sábado, 9 de fevereiro de 2008

Lenda Árabe: A História do Jovem Rei das Ilhas Negras

(Ao redor da fogueira, na tenda do sultão, que estava de passagem por aquelas terras, fazendo justiça, todos prestavam atenção à história que o jovem contava. Ele escondia o corpo num manto longo. Seu rosto estava parcialmente coberto por um turbante cujas abas pendiam sobre uma de suas faces. O fogo, no entanto, provocava naquela parte de seu rosto estranhos reflexos, como chamas se refletindo no mármore polido.)

Saibam vocês que meu pai era Mahmoud, o rei das Ilhas Negras, assim chamadas por causa de quatro pequenas montanhas que um dia foram ilhas. A capital era no lugar onde agora há o grande lago e o deserto. Minha história lhes contará como estas mudanças ocorreram. Meu pai morreu quando tinha sessenta e seis anos e eu o sucedi. Casei-me com minha prima, a quem amei ternamente e acreditei que me amava também.

Mas uma tarde, quando eu estava meio adormecido, e estava sendo abanado por duas de suas escravas, ouvi uma dizer à outra:
— Que pena que nossa ama já não gosta de nosso senhor! Eu acredito que ela gostaria de matá-lo, se pudesse, porque ela é uma feiticeira.

Eu logo acabei concordando com elas. Quando seu escravo favorito ficou gravemente ferido num acidente, ela implorou que a deixasse construir um palácio no jardim, onde o chorou e o lamentou durante dois anos, cuidado e conservando seu corpo. Eu lhe implorei, então, que deixasse de lamentá-lo, pois ele não podia falar nem se mover e somente era mantido conservado daquela forma graças aos encantamentos que ela usava. Ela se virou contra mim furiosa e proferiu algumas palavras mágicas e eu me tornei imediatamente como vocês me vêem agora, meio homem e meio mármore. Essa feiticeira má transformou a capital, uma populosa e florescente cidade, no lago e no deserto que há agora. E não há um só dia que ela não venha a minha procura e me bata com um chicote feito de couro de camelo.

Quando o rei jovem terminou sua triste história triste, o Sultão demonstrou ter ficado sensibilizado com seu destino.
— Conte-me — ordenou ele, — onde está essa mulher má?
— Onde ela vive agora que eu não sei — respondeu o infeliz príncipe infeliz, — mas ela vai diariamente, ao amanhecer, ver se o escravo fala com ela, depois de me bater.
— Rei desgraçado! — exclamou o Sultão. — Serei sua vingança!

Consultou o rei jovem qual seria o melhor modo para agir, traçando um plano para o dia seguinte. O sultão foi descansar, prometendo ao jovem rei que tudo se resolveria favoravelmente. Quando o dia começou a nascer, o sultão entrou no palácio do jardim onde o escravo jazia. Sacou a espada e destruiu a pouca vida que permanecia nele, depois lançou o corpo num poço. Ele se deitou, então, na cama onde estava o escravo e esperou pela feiticeira. Ela primeiro procurou o jovem rei, em quem aplicou cem chibatadas. Em seguida, ela foi para o quarto onde pensava que o escravo ferido estava, mas o Sultão ocupava seu lugar.

Ela chegou até perto do leito e disse:
— Está melhor neste dia, meu querido escravo? Fale pelo menos uma palavra para mim.
— Como eu posso estar melhor — respondeu-lhe o Sultão, imitando a língua do escravo, — quando eu nunca posso dormir por causa dos gritos e gemidos de seu marido?
— Que alegria ouvi-lo falar! — exclamou a rainha. — Quer que eu devolva a ele a forma normal? Peça o que quiser e lhe concederei.
— Por favor! — disse o Sultão. — Livre-o de sua maldição e lhe dê liberdade para que eu não ouça mais os gritos dele.

A rainha saiu imediatamente, levando uma xícara de água. Disse algumas palavras que fizeram o conteúdo ferver como se estivesse no fogo. Então ela lançou isso em cima do príncipe, que imediatamente recuperou sua forma totalmente humana. Ele ficou feliz com isso, mas a feiticeira lhe disse:
— Suma daqui imediatamente e não volte nunca mais. Se não fizer isso agora mesmo, eu o matarei!

O jovem rei fingiu que fugia em desabalada carreira, mas foi ele se esconder para ver o fim do plano do Sultão. A feiticeira voltou ao Palácio das Lágrimas e disse:
— Eu fiz o que você desejou!
— O que você fez — disse o Sultão, — não é o bastante para me curar. Vá agora mesmo e liberte todas as pessoas que enfeitiçou até agora. Vá e lhes devolva a forma humana.

A feiticeira saiu apressadamente e disseram algumas palavras na direção do lago. Os peixes se transformaram em homens, mulheres e crianças. Tudo voltou ao normal. As ruas estavam cheias novamente e as casas e lojas fervilhavam como se nada tivesse acontecido. Assim que ela terminou de desfazer seus encantamentos, a rainha regressou ao palácio.
— Você está bem melhor agora? — indagou.
— Venha para bem perto de mim — disse o Sultão. — Mais próximo ainda.

Ela obedeceu. Então ele pulou sobre ela e com um assobio, sua espada cortou-a a meio, matando-a.

Então ele procurou e encontrou o príncipe.
— Regozije-se — disse ele. — Seu cruel inimigo está morto.

O príncipe não sabia o que fazer para agradecer o sultão.
— Vá governar seu país com justiça e igualdade. Para que sua felicidade e a minha sejam completas, mandarei vir de Bagdá Suleima, minha sobrinha favorita, para que se case com você e o faça feliz para sempre. Ela será o símbolo da nossa aliança. De agora em diante, você é um protegido meu e nenhum mal acontecerá com você ou com seu reino.

Algum tempo depois, a graciosa princesa, sobrinha do sultão, chegou às Ilhas Negras, onde se casou com o jovem rei, numa festa que durou noventa dias.

Foram felizes para sempre!

Fonte:
BAÇAN, L. P.
Lendas Árabes - E-book Virtual
Pérola, PR: Ed. do Autor, 2007.

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