sábado, 7 de setembro de 2024

Recordando Velhas Canções (Olhos nos olhos)


(MPB, 1976)
Compositor: Chico Buarque de Holanda

Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci

Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais

E que venho até remoçando
Me pego cantando
Sem mais nem porquê
E tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você

Quando talvez precisar de mim
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim
Olhos nos olhos, quero ver o que você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz
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A Força da Superação em 'Olhos Nos Olhos'
A música 'Olhos Nos Olhos', composta e interpretada por Chico Buarque, é uma obra que transita entre a dor do abandono e a superação do eu lírico. A canção inicia com a lembrança de um término, onde o narrador é incentivado pela pessoa amada a seguir em frente e ser feliz. A intensidade dos sentimentos é evidente, pois o eu lírico confessa ter quase enlouquecido de ciúme, mas, seguindo o padrão de comportamento, acaba por obedecer ao pedido de seguir em frente.

No decorrer da música, percebe-se uma mudança significativa na postura do eu lírico. Ele se apresenta refeito, destacando que, ao reencontrar a pessoa que o deixou, mostrará o quanto se tornou feliz sem ela. A expressão 'olhos nos olhos' sugere um confronto direto e honesto, onde o eu lírico quer testemunhar a reação do outro ao perceber sua felicidade e independência emocional. A letra ainda revela que o tempo trouxe novas experiências amorosas, sugerindo que outras pessoas o amaram de forma mais intensa e gratificante.

Por fim, a música fecha com uma oferta de generosidade, onde o eu lírico diz que, apesar de tudo, a pessoa que o deixou ainda pode procurá-lo se precisar. Essa atitude demonstra uma força interior e uma superação completa, onde o passado não é mais uma fonte de dor, mas uma lição aprendida. A canção de Chico Buarque, portanto, é um hino à resiliência e à capacidade de se reconstruir após um término amoroso, encontrando alegria e satisfação na própria companhia e nas novas possibilidades que a vida oferece.

Nenhum letrista brasileiro supera Chico Buarque na arte de escrever canções para personagens femininas. Numa entrevista à Rádio JB, em 16.5.90, ele afirmou: “fiz muitas músicas de encomenda para teatro. Nesses casos, mais do que os personagens, eu procuro saber quem é o ator ou a atriz que vai interpretá-las.

Então, em minha cabeça, eu misturo a figura da atriz com a da cantora que gostaria que cantasse aquela música. Daí saíram canções como ‘Folhetim’, que tem a cara da Gal. Mas às vezes a canção nem é para teatro, como ‘Olhos nos Olhos’, que fiz para Bethânia. Quando terminei ‘Olhos nos Olhos’ eu disse: olha, esta música está a cara da Maria Bethânia.”

Realmente uma composição melodramática como “Olhos nos Olhos” (“Quando você me deixou, meu bem / me disse pra ser feliz e passar bem / quis morrer de ciúme, quase enlouqueci...”) teria mesmo que ser cantada por Maria Bethânia, tal como outras (“Sem Açúcar”, “O Meu Amor”, “Gota d’Água”) que Chico deve ter feito pensando nela, pois até versos banais—como “olhos nos olhos, quero ver o que você faz / ao sentir que sem você eu passo bem demais” — ganham especial dramaticidade em sua voz rouca.

Uma curiosidade: a canção não termina na tônica. Na tonalidade de lá maior, por exemplo, como está no livro Chico Buarque — letra e música, a melodia acaba na nota sol, sétimo grau da escala, o que dá uma sensação de que não termina. 
Fontes:
Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo – Vol. 2. Editora 34.

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