domingo, 22 de setembro de 2024

Vereda da Poesia = 116 =


Trova de
CAMPOS SALES
Lucélia/SP, 1940 – 2017, São Paulo/SP

Nos telhados da cidade
a garoa não cai mais
somente a minha saudade
ainda escorre nos beirais!
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Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Remédio ideal

Cada vazio
Existente
em minha alma
Cabe uma partícula
Que completa
Você
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

A sorte, esquiva e malvada,
não dá “chance”, só trabalho...
Eu a sigo pela estrada,
e ela foge pelo atalho!...
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Soneto de
DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Dia Brusco

Plena manhã é um triste lusco-fusco
como se a tarde já tivesse entrado.
Que depressão me traz o dia brusco,
tudo cinza, sombrio, meio enlutado!

As casas vestem-se de um tom pardusco,
tudo parece velho e desbotado…
Inutilmente, em cada canto eu busco
o brilho e a cor de um dia ensolarado.

Adoro o sol. Adoro a chuva mansa
que alegre cantarola na enxurrada
e me recorda os tempos de criança.

Mas dia brusco, seco e carrancudo,
tange meus nervos e eu, mal-humorada,
só vejo sombras de velhice em tudo!
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Trova de
DÁGUIMA VERÔNICA DE OLIVEIRA
Santa Juliana/MG

Não se compra, tendo em vista
que não se vende alegria;
felicidade é conquista
que se faz no dia a dia.
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Poema de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Que Pena...

Já não falo de mim. Não vale a pena
pois a pena que eu sentir do meu penar
é tão vã quanto as penas ressequidas
de um pássaro empalhado e tão inútil
quanto a pena da caneta que secou.

Apenas te direi que sinto pena
das penas que perdi durante o voo
no céu da solidão cumprindo a pena
imposta pela pena algoz do teu amor.
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Trova Popular

Muito vence quem se vence
e muito diz quem diz tudo, 
porque ao discreto pertence
a tempo fazer-se mudo.
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Dobradinha poética (trova e soneto) de
LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI
Bandeirantes/PR

Doce Olhar

Teu olhar, pura magia,
transmite doçura tanta,
que em mim tira a nostalgia
e qualquer medo suplanta!

Transmite o teu olhar real doçura…
Pergunto-me se existem tais momentos
em que este olhar, despido de candura,
reflete o fel de alguns maus pensamentos.

Aqueles pensamentos de amargura,
que em todos nós evocam sofrimentos,
pois não existe, creio, uma criatura
livre no mundo, sem quaisquer tormentos…

Mas este olhar, que inspira em mim confiança,
fala de amor, de paz e de esperança,
logo afugenta o meu triste pensar.

Volto a te olhar, atenta e embevecida…
Se em tuas mãos coloco a minha vida,
no teu olhar eu quero mergulhar!…
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Trova de
MARA MELINNI
Caicó/RN

Seca: quanta desventura
enche a terra de tristeza!
O homem sofre, mas a cura
vem da própria natureza.
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Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal


Na árvore sagrada
mágica mística
berço da Criação
lugar singular
o combatente abrigou a sua fé

Ali, em partidas e chegadas
milhares depositaram as suas preces
invocando o seu deus
orando pelos seus
e pelos irmãos da guerra
que regaram de sangue a vermelha terra

Quão grande 
pode ser a fé do Homem.
Crê-se que a árvore
é uma ponte para o céu.
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Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

É mãe de um casal!... e é duro
olhar a cena espantosa:
a filha em pijama escuro!
- O filho... em baby-doll rosa!
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Soneto de 
ANTÔNIO OLIVEIRA PENA
Volta Redonda/RJ

Soneto de aproximação

A vida, ao teu redor, vê com alegria;
nos jardins, conta as flores que se abriram;
esquece as murchas, já sem poesia,
e aquelas cujas pétalas caíram.

Retém, do lábio teu, tudo o que é bom,
e as linhas do sorriso do teu rosto;
não te deixes levar pelo desgosto,
nem digas nada em pesaroso tom.

Que saibas rir, malgrado o sofrimento;
não te incomode nunca a noite escura,
tampouco, por teu corpo, as cicatrizes...

Guarda que as nuvens as dissipa o vento,
e que a árvore que mais alcança altura
tem mais fundas, no chão, suas raízes.
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Trova de
ELMO GOMES 
Rio de Janeiro/RJ (1929 – 2006)

Surda e muda a criatura,
brincando com seus irmãos, 
tece frases de ternura
que ela diz na voz das mãos.
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Poema de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Menino da feira

Menino da feira,
esperto e magrinho,
tão cedo na vida
perdeu seu lazer.

Carreto, moça?
Baratinho, dona!
Posso cuidar do carro, tia?

Menino insistente
pedindo com os olhos
que guardam no fundo
segredos do lar…
(Talvez o pai fugiu…
A mãe leva para fora…
Oito irmãozinhos com fome...)

Menino
sem direitos…
só deveres.
Seus pais, onde estarão?
Talvez você seja filho…
da minha própria omissão.
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Trova Funerária Cigana

A minha alma não morreu,
desfaleceu no transporte,
na ocasião do gemido
que meu irmão deu na morte.
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Soneto de 
GIOCONDA LABECCA
(Campanha/MG, 1931 – 2020, São Paulo/SP)

Aspiração

Se eu pudesse, morrer, morrer olhando,
daqui desta janela bem defronte,
o Céu, a Vargem, a Campina e o Monte,
e junto a mim a minha Mãe orando...

E a natureza toda me embalando
ao som de salmos, murmurando a fonte,
e o sol tépido e morno no horizonte
e sorrateiramente se escambando...

