segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Cézar Augusto Defilippo (Trovas em preto e branco)


1
Ao ver-te mãe, insegura,
percebo em meio à pobreza
que o teu olhar de ternura
tem muito mais de tristeza.
 2
Canoeiro chora ao marco
da seca, drama do estio,
ao ver carcaças do barco
no leito seco do rio...
3
Leitura bem decifrada,
ciúme é momento mudo...
Voz e gestos não são nada
quando os olhos dizem tudo!
4
Luar, viola e sertão
nos mostram com harmonia
como a própria solidão
precisa de companhia...
5
Muita gente sofre e chora
porque trocou sem receio
toda certeza do agora
por um depois que não veio.
6
Na ingratidão que és capaz
tua conduta me diz:
- não passo de um “tanto faz”
para alguém que eu tanto fiz...
7
Não seja precipitado,
torne o tempo bem vivido,
mais vale um antes pensado
que um depois arrependido...
 8
O meu ontem foi mentira...
Falsos sonhos... glória vã...
Mas meu fracasso não tira
a esperança do amanhã.
9
Raízes... braços em coma
no mangue que já morreu,
buscam no barro o bioma
que o homem não protegeu.
10
Serve de exemplo na história
com grandeza habitual,
quem ao fracasso ou vitória
mantém a conduta igual!
 11
Sozinho, meu caminhar,
mostra a razão mais sincera
se vivo sem regressar
é porque ninguém me espera.
12
Tendo a plástica da Estela
pele "daquele lugar",
vira e mexe a cara dela
tem vontade de sentar.

As Trovas de Cézar Augusto Defilippo (Zé Gute) em Preto & Branco
por José Feldman

SIGNIFICADO DAS TROVAS; TEMÁTICA E RELAÇÃO COM LITERATOS DE DIVERSAS ÉPOCAS

Trova 1. Amor Materno e Tristeza
A primeira trova reflete a dualidade do amor maternal, mostrando como a ternura pode ser acompanhada de tristeza, especialmente em situações de pobreza. A mãe, símbolo de cuidado, também carrega o peso das dificuldades.

Castro Alves em "O Canto de Buarque" também retrata a dor e a luta das mães, especialmente em contextos de opressão e pobreza. 

Adélia Prado expressa, em seus poemas, a complexidade do amor materno e a tristeza que pode acompanhá-lo. Explora a relação entre mãe e filho em “A Mãe”, revelando a profundidade e a complexidade dos sentimentos envolvidos.

Sylvia Plath (poeta norte-americana, 1932 – 1963) em poemas como "Daddy", explora a complexidade do amor e a dor associada às relações familiares, refletindo a tristeza que pode coexistir com a ternura.

Trova 2. Canoeiro e a Seca
Aqui, a seca representa a devastação ambiental e a luta do povo sertanejo. O canoeiro, em sua dor, simboliza a perda não apenas de recursos, mas também de esperança. A imagem é poderosa, reforçando a resiliência humana frente à adversidade.

Gonçalves Dias, em "Canção do Exílio", fala sobre a relação do homem com a natureza e a saudade que esta provoca. 

Cecília Meireles aborda a solidão e a luta do homem em relação ao ambiente, refletindo a conexão com a terra e as dificuldades enfrentadas. No poema "A Flor e a Náusea", ela explora a beleza da natureza em contraste com as dificuldades da vida, refletindo sobre a luta e a resiliência.

Pablo Neruda (poeta chileno, 1904-1973) em "Ode ao Mar", fala sobre a relação entre o homem e a natureza. Sua obra muitas vezes aborda a luta contra a adversidade e a conexão profunda com a terra.

Trova 3. Olhos que Falam
Esta trova explora a comunicação não verbal, sugerindo que os sentimentos mais profundos muitas vezes são revelados através dos olhos. A ideia de que o que não é dito pode ser mais eloquente do que palavras ressoa fortemente nas relações interpessoais.

Fernando Pessoa, em "O Guardador de Rebanhos", através do seu heterônimo Alberto Caeiro, o explora a simplicidade da observação e a comunicação com a natureza, enfatizando a expressão que vai além do verbal. 

