Uma borboleta amarela esvoaçava em plena uma da tarde na Avenida Presidente Antônio Carlos, Centro do Rio. Miragem, só podia ser, pensei. Mas não.
Enquanto eu aguardava impaciente que o motorista do táxi furasse o bloqueio dos ônibus e seguisse a via estreita demais para tanto trânsito, ela borboleteava alegre e faceira no meio do gás carbônico daquela selva do asfalto, sob o calor inclemente de janeiro.
A caminho de um almoço de negócios, atrasada, interpretei aquela aparição como um sinal de boa sorte. Tenho, desde pequena, por influência de minha mãe, uma superstição envolvendo borboletas: quando elas aparecem para mim, algo bom está para acontecer.
A bobagem que costumo utilizar para ludibriar minha alma é o resultado de uma interpretação do filme "Suplício de uma Saudade", um dos grandes sucessos de Hollywood, que minha mãe viu e reviu nos cinemas. Contava a história de uma médica chinesa que se apaixona por um oficial americano. Ele morre na guerra e ela volta à colina cheia de borboletas para se lembrar do dia em que disse a ele, ali, que, para os chineses, este animalzinho é um sinal de boa sorte. Se não é exatamente assim, foi desta forma que aprendi a mensagem do filme, se bem que, se o namorado da moça morreu na guerra, ela não teve tanta sorte.
Passei, desde então, a achar que as borboletas gostam de circular à minha volta. De vez em quando, algumas chegam a pousar em meus ombros. Sem dúvida alguma, sou uma pessoa de muita sorte. Minha vaidade sugere que este poderia ser o argumento de um filme mexicano, do tipo realismo mágico. Meu senso de ridículo indica que isto não daria nem novela venezuelana.
Dentro do táxi, ar condicionado a toda prova, o trânsito não anda um centímetro.
Estressada, começo a me inquietar. Melhor ir a pé, que vai mais rápido, comento, meio sussurrando, só para torturar o motorista, que se angustia e se culpa por ter tomado o pior caminho.
Olho para o lado e lá está ela de novo, grande, amarela, passeando entre os carros.
Não é possível!
Qualquer dia desses vou ler no jornal que as os cientistas descobriram que as borboletas não são aqueles seres inocentes e alegres que sempre pensamos que fossem. Vão dizer que elas são altamente resistentes à poluição e que sua presença nas grandes cidades só comprova a tese de que elas convivem muito bem com um mundo estragado e feio.
Acha difícil? Fizeram isso com as garças, lembra? Aquele serzinho branco, elegante e impávido, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, dizem eles, está se alimentando do esgoto clandestino que deságua numa das paisagens mais bonitas do Rio.
Outro dia tentaram denegrir a imagem dos golfinhos. Que eles não são tão simpáticos assim, que por trás daquele sorriso maroto há segundas e terceiras intenções.
Desconfio que exista gente no mundo que vive só para acabar com as doces ilusões dos seres humanos. A próxima vítima vai ser a borboleta que passeia na Antônio Carlos, vocês vão ver.
==========================
Sobre a Autora
Célia Abend (1961), é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre outras funções, foi repórter e chefe de reportagem do "Jornal do Brasil", coordenadora de Comunicação Social da Prefeitura do Rio de Janeiro e assessora de comunicação da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, cargo que exerce atualmente
Fontes:
http://www.releituras.com.br
Enquanto eu aguardava impaciente que o motorista do táxi furasse o bloqueio dos ônibus e seguisse a via estreita demais para tanto trânsito, ela borboleteava alegre e faceira no meio do gás carbônico daquela selva do asfalto, sob o calor inclemente de janeiro.
A caminho de um almoço de negócios, atrasada, interpretei aquela aparição como um sinal de boa sorte. Tenho, desde pequena, por influência de minha mãe, uma superstição envolvendo borboletas: quando elas aparecem para mim, algo bom está para acontecer.
A bobagem que costumo utilizar para ludibriar minha alma é o resultado de uma interpretação do filme "Suplício de uma Saudade", um dos grandes sucessos de Hollywood, que minha mãe viu e reviu nos cinemas. Contava a história de uma médica chinesa que se apaixona por um oficial americano. Ele morre na guerra e ela volta à colina cheia de borboletas para se lembrar do dia em que disse a ele, ali, que, para os chineses, este animalzinho é um sinal de boa sorte. Se não é exatamente assim, foi desta forma que aprendi a mensagem do filme, se bem que, se o namorado da moça morreu na guerra, ela não teve tanta sorte.
Passei, desde então, a achar que as borboletas gostam de circular à minha volta. De vez em quando, algumas chegam a pousar em meus ombros. Sem dúvida alguma, sou uma pessoa de muita sorte. Minha vaidade sugere que este poderia ser o argumento de um filme mexicano, do tipo realismo mágico. Meu senso de ridículo indica que isto não daria nem novela venezuelana.
Dentro do táxi, ar condicionado a toda prova, o trânsito não anda um centímetro.
Estressada, começo a me inquietar. Melhor ir a pé, que vai mais rápido, comento, meio sussurrando, só para torturar o motorista, que se angustia e se culpa por ter tomado o pior caminho.
Olho para o lado e lá está ela de novo, grande, amarela, passeando entre os carros.
Não é possível!
Qualquer dia desses vou ler no jornal que as os cientistas descobriram que as borboletas não são aqueles seres inocentes e alegres que sempre pensamos que fossem. Vão dizer que elas são altamente resistentes à poluição e que sua presença nas grandes cidades só comprova a tese de que elas convivem muito bem com um mundo estragado e feio.
Acha difícil? Fizeram isso com as garças, lembra? Aquele serzinho branco, elegante e impávido, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, dizem eles, está se alimentando do esgoto clandestino que deságua numa das paisagens mais bonitas do Rio.
Outro dia tentaram denegrir a imagem dos golfinhos. Que eles não são tão simpáticos assim, que por trás daquele sorriso maroto há segundas e terceiras intenções.
Desconfio que exista gente no mundo que vive só para acabar com as doces ilusões dos seres humanos. A próxima vítima vai ser a borboleta que passeia na Antônio Carlos, vocês vão ver.
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Sobre a Autora
Célia Abend (1961), é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre outras funções, foi repórter e chefe de reportagem do "Jornal do Brasil", coordenadora de Comunicação Social da Prefeitura do Rio de Janeiro e assessora de comunicação da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, cargo que exerce atualmente
Fontes:
http://www.releituras.com.br
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