Antes que a vida se acabe,
não seja vão o viver
e aquilo que não se sabe,
que se comece a aprender.
2
Da sua casa ao cartório
apenas um quarteirão...
Dada a preguiça, o casório
se fez por procuração.
3
Desde os tempos mais pagãos,
mulher, revelas quem és...
O mundo sempre nas mãos
e sempre um homem... aos pés!
4
Esta paixão, minha e tua,
transcende em cada arrebol…
Se é noite, ao clarão da lua,
e se é dia, à luz do sol!
5
Levo pela vida afora
este dilema sem fim:
o "sim" que eu neguei outrora
fez mal ou bem para mim?!…
6
Não conhece despedidas,
nem discórdias, nosso teto:
- é que ligam nossas vidas
os laços fortes do afeto!
7
Não sei se todos ponderam
a troca que o livro traz:
- grandes homens o fizeram,
grandes homens ele faz!
8
Nau partindo – céu aberto,–
nas verdes águas do mar;
navega com rumo certo
na incerteza de chegar!…
9
O destino, em nossas vidas
trouxe o reencontro, depois
das distâncias percorridas
nos caminhos de nós dois.
10
Para enxergar a cobiça
e amparar prejudicados,
não deveria, a Justiça,
manter seus olhos vendados!
11
Quando fingir é preciso,
seriamente eu me concentro:
– Levo na face um sorriso,
enquanto eu choro por dentro.
12
Quem julga o seu semelhante
carrega pedras na mão
e o que odeia a todo instante,
as guarda em seu coração!
As Trovas de Lucília em Preto & Branco
por José Feldman
SIGNIFICADO DAS TROVAS; TEMÁTICA E RELAÇÃO COM LITERATOS ARCAICOS E CONTEMPORÂNEOS
1. Reflexão sobre a vida e a importância do aprendizado.
“Antes que a vida se acabe”
A urgência de viver plenamente e a necessidade de buscar conhecimento antes que seja tarde. A ideia de que o aprendizado é uma parte essencial da existência é central.
As poesias de Cecília Meireles frequentemente exploram a efemeridade da vida e a busca pelo conhecimento. Adélia Prado, aborda a importância da experiência de vida e do aprendizado em suas poesias.
2. Preguiça e compromisso.
“Da sua casa ao cartório”
A ironia do casamento por procuração sugere uma falta de envolvimento emocional. Critica a superficialidade nas relações, onde a comodidade pode prevalecer sobre o verdadeiro compromisso.
Machado de Assis, em suas crônicas, critica a superficialidade nas relações sociais. Marcelino Freire explora a vida cotidiana e suas nuances, refletindo sobre relacionamentos.
3. Papel da mulher na sociedade.
“Desde os tempos mais pagãos”
A representação da mulher como figura forte, mas ainda assim subjugada. Reflete sobre a desigualdade de gênero através dos tempos, evidenciando a luta pela autonomia feminina.
Florence Nightingale (1890 – 1910), embora não seja poeta, sua influência social é notável, lutou pelos direitos das mulheres na sociedade. Atualmente, as poesias de Tatiana Nascimento abordam a força e a luta das mulheres na sociedade moderna.
4. Amor e sua transcendência.
“Esta paixão, minha e tua”
O amor é descrito como uma força que se manifesta nas mudanças do dia e da noite, mostrando sua onipresença e a beleza dos sentimentos nas diversas formas de natureza.
Em Vinicius de Moraes, o amor é tema central em sua obra, explorando suas várias facetas. Lígia Fascetti, explora o amor de maneira intensa e poética, refletindo sua profundidade.
5. Dilemas emocionais e arrependimentos.
“Levo pela vida afora”
O questionamento sobre as escolhas passadas e suas consequências. Reflete a ambiguidade do "sim" e do "não", e como essas decisões moldam nossa vida.
Alfonsina Storni (poetisa argentina, 1892 – 1938) aprofunda-se em questões de amor e arrependimentos em suas obras. Hilda Hilst aborda as complexidades das emoções humanas, incluindo arrependimentos.
6. Laços afetivos.
“Não conhece despedidas”
A celebração do amor que une as pessoas, sugerindo que o afeto verdadeiro supera desentendimentos e separações. O lar é apresentado como um espaço seguro.
Carlos Drummond de Andrade aprecia o valor das relações humanas e afetos em sua poesia. Martha Medeiros, foca nas relações pessoais e na importância dos laços afetivos em suas crônicas.
7. O valor da literatura.
“Não sei se todos ponderam”
A troca que o livro proporciona, enfatizando a importância da leitura na formação de grandes indivíduos. Sugere que a literatura molda a sociedade e a cultura.
Fernando Pessoa refletiu sobre a literatura e seu impacto na formação de identidades. Juliana Leite explora o poder transformador da literatura e da escrita em sua poesia.
8. Incertezas da vida.
“Nau partindo – céu aberto”
A metáfora de uma nau navegando em meio ao desconhecido reflete a jornada da vida, que é marcada por incertezas e desafios, mas também pela esperança de um destino.