Ver meus irmãos em orações funéreas,
mandando aos Céus em espirais etéreas
a fumaça do incenso, espesso véu...

E eu, vendo a vida plena de esplendores,
dizer, sorrindo nos meus estertores:
— Que tarde azul para subir ao Céu!
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Trova Humorística de
JOAQUIM CARLOS 
Nova Friburgo/RJ

Safado como ninguém,
o guri reage assim:
quando o padre diz “Amém...”
ele completa: “doim!”
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Poema de 
RITA MARCIANO MOURÃO
Ribeirão Preto/SP

A poesia pede silêncio

Poetar é meu jeito de estar sozinha,
esquecer o mundo e suas ameaças.
A poesia pede silêncio, recolhimento.
O silêncio me leva a exorcizar os demônios
que insistem em amordaçar a minha liberdade
de ser e de amar.
A poesia me aproxima de Deus!
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Ah, belos tempos dourados, 
que os sonhos não trazem mais... 
Bailavam, corpos colados, 
olho no olho, os casais! 
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Soneto de 
JOÃO RANGEL COELHO
Juiz de Fora/MG, 1897 – 1975, Rio de Janeiro/RJ

Mãos

As tuas longas mãos alvinitentes,
despetalando rosas ao luar,
são brancas, "como dois lírios doentes"
no lago emocional do meu olhar.

Meu triste amor!... Nas horas mais pungentes
da minha vida boêmia e singular,
as tuas mãos de seda, transparentes,
teceram meu destino, a acarinhar.

Quando partiste, as tuas mãos esguias,
num derradeiro gesto de agonias,
tremularam de manso aos olhos meus

e, com saudade imensa e dolorida,
deixaram para sempre a minha vida
na balada tristíssima do adeus.
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Trova de
LISETE JOHNSON
Butiá/RS, 1950 – 2020, Porto Alegre/RS

Quando criança, eu ficava
olhando o céu, a cismar:
- quem, tão alto, a luz ligava
para acender o luar!
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Hino da 
LAPA / PR

I
Junto a Dulcídio e Carneiro
No cerco da Lapa, um dia,
Mostramos ao mundo inteiro
Que a nossa gente sabia,

Pela justiça e o direito
Lá nos campos de batalha
Pelejar peito a peito
Ao rouco som da metralha

Estribilho:
Que campos verdes, que alegre terra,
Terra mais bela que esta não há:
Quantas riquezas no seio encerra
A linda terra do Paraná!

II
Como é feliz quem caminha,
Assim denodadamente,
Pronto, sempre, em linha,
Gesto firme, olhar em frente.

Bendita seja esta imagem
Da Pátria sonora e bela...
Que orgulho de ter coragem
Para poder defendê-la

Estribilho:
Que campos verdes, que alegre terra,
Terra mais bela que esta não há:
Quantas riquezas no seio encerra
A linda terra do Paraná!

III
Cair no combate e sangue
Dar pela Pátria querida,
Em ondas, o nosso sangue,
Em ondas, a nossa vida,

É uma esplêndida vitória
Que arrebata e que consola:
Dai-nos senhor, essa glória
Dai-nos senhor, essa esmola!

Estribilho:
Que campos verdes, que alegre terra,
Terra mais bela que esta não há:
Quantas riquezas no seio encerra
A linda terra do Paraná!
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Trova Humorística de 
SELMA PATTI SPINELLI
São Paulo/SP

Que me perdoa, se eu peco,
pois sou um homem de fé:
Mas já vi padre em boteco
rezando pra "Santo mé"!!!
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Soneto de 
LILINHA FERNANDES
Rio de Janeiro/RJ, 1891 – 1981

A casa onde nasci

Era minha esta casa. Eu a conheço...
Janelas amplas... larga porta... a escada
por onde agora em pensamento desço
para ver como nasce uma alvorada.

O laranjal cheiroso, o mato espesso...
O poço onde era a roupa bem lavada.
No pátio, bem no centro, eu não me esqueço,
a amendoeira por meu pai plantada.

Dava guarda ao portão um jasmineiro
que de flor se vestia o ano inteiro
e hoje está triste e velho como eu.

Casa velha! deixaste de ser minha...
Assim, tudo que amei, tudo que eu tinha,
deixou, há muito tempo, de ser meu!
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Trova de 
ARLINDO TADEU HAGEN
Juiz de Fora/MG

Eu te imploro, por favor
não insistas nesse adeus,
se não for por meu amor,
fica pelo amor de Deus!
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O leão e o rato

Saiu da toca aturdido
Daninho pequeno rato,
E foi cair insensato
Entre as garras dum leão.
Eis o monarca das feras
Lhe concedeu liberdade,
Ou por ter dele piedade,
Ou por não ter fome então.

Mas essa beneficência
Foi bem paga, e quem diria
Que o rei das feras teria
Dum vil rato precisão!
Pois que uma vez indo entrando
Por uma selva frondosa,
Caiu em rede enganosa
Sem conhecer a traição.

Rugidos, esforços, tudo
Balda sem poder fugir-lhe;
Mas vem o rato acudir-lhe
E entra a roer-lhe a prisão.
Rompe com seus finos dentes
Primeira e segunda malha;
E tanto depois trabalha,
Que as mais também rotas são.

O seu benfeitor liberta,
Uma dívida pagando,
E assim à gente ensinando
De ser grato a obrigação.
Também mostra aos insofridos
Que o trabalho com paciência
Faz mais que a força, a imprudência
Dos que em fúria sempre estão.

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