sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Neusa Padovani Martins (Visitando Dorothy e Mimi)

Há momentos na vida que determinam se uma nova amizade vai ou não dar certo. Comigo e com Dorothy foi assim. Não sei se por obra do próprio destino ou se realmente fizemos as duas com que tudo acontecesse como aconteceu, a verdade é que ficamos amigas por obra do destino sim e também porque escolhemos nos conhecermos mais naquela nublada e abafada manhã de domingo.

Mal a porta se abriu revi minha amiga que até aquele momento era mais um projeto de amiga do que outra coisa qualquer.Com seus olhos de um ofuscante azul celestial ela me recebeu com um abraço e em troca lhe dei outro também. Havíamos nos visto uma única vez no lançamento de um livro em forma de coletânea do qual ambas participamos e depois no lançamento do meu próprio também. Como sempre acontece neste tipo de evento, todos se conhecem e prometem se visitarem mesmo que morem em estados diferentes. Na verdade o desejo de travar conhecimento maior é sempre grande, mas como todo bom adulto vivido, sabe-se muito bem que o tempo e a distância são impedimentos muitas vezes para tantas situações assim.

Sinto-me estranha às vezes porque me diferencio da maioria em muitas situações, e esta foi certamente uma delas. Por isso também procurei Dorothy. Para tê-la perto de mim como coadjuvante literária, eu não precisaria visitá-la e passar pelos momentos divinos que passei. O primeiro deles foi sem dúvidas neste domingo em que a visitei. Fomos minha filha e eu até a casa dela depois da visita acertada via telefone.

Depois dos cumprimentos cerimoniosos de costume, passei pela porta de sua casa indo alojar-me, junto de minha filha, no sofá da sala de visitas. Também de forma cerimoniosa coloquei minha bolsa ao lado e as mãos sob as pernas à espera que a dona da casa se acomodasse também. Foi neste exato momento que a moradora mais ilustre da casa, a gata Mimi apareceu com ares de quem queria saber, afinal, quem eram as inoportunas visitas naquela morna manhã de domingo. – “Não teriam aquelas duas mais o que fazer? Um encontro religioso, uma feira, uma caminhada pelo bairro, um relax enfrente à televisão?”. Pelo jeito não, já que nos encontrávamos ali.

Depois das apresentações costumeiras entre visitantes e animal de estimação da casa, tratei de ser gentil com a tal gata Mimi. Tentei fazer-lhe um carinho do tipo que os gatos costumam tanto apreciar e ela até que pareceu aceitar bem. Enquanto Dorothy falava sobre as façanhas “gatais” da sua Mimi, a felina a olhava tal qual fazem os filhos quando as mães falam sobre eles para alguém. Neste exato momento entendi que para Dorothy a Mimi era mais que uma simples gata, e era mesmo uma amiga. E vice-versa. Só que pude perceber também que Mimi era o tipo de companheira enciumada da atenção que lhe é roubada em favor da visita presente.

Conhecedora que fui dos gatos por volta de minha infância e adolescência, tratei de dar à bichana atenção maior que à sua dona, motivo verdadeiro da minha visita.Mas não me preocupei em pensar que Dorothy não iria gostar de tamanha demonstração de estima pela gata e por ela não, porque amante dos animais como sou, gosto muito quando os que me visitam se deslumbram com meus filhos-cachorro, verdadeiros filhos do coração. Evidentemente, adoro que minhas visitas se debulhem sobre meus filhos-gente e isso é indiscutível, mas os animais sempre me fascinaram realmente. E era sobre isso que falávamos ali enfrente a uma Mimi séria e compenetrada.

Quando finalmente Dorothy acomodou-se na sua poltrona ao lado do gracioso sofá em que minha filha e eu havíamos nos sentado, percebi que Mimi também tratou de se acomodar à nossa frente olhando agora candidamente para sua amada dona. A roda de conversa estava fechada com três mulheres e uma gata cujos olhos azuis insistiam em combinar com os olhos da dona. Começamos, enfim, a conversar sobre tantos assuntos que pareciam à espera de tanto tempo para serem debatidos. Era como se fôssemos amigas há muitos anos e após um distanciamento forçado e longo tivéssemos nos reencontrado finalmente.

A cada palavra que dizíamos nossa intimidade e familiaridade só se faziam aumentar e sem que eu percebesse, enquanto falava, ainda continuava a afagar carinhosamente a cabeça de Mimi, sentada à minha frente de forma tão elegante e clássica como conseguem apenas os gatos.Enquanto meus dedos a alisavam, ela, parecendo cansada daquele meu lengalenga, começou a virar a cabeça tentando retirar minha mão dali, e a cada leve abocanhada tentava me dizer que não estava a fim daquele nhem-nhem meu.

Dorothy já se mostrando incomodada com os maus jeitos da filha-amiga-gata passou a chamar-lhe a atenção. Mas a danadinha da felina parecia não ligar, fazendo-me crer que aquele lindo animalzinho sequer poderia imaginar que não era gente e sim um bichinho de estimação. Então, entendi num lampejo, que parecia que Mimi me perguntava a cada abocanhada, por quê só a ela eu fazia carinhos passando a mão na sua cabeça? Por que não dispensava o mesmo gesto carinhoso a Dorothy e minha filha? Por que só a ela, então?

Desta forma sem titubear um só segundo, retirei a mão de sua cabeça cuidando de dar a ela a mesma e respeitável atenção que dava à sua dona e à minha filha, entendendo que, quisesse eu, ou não, aquela gata à minha frente estava ali sentada fechando a roda de conversação, participando com maestria de todos os assuntos ali tratados, como a pessoa que ela pensava ser.

Fonte:
http://www.sorocult.com/

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