Em Fernando Pessoa, a incerteza e a busca por sentido são temas recorrentes em sua obra. Assim como Rupi Kaur (poetisa canadense) foca nas incertezas e nas transições da vida moderna em seus poemas, usando uma linguagem simples e direta, visando atingir um público amplo e expressar emoções de forma imediata, assim como o poeta cearense Bráulio Bessa.
9. Reencontro e conexões.
“O destino, em nossas vidas”
A ideia de que o destino pode unir pessoas após longas distâncias. Destaca a importância das experiências vividas e como elas moldam os reencontros.
Cecília Meireles insere a ideia do reencontro em várias de suas obras. Márcio Aires aborda a conexão entre pessoas e a inevitabilidade dos reencontros.
10. Justiça e imparcialidade.
“Para enxergar a cobiça”
Critica a figura tradicional da Justiça vendada, questionando a eficácia de uma justiça que não vê. Sugere que a verdadeira justiça deve ser mais atenta aos que necessitam.
Antônio Machado (poeta espanhol, 1875-1939) critica a injustiça social em seus poemas, refletindo sobre a condição humana. Adriana Falcão enfatiza a questão da justiça e seus desdobramentos na sociedade atual.
11. Máscaras sociais.
“Quando fingir é preciso”
O contraste entre a aparência e a realidade emocional. Reflete sobre a necessidade de ocultar a dor por trás de um sorriso, uma experiência comum em muitas interações sociais.
Fiódor Dostoiévski (escritor e filósofo russo, 1821 – 1881), através de sua prosa analisa a dualidade entre aparência e realidade. Rupi Kaur aborda essa dualidade questionando a pressão para manter uma fachada positiva em meio ao sofrimento. Alice Ruiz, reflete sobre a autenticidade e a necessidade de usar máscaras na sociedade, utilizando versos livres e prosa poética, permitindo maior flexibilidade na expressão.
12. Preconceito e autocrítica.
“Quem julga o seu semelhante”
A crítica ao julgamento alheio e a hipocrisia que muitas vezes acompanha esse comportamento. Sugere que quem julga carrega seu próprio peso emocional e precisa olhar para si mesmo.
Bertolt Brecht (poeta alemão, 1858 – 1956), critica a hipocrisia e o preconceito em suas obras. Lígia Araújo aborda o preconceito e a autocrítica em sua poesia, promovendo a reflexão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As trovas de Lucília se destacam como uma obra que, embora enraizada em temas clássicos, ressoa com as inquietações da poesia contemporânea. Em suas estrofes, Lucília aborda dilemas emocionais universais que permanecem relevantes na atualidade, como a busca por significado, a complexidade das relações humanas e a luta pela justiça e pela identidade. Faz uso de metáforas e imagens evocativas que capturam a essência dos sentimentos humanos, como a nau navegando em mares desconhecidos.
O convite ao aprendizado e à reflexão sobre as escolhas de vida, presente na primeira e na quinta trova, ecoa na obra de poetas contemporâneos que enfatizam a autodescoberta e a experiência. Esse tema é central em movimentos poéticos atuais que buscam um diálogo sincero entre o eu e o mundo.
A necessidade de esconder a dor sob uma aparência sorridente, explorada na décima primeira trova, reflete um dilema contemporâneo sobre a autenticidade nas interações sociais.
A representação da mulher e suas lutas, especialmente na terceira trova, dialoga com a crescente voz feminista na poesia contemporânea. Poetas como Tatiana Nascimento e Lígia Fascetti abordam questões de gênero e identidade, refletindo sobre a autonomia feminina e a resistência contra normas sociais opressivas.
As trovas que tratam dos laços afetivos e das complexidades das relações humanas, como na sexta e na nona, encontram paralelo em obras contemporâneas que exploram a fragilidade e a força das conexões interpessoais. A poesia atual muitas vezes celebra a intimidade, ao mesmo tempo em que reconhece suas dificuldades.
A crítica à imparcialidade da Justiça, presente na décima trova, é um tema que reverbera fortemente na poesia contemporânea, onde muitos poetas se tornam ativistas sociais, utilizando suas vozes para chamar atenção às injustiças e desigualdades.
A linguagem de Lucília se destaca pela sua musicalidade e clareza, enquanto muitos poetas contemporâneos buscam uma conexão mais direta e emocional com o leitor através de uma linguagem mais coloquial e livre. Ambas as abordagens, no entanto, compartilham o objetivo comum de explorar a condição humana e os dilemas emocionais, mostrando que, apesar das diferenças de estilo e forma, a essência da poesia permanece a mesma: a busca por compreensão e conexão.
Em suma, as Trovas de Lucília oferecem um rico panorama emocional que se harmoniza com as preocupações da poesia contemporânea. Ambas as esferas artísticas exploram a condição humana, as relações interpessoais e a luta por justiça e identidade, demonstrando que, apesar das mudanças sociais e culturais, os dilemas emocionais permanecem atemporais. Lucília, assim, não apenas dialoga com o passado, mas também se coloca de forma significativa nas conversas poéticas do presente, para que novas gerações possam refletir sobre suas próprias experiências e emoções.
Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.
Nenhum comentário:
Postar um comentário