Marianne Moore (poetisa norte-americana, 1887–1972) enfatiza a comunicação não verbal e a expressividade dos olhos em suas obras. Em "The Fish", Moore descreve a beleza e a complexidade dos olhos do peixe, sugerindo uma comunicação que vai além das palavras. Em "To a Snail", Moore reflete sobre a observação e a percepção, sugerindo que a comunicação pode ser encontrada na delicadeza dos movimentos e na presença dos seres.

Rainer Maria Rilke (poeta austríaco, 1875 – 1926), em seus "Sonetos a Orfeu", explora a comunicação profunda que vai além das palavras, revelando como os olhos podem expressar emoções intensas.

Trova 4. Solidão e Companhia
A relação entre solidão e a necessidade de conexão é central. A trova sugere que, mesmo na solidão, há um desejo intrínseco por companhia, refletindo a natureza social do ser humano e a importância das relações.

Álvares de Azevedo trata da solidão em muitos de seus poemas, refletindo sobre a busca por conexão. "Noite de Luar" reflete a solidão do eu lírico diante da beleza da noite, capturando a melancolia e a busca por companhia.

Mário Quintana fala sobre a solidão e a busca por companhia, abordando o tema com uma leveza poética. "Oração do Tempo" aborda a passagem do tempo e a solidão que pode acompanhar as reflexões sobre a vida, sugerindo a importância das memórias. Em "A Rua dos Cataventos", o poeta evoca a solidão em meio à cidade, destacando a busca por companhia em um ambiente muitas vezes desolador.

A solidão é um tema central na obra de Emily Dickinson (poetisa norte-americana, 1830 – 1886). Seus poemas frequentemente refletem a busca por conexão em um mundo isolante, ressoando com a temática da solidão e da companhia. No poema “I felt a Funeral, in my Brain", Dickinson explora a solidão e a percepção de um estado mental isolado, simbolizando a busca por conexão. 

Trova 5. Expectativas e Desilusões
Esta estrofe aborda a troca de certezas por esperanças incertas, refletindo a desilusão que muitos enfrentam ao buscar futuros ideais. É uma crítica à falta de gratidão pelo presente e à propensão a idealizar o que ainda não existe.

Olavo Bilac em "O Caçador de Esmeraldas" reflete sobre a desilusão e a busca por ideais inatingíveis.

Adriana Falcão explora a frustração e as expectativas em suas narrativas poéticas. "O Mundo de Tinta" aborda as expectativas sobre a vida e a desilusão que pode ocorrer quando a realidade não corresponde aos sonhos. 

Charles Baudelaire (poeta francês, 1821 – 1867) em "As Flores do Mal", aborda a desilusão e a busca por ideais, refletindo a frustração que pode surgir quando as expectativas não são atendidas.

Trova 6. Ingratidão e Sacrifício
A dor da ingratidão é expressa com intensidade, revelando a decepção de quem se sacrifica por amor. Essa troca desigual ressalta a fragilidade das relações e a importância de reconhecer o valor das contribuições alheias.

Cláudio Manuel da Costa escreve sobre a ingratidão e o amor não correspondido em suas obras, refletindo a dor do sacrifício. "O Louco" reflete sobre a ingratidão e a incompreensão da sociedade em relação aos que se sacrificam por amor ou por ideais.

Hilda Hilst também toca na ingratidão e na complexidade das relações humanas em seus poemas. Em "Ode aos Ratos", Hilst aborda a ingratidão e a traição nas relações, utilizando metáforas para expressar a dor emocional. 

William Wordsworth (poeta inglês, 1770 – 1850) fala sobre a ingratidão da sociedade em relação à natureza e aos que sacrificam suas vidas pelo bem comum, refletindo a dor do sacrifício não reconhecido. "The Prelude" explora a ingratidão da sociedade em relação à natureza e ao papel do indivíduo, refletindo sobre os sacrifícios feitos por uma vida de introspecção. 

Trova 7. Reflexão e Arrependimento
A sabedoria de agir com prudência é o foco aqui. A ideia de que um planejamento cuidadoso é mais valioso do que a ação impulsiva é um ensinamento essencial, especialmente em tempos de decisões rápidas.

