Imigrante, fugindo dos horrores da Segunda Guerra Mundial, juntou suas poucas economias e embarcou em um navio com destino ao Brasil. No convés da embarcação escutou conversas em que as pessoas exaltavam o valor de terras em um estado denominado Santa Catarina. Terras férteis e já ocupadas em grande parte por milhares de imigrantes de variadas nacionalidades.
Na viagem conheceu um distinto senhor brasileiro, que lhe contou algumas particularidades do seu povo e ainda trocou suas liras por dinheiro do Brasil.
Desembarcou, tendo o cuidado de esconder seu dinheiro nas meias, conforme aprendera com sua finada mãe.
Em uma banca de jornais, no cais, comprou um mapa da Revista Quatro Rodas. Foi a um albergue, onde pernoitou, e pela manhã, durante o café, estendeu o mapa do estado sobre a mesa, e com olhos fechados, colocou o dedo sobre ele.
Selecionou assim, ao acaso, a cidade onde iria estabelecer-se.
Na rodoviária, tomou o ônibus com destino à tal cidade.
Lá chegando, perambulou pela rua do comércio, por horas, até ouvir uma pessoa falando seu idioma.
Iniciou uma longa conversação com o novo amigo.
Orientado por ele, foi visitar as terras que almejava comprar para explorá-las na agricultura.
Com preços muito altos para suas economias, acabou encontrando uma propriedade no sopé de uma serra, onde fazia muito frio, com episódios de fortes geadas, e que era mais barata por esses fatores.
Acostumado aos rigores do inverno europeu, encantou-se pelo local, e no cartório da cidade, realizou a transferência da propriedade para o seu nome.
Com o restante das economias, comprou as ferramentas, insumos, defensivos agrícolas, mudas e sementes.
Na rústica casinha que havia na propriedade, realizou alguns reparos necessários para poder morar.
Após alguns meses de árduo trabalho, no qual empregou-se com afinco, chegando às vezes a ter as mãos sangrando, começou a colher algumas hortaliças, raízes e frutos.
Foi a pé empurrando um pequeno carrinho de mão, vendê-las no Mercado Municipal.
Com esse dinheiro comprou uma pequena carroça e um burrinho para puxá-la.
Adquiriu mais insumos, mudas e sementes.
Iniciou a plantação de nova safra de produtos.
Algum tempo decorrido nessa faina diária, arrecadou uma quantia suficiente para comprar a propriedade vizinha e contratar uns empregados para ajudá-lo.
Passados alguns anos, já era considerado um grande produtor rural na região.
Contratou pedreiros e construiu uma casa sede da fazenda.
Sozinho, edificou um porão, com entrada oculta, para guardar, secretamente, dinheiro, documentos e pertences particulares.
Com o aprendizado da língua portuguesa, passou a frequentar o CTG (Centro de Tradições Gaúchas) da cidade, onde conheceu uma jovem descendente de europeus. Casaram-se e dessa união nasceram dois filhos, que em pouco tempo também ajudavam na lida das propriedades.
Não contou sobre o porão nem para a esposa, indo a noite arrumar o aposento e guardar o dinheiro em uma gaveta de uma estante.
Fiodor, por não confiar em instituições bancárias, mandou importar um enorme cofre e cimentou-o no solo do secreto porão. Memorizou, sozinho, o segredo, garantindo assim, ter somente ele, o acesso.
E nele armazenava todo o lucro da propriedade, realizando todos os pagamentos em espécie.
Uma vez por semestre ia até a capital do estado e em uma loja de câmbio, trocava suas economias por moedas estrangeiras, acumulando, assim, uma pequena fortuna, que guardava, zelosamente, no cofre.
Depois de seu falecimento, os laboriosos filhos, desconhecendo a existência do cofre, continuaram a vida na fazenda. Passaram a utilizar agências bancárias para transações financeiras. Expandiram os negócios, amealhando muito dinheiro e comprando mais terras vizinhas.
Casaram-se e também tiveram filhos que mantiveram a tradição rural da família.
Já os membros da quarta geração, Giuseppe e primos, eram um pouco menos dedicados ao trabalho nas fazendas, acostumados às polpudas mesadas. Preferiam simular estar estudando em busca de diplomas do que a faina diária na lavoura. Moravam fora do Estado, vindo somente nas férias para visitar os parentes.
Em uma dessas férias, Giuseppe, um pouco mais curioso que os outros, resolveu explorar o antigo e enorme casarão sede das propriedades. Observou um som diferente no contato do taco de suas botas com o assoalho. Com a picareta, abriu um buraco e surpreendeu-se ao encontrar um aposento.
Com a ajuda dos primos, alargaram a passagem e desceram com o auxílio de uma escada de madeira.
Depararam-se, surpresos, com o enorme cofre.
Entreolharam-se, já imaginando o que fazer com a possível quantia em dinheiro que poderia haver lá dentro.
Tentaram, por muito tempo, diversas maneiras de abri-lo. Iniciaram por aleatórios números encontrar o segredo.
Depois, com o auxílio de um estetoscópio, procurando imitar o que assistiram nos filmes.
Mesmo relutantes em expor o achado a estranhos, apelaram a um chaveiro, que inutilmente tentou, por horas, abri-lo.
Já impacientes, dinamitaram o objeto, sem sucesso.
Recorreram até a um vidente e a um pai de santo, para entrar em contato com o espírito de Fiodor, em vão.
Após meses de vãs tentativas, com muito dinheiro gasto, reuniram-se e resolveram enterrá-lo e esquecer a existência desse estorvo.
Desdenharam a possibilidade do cofre conter algo interessante economicamente. Não contaram esse fato nem aos descendentes, a fim de que caísse no esquecimento para toda a eternidade.
O que nenhum deles reparou, foi em um quadro na parede do aposento, emoldurando um antigo mapa do Estado de Santa Catarina, no qual havia uma sequência de números escritos em volta do nome da cidade.
Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: insondáveis. 1. ed. Santos/SP: Bueno Editora, 2024. Enviado pelo autor
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