais que os donos insistem em levar para passear.
Escapou de vários tiros ao sobrevoar os morros, desferidos por traficantes que a confundiram com helicóptero da PM. Em São Conrado, misturou-se às dezenas de coloridas asas-deltas que flanavam pelo ar.
Pegou um táxi e veio até Ipanema, onde ficou em um lindo hotel com vista para o mar. Na manhã seguinte, após descansar da extenuante viagem, comprou um sumário biquíni na loja do hotel e foi até a praia. Observou maravilhada a imensa diversidade da fauna que se reunia em diferentes postos da orla.
Em uma delas, notou que após fumar uma estranha erva, o grupo parecia voar como se tivesse borrifado seu pó de pirlimpimpim. Curiosa, resolveu experimentar esse cigarrinho artesanal. Notou que apesar de ficar muito leve, não conseguia alçar voo, tossiu bastante e continuou pela areia.
Encontrou uma tribo de alegres rapazes e moças que se beijavam sofregamente, independentemente de qualquer distinção sexual, e que pareciam levitar de tanta frescura. Beijou muitas e muitos dessa tribo, mas novamente não conseguiu voar.
No Arpoador, deparou-se com saudáveis corpos bronzeados que a convidaram para surfar em magníficas ondas, mas que também não a fizeram alçar voo.
Em outra região, encontrou um grupo que se dedicava inteiramente à cultura, lendo e declamando poemas maravilhosos, mas que também não a fizeram decolar.
Já quase desesperançada, ouviu de alguém que haveria uma roda de samba em um local na Lapa. Meio sem saber o que era samba, muito menos roda e Lapa, pediu a um taxista que a levasse até lá. Ao entrar no local indicado, deparou-se com pessoas requebrando os quadris em um ritmo frenético.
Conheceu um rapaz magro e de cor morena, que imediatamente a convidou para dançar algo que ele chamou de Samba de Gafieira. Sininho foi às nuvens nos braços daquele homem. Mal sentia seus pés no chão, e após dançar três canções, percebeu que nem precisava mais do seu pozinho para levitar.
Hoje, Sininho é proprietária de uma casa de show na Lapa, com o sugestivo nome ”Dançando nas Alturas”, cujo barman é Peter Pan, especializado em drinques verdes, com uma pitadinha de certo pó, e que seu efeito principal é levar os dançarinos às nuvens.
Em frente a essa maravilhosa casa noturna está escrito em letras garrafais: “entre sempre aqui com pensamentos alegres”.
Felizes, jamais voltaram à Terra do Nunca.
Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu. Santos/SP: Bueno Editora, 2021.
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