Tomás António Gonzaga, reflete sobre escolhas e arrependimentos, especialmente em contextos de amor. "Marília de Dirceu" expressa a solidão do eu lírico em sua busca por amor e sentido, refletindo sobre a dor da ausência. "Cartas Chilenas" aborda a solidão e a busca por liberdade, questionando a vida e suas angústias.

Carlos Drummond de Andrade frequentemente aborda a reflexão sobre a vida e as consequências das escolhas em seus poemas. "No Meio do Caminho" reflete a solidão e a inevitabilidade dos obstáculos na vida, simbolizando a busca por sentido. "A Máquina do Mundo" aborda a complexidade da existência e a solidão que acompanha a busca por compreensão no mundo. Em "Quadrilha" o eu lírico expressa a solidão e a desilusão nas relações amorosas, revelando a busca por conexão e sentido.

T.S. Eliot (poeta norte-americano radicado na Inglaterra, 1888 – 1965), em "The Love Song of J. Alfred Prufrock" explora a reflexão e o arrependimento, abordando as escolhas da vida e as consequências que elas trazem.

Trova 8. Esperança no Fracasso
Esta trova traz uma mensagem de otimismo, ressaltando que os fracassos não anulam a esperança. A ideia de que o passado não define o futuro é inspiradora e encoraja a resiliência.

Vinicius de Moraes, em muitos de seus poemas, fala sobre a esperança mesmo em meio ao fracasso amoroso e existencial. "Soneto de Fidelidade" reflete sobre o amor e a inevitabilidade da passagem do tempo, enfatizando a transitoriedade das experiências. "Eu Sei que Vou Te Amar" expressa a intensidade do amor, mesmo sabendo que tudo é passageiro, destacando a busca por momentos significativos. Em "Soneto de Separação", Vinicius aborda a dor da separação e a transitoriedade das relações, refletindo sobre o que permanece após o fim de um amor.

Alice Ruiz expressa a transformação e a esperança que surgem após períodos de dificuldade. Podemos citar poemas como "A Vida É Uma Tarde", onde ela reflete sobre as dificuldades da vida e a capacidade de renovação que surge após momentos difíceis. Em "O Coração É Um Caçador", através da metáfora do coração, Ruiz fala sobre a busca por amor e a esperança que se renova mesmo após desilusões.

A poesia de Langston Hughes (poeta norte-americano, 1901 – 1967), especialmente em "The Negro Speaks of Rivers", aborda a resiliência e a esperança que surgem mesmo após fracassos históricos e pessoais.

Trova 9. Natureza e Descuido
A crítica ao descaso humano em relação ao meio ambiente é evidente. As raízes e o mangue simbolizam a conexão com a natureza, enquanto o "bioma que o homem não protegeu" denuncia a responsabilidade que temos sobre o mundo natural.

Guilherme de Almeida faz críticas sociais e ambientais, refletindo sobre a relação do homem com a natureza. "Oração do Fogo" reflete sobre a força renovadora do fogo, simbolizando a esperança que surge da transformação. Em "A Flor de Lis" o poeta utiliza a imagem da flor como símbolo de renascimento e esperança, abordando a beleza que pode emergir das dificuldades.

Marcos de Andrade aborda a degradação ambiental, alertando sobre a responsabilidade humana. "Renovação" explora a ideia de recomeços e a força da esperança diante das dificuldades da vida. No poema "Esperança", o poeta fala sobre a luz que a esperança traz, mesmo em momentos sombrios, ressaltando a importância de acreditar em um futuro melhor.

William Blake (poeta inglês, 1757 -1827), em obras como "Songs of Innocence and Experience", critica a relação do homem com a natureza e a degradação que resulta do descaso humano.

Trova 10. Manutenção da Conduta
A igualdade de conduta diante do sucesso e do fracasso é um valor essencial. A estrofe sugere que a verdadeira grandeza está em manter a integridade, independentemente das circunstâncias.

Machado de Assis frequentemente explora a moralidade e a integridade humana. No romance "Memórias Póstumas de Brás Cubas", Machado de Assis critica a sociedade do século XIX, abordando a hipocrisia e as injustiças sociais através da perspectiva de um narrador defunto. "O Alienista" através da figura do Dr. Simão Bacamarte, explora a loucura e a crítica social, revelando as injustiças na forma como a sociedade trata os que são diferentes.

