Acordou com um verso atravessado na garganta. Uma frase sonhada ou ditada por alguém durante o sono. Saltou da cama à cata de papel e caneta ou qualquer coisa que servisse para prender o intruso.
Papel à mão, não encontrou caneta nem lápis nem nada parecido. E o verso ali, incomodando, fazendo cócegas, pedindo luz.
Correu para o computador e abriu uma página. Nada mais assustador que uma página em branco quando não se sabe direito o que escrever. Mas ele sabia, ele tinha um verso. E não era um verso qualquer, era um decassílabo. Daria um soneto, um poema épico ou mesmo uma composição em versos livres, jamais uma trova.
Resolveu jogar na tela a frase nua e crua como quem joga um anzol na água à espera do peixe que virá ou não. Ou de quem aventura-se por um caminho que não sabe aonde vai dar. O verso, agora digitado, estava ali a espreitá-lo, desafiador, pedindo outro: “Esta casa que habito não é minha...” Que diabo de casa era essa se a que morava era sua, sim senhor, comprada em suadas prestações. Seria uma metáfora sugerindo o mundo, o corpo, a palavra? Como é que um verso chega assim, de repente, sem pedir licença, sem dizer a que veio?
Já ia deletar o desaforado quando é literalmente atropelado por outro que afirmava: “tampouco os versos que te dou, são meus”. Coisa mais besta, pensou. Como não são meus se eu é que os concebo. Se não são meus, são de quem?
A resposta não se fez por rogada e veio num jorro, clara e definitiva fechando um quarteto: “São como a chuva, o mar, a erva daninha: / frutos do mundo, dádivas de Deus.” Pronto! Estava fechado o primeiro quarteto! Possesso de poesia, partiu para o segundo e em seguida para os tercetos, trazendo à luz, guiado por força estranha, mais um soneto.
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