Chopinzinho, no Sudoeste do Paraná, é uma cidade aprazível, onde gaúchos e catarinenses se misturaram ao elemento nativo, dando origem a uma comunidade trabalhadora e ordeira. Essa localidade já existia desde o século passado, quando ali foi estabelecida a Colônia Militar do Chopim, por ordem de D. Pedro II e com o objetivo de preservar as fronteiras nacionais da cobiça de argentinos e paraguaios.
Documentos e a própria tradição oral comprovam que, no mesmo local onde hoje se desenvolve a cidade foi erigida a sede da Colônia, sob o comando do coronel San Thiago Dantas, ancestrais de brasileiros ilustres, como o Primeiro Ministro parlamentarista do governo Goulart. O Salto Santiago, aliás, onde se construiu a grande hidrelétrica, também foi batizado em homenagem àquele intrépido desbravador.
Foi em Chopinzinho que iniciei, de fato, a minha carreira de juiz de direito. A casa, onde passei a residir, primeiro com minha família, ficava bem próxima ao Fórum, num morro de difícil acesso onde já se erguiam outras residências em meio à mata um tanto densa.
Por esses tempos, falava-se que tal lugar serviu de cemitério aos soldados da Colônia e que, por isso, desrespeitada a finalidade de campo santo, eram frequentes as aparições de almas penadas, exigindo a desocupação da área... Filho de pai galego, nunca dei crédito a tais estórias, muito embora, no fundo, não esquecesse de velha advertência ibérica: "no creo em brujas, pero que las hay, hay"...
Meses depois que ali aportei, numa madrugada de verão forte, fui acordado pelo chamado insistente da empregada que, pálida e tremendo, dizia haver avistado uma "visagem de soldado" na orla do pequeno bosque dos fundos. Vim até à janela e, auxiliado pela claridade da lua cheia, nada vi, mas a moça insistiu:
- Ele tava parado bem lá, perto do pinheiro; era grande, barbudo e tinha espada. Quando fiz barulho, ele andou no meio das árvores e sumiu!
Peguei, então, uma lanterna e o revólver e me dirigi até o ponto indicado. Iluminei para lá e para cá, nada enxergando. Não muito convicto de me aprofundar na procura, adentrei poucos passos na mata, logo tropeçando em alguma coisa. Focalizei a lanterna, abaixei-me e vi que se tratava de um pedaço de laje com palavras escritas. Juntando vagarosamente as letras e suprindo as que faltavam, consegui ler:
"... restos mortais do capitão-bacharel Francisco Clementino de San Thiago Dantas, Orae por elle".
Sufocante que estava o calor, de súbito senti-me enregelado e invadido por peculiar calafrio que me cruzou o corpo de norte a sul, ouriçando-me todos os pelos imagináveis. Disciplinado infante do CPOR, procurei não voltar em marcha acelerada, mas normalmente, para o interior da casa, afirmando que nada encontrara. Debaixo das grossas cobertas não consegui acalmar o inusitado frio, mas desarquivei dos fundos do meu inconsciente a oração pelas almas do purgatório, tantas vezes repetida na minha antiga função de coroinha. E ansioso, com os olhos estatelados, aguardei o alvorecer.
Fonte: 300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.
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