Ruth Escobar fala sobre a importância da conduta ética em tempos de adversidade. “A Revolução de Outubro" fala sobre a luta por justiça e igualdade, refletindo as desigualdades sociais e a necessidade de mudança. "Canto da Liberdade" aborda a busca por liberdade e justiça, enfatizando a luta contra a opressão e a desigualdade.

Robert Frost (poeta norte-americano, 1874 – 1963) em "The Road Not Taken" reflete sobre a manutenção da integridade diante de escolhas difíceis, enfatizando a importância da conduta em momentos decisivos.

Trova 11. Caminhada Solitária
A solidão escolhida é um tema profundo, refletindo sobre a ausência de expectativas de retorno. Essa escolha revela uma busca por autenticidade e a liberdade que vem com a independência emocional.

Fernando Pessoa, frequentemente aborda a solidão e a busca por identidade. No "O Livro do Desassossego", o narrador reflete sobre a solidão e a busca por um sentido na vida, explorando a complexidade da identidade.

Marcelino Freire explora a solidão e a busca por autenticidade em suas narrativas poéticas. "Contos Negros" é uma coleção de contos que explora a solidão e a busca por identidade em contextos marginalizados, abordando a vida de personagens em situações difíceis. "Nossos Ossos" reflete sobre a solidão da existência humana e a luta interna por reconhecimento e identidade.

Henry David Thoreau (poeta norte-americano, 1817 – 1862), em "Walden" aborda a solidão e a procura por autenticidade, refletindo sobre a vida simples e a conexão com a natureza.

Trova 12. Beleza e Identidade
A leveza desta trova contrasta com as temáticas mais pesadas anteriores. A referência à beleza e à identidade sugere uma busca por aceitação e a complexidade das relações humanas, misturando humor e reflexão.

Olavo Bilac também trata da beleza e da identidade em sua poesia, refletindo sobre a estética e o eu, em "O Caçador de Esmeraldas", Bilac reflete sobre a busca pela beleza nas coisas simples e a relação com a natureza, simbolizando a identidade e a essência do ser; em "Saudade" ele explora a beleza da lembrança e o impacto das experiências passadas na formação da identidade. 

Ana Cristina Rodrigues fala sobre a beleza e a busca pela identidade em um mundo em transformação. "Poesia para Quem Não Gosta de Poesia" aborda a memória de forma lúdica e reflexiva, destacando a importância das vivências passadas na construção da vida. "As Coisas que Perdemos no Fogo", embora não seja exclusivamente dela, Ana Cristina contribui com textos que dialogam sobre a memória e a perda, ressaltando a carga emocional das recordações.

Walt Whitman (poeta norte-americano, 1819 – 1892), em "Leaves of Grass" celebra a beleza da individualidade e da identidade, promovendo uma aceitação da diversidade humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As trovas de Zé Gute, com sua simplicidade e profundidade, refletem uma variedade de temas que dialogam com a experiência humana, como amor, solidão, natureza e as sutilezas do cotidiano. Sua linguagem acessível, marcada por um tom coloquial, aproxima o leitor de uma reflexão íntima, tornando suas mensagens universais e atemporais.

Ele se insere em uma tradição de poetas brasileiros que valorizam a oralidade e a musicalidade, como Carlos Drummond de Andrade e Adélia Prado, que também exploram a relação entre o indivíduo e o mundo que o cerca. Além disso, suas trovas estabelecem conexões com poetas estrangeiros, como Pablo Neruda, cujas obras também abordam a condição humana com lirismo e sensibilidade.

A importância das trovas de Zé Gute para a sociedade atual e para futuras gerações reside na sua capacidade de ressoar com as emoções e as inquietações contemporâneas. Em tempos de incerteza e desassossego, suas palavras oferecem consolo e esperança, incentivando uma reflexão crítica sobre a vida e a convivência. Ao perpetuar a tradição da trova, ele não apenas mantém viva uma forma poética rica, mas também convida novas vozes a se expressarem, garantindo que as futuras gerações possam encontrar na poesia um espaço de diálogo e identificação.

Assim, suas trovas se afirmam como um patrimônio cultural, essenciais para a construção de uma sociedade mais sensível e conectada às suas raízes, ao mesmo tempo em que projetam um olhar esperançoso para o futuro.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

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