sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Aparecido Raimundo de Souza (Sacada de um passo)

 

NO “ÂMAGO” de meu coração, moram muitas e muitas histórias não contadas, menos ainda escritas ou divulgadas. Também é nele que residem, em teto cativo, os sonhos desfeitos e as esperanças renovadoras. Principalmente as renovadoras. Por conta disso, é o “âmago” do meu coração, um lugar sagrado, onde o silêncio fala mais alto que mil palavras. Cada batida amplia a sua linha de ação em socorro às minhas mazelas e necessidades mais prementes. Desta forma, cada pancada ressoa forte com ecos de memórias passadas, contudo, sem jogar longe ou sem tirar da minha beira, o foco da paz tranquilizadora que me sustenta. 

Ao lado, igualmente escondido na minha alma (num lugar que somente eu tenho acesso), as lágrimas arfam de pasmo e quando resolvem brotar, agem em comum acordo num gesto franqueador com o meu estado de espírito. Instauram, para tanto, uma variante de acesso restrita. Com isto, carregam mais sorrisos que tristezas. Cada uma que rola, rosto abaixo, leva na sua partida, como uma força mística, a doce candura de uma lição aprendida. O amor que se esvaiu pelos caminhos onde andei sempre deixam espaços para um novo querer, ou um gostar mais acautelado e maduro, mais cordato e consciente. 

Neste, tomo plena e consciente ciência de que a dor é uma espécie de núcleo embaraçoso e angustiante, quieto e consternado. Agora apenas reflete a paradoxalidade da outra face oculta da alegria, ou seja, aquele rosto que me faz bem. A saudade, mesmo assim, é o preço justo que pago pelas ocasiões que se ostentam inesquecíveis. Aprendi mais, e, hoje sei, cada cicatriz me ajudou a desenhar e construir um mapa limpo e cristalino das sendas que percorri deixando de lado as tentativas de hospedar a atenção das fraturas que me faziam um grande mal. Sobrevivi às intempéries. 

Por conseguinte, cada escolha feita me trouxe até aqui. Cheguei são e salvo, sem os pesadelos dos fantasmas que insistiam em me deixar às raias das desgraças anunciadas. Bem ou mal, todo o quadro lúgubre pelo qual passei, mostrou-me uma nova perspectiva de recomeço. O avesso do meu coração é hoje um mosaico de tudo o que vivi, ou melhor, de tudo o que passei, tipo tal e qual um pedaço de tecido feito de pequenos e insignificantes retalhos que redundaram em uma explosão de experiências construídas e costuradas com as linhas rígidas e fiéis da melhor forma de austeridade e superação. 

Na verdade, me vanglorio, neste momento, de uma progressão que não mais se curva, nem se dobra, que não se descamba, nem se deixa ser levada pelas intempéries mais furiosas e turbulentas.  Portanto, é dentro dele, o “âmago,” ou o “núcleo-essência” do meu coração, que guardo, à sete chaves, os segredos e enigmas, as confidências e os  dogmas mais fâmulos (domésticos e serviçais) ... enfim, as confissões pinceladas a gênio que só a mim pertencem. Embora muitas pessoas ao meu redor vejam apenas a superfície polida que mostro ao mundo, é no reverso dos meus “setenta e um anos,” que bato na tecla que verdadeiramente me conhece de cabo à rabo. 

Sob mesma visão, é onde aceito, de apreço satisfatório, as minhas carências e malogros, as descaídas (erros) e imperfeições, as rupturas e falhas. Ao final de tudo, eu celebro, com a cabeça erguida, o melhor e o mais magnificente da minha humildade. Não só ela. Com a mesma energia, me vejo e me aclamo, me ovaciono por ser inteiro e completo, principalmente quando sinto no corpo transbordando, as marcas indeléveis como patadas de um testrálio (raça de cavalo com corpo esquelético) regozijante –, a glória efêmera de identificar e sopesar os estiolamentos e as frouxidões, as covardias e os desfalecimentos advindos das próprias astenias (debilidades) que, por muitas vezes, tentaram me colocar às rés do chão. 

No profundo intocável do meu “eu”, encontrei a liberdade de ser quem sou. E quem realmente sou? Um sujeito sem máscaras ou disfarces. Aliás, do mesmo modo, me considero intemerato e sacrossanto, vez que renovo as minhas forças, exatamente onde o amor incondicional floresce e a vida ganha novos significados. Em resumo, é no outro lado da moeda que a vida (a minha vida) se revela em toda a sua complexidade estardalhante. E é nela, sem sombra de dúvidas, que descubro a beleza ímpar escondida nas dobras da existência na qual me contempla. 

No recôndito do meu coração, bem lá no fundo, existe um jardim florido, que dá para uma sacada suspensa. E bem alta. Nesse jardim, todos os dias, em flavas (amareladas ou douradas) manhãs e, num passo apenas, “eu sou eu mesmo.” Por inteiro e sem partes faltantes em minha forma mais pura e verdadeira, procuro estorcegar (torcer com força) os meus ridículos. E consigo. Espero, pois, que as minhas palavras explodam em todos os meus amigos leitores e leitoras que me leem. Ao expor esse meu texto, que ele ofereça a “todos e todas” a reflexão clara e perfeita sobre a beleza e a complexidade vinda do mais poderoso infinito: O Deus-Pai-Supremo. 
Fonte: Texto enviado pelo autor 

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