quinta-feira, 5 de março de 2009

Fagundes Varela (Teia de Poesias)



Amor e vinho

Cantemos o amor e o vinho,
As mulheres, o prazer;
A vida é sonho ligeiro
Gozemos até morrer
Tim, tim, tim
Gozemos até morrer

A ventura nessa vida
É sonho que pouco dura
Tudo fenece no mundo,
Na louça da sepultura
Tim, tim, tim
Na louça da sepultura

Não sou desses gênios duros,
Inimigos do prazer,
Que julgam que a humanidade
Só nasceu para morrer
Tim, tim, tim
Só nasceu para morrer
================================

Sombras

Não me detestes, não! Se tu padeces
Também minh'alma teu sofrer partilha
E sigo em prantos de suplício a trilha
Curvado ao peso da tremenda cruz

Para nós ambos apagou-se a luz,
Tudo é tristeza no deserto vário,
Inda está longe o cimo do Calvário
Não para ti, mas para mim, precito!

Tenho na face o desespero escrito
Todos me odeiam - quando toco é pó!
Neste mundo tu me amaste, e só,
E em troco desse amor tiveste o inferno!

Pálida rosa do alcaçar eterno!
Cândida pomba que a inocência nutre!
Melhor te fôra a sanha de um abutre
Que estas profanas mãos que te roçaram!

Aos céus os anjos teu chorar levaram,
Irmãos preparam-te, amorosos,
E eu ainda fico!... E tenho por castigo
Sentir-me vivo quando tudo expira!

Oh! Quando à noite o vendaval se atira
Qubrando as vagas turbulentas, frias,
E lasca o raio as broncas penedias
Onde a chuva despenha-se escumando

Penso que Deus se abranda e vem chegando
A última cena de meu torvo drama
Mas do fuzil que passa à rubra chama
Vejo ainda longe o pouso derradeiro

Andar e sempre andar! O globo inteiro
Pendido atravessar como Caim!
Não achar um repouso, um termo, um fim
A dor que rói, lacera e não descansa

E jamais antever uma esperança!
Uma réstia de luz na escuridão!
Uma voz que me fale de perdão
E parta o bronzeo selo da agonia!

Ah! é cruel! Mas talvez um dia
Compreendas tão funda expiação
E o pobre nome que detestas hoje
Murmures entre lágrimas então!
============================

Arquétipo

Ele era belo; na sua espaçosa fronte
O dedo do Senhor gravado havia
O sigilo do gênio; em seu caminho
O hino da manhã soava ainda,
E os pássaros da selva gorjeando
Saudavam-lhe a passagem neste mundo.

Sim, era uma criança, e no entanto
Friez de morte lhe coava n'alma!
O seu riso era triste como o inverno,
E dos olhos cansados, nem um raio
Nem um clarão, nem pálido lampejo
Da mocidade o fogo revelavam!

Era-lhe a vida uma comédia insípida,
Estúpida e sem graça, - ele a passava
Com a fria indiferença do marujo
Que fuma o seu cachimbo reclinado
Na proa do navio olhando as vagas,
- Vivia por viver.... porque vivia.

Em nada acreditava; há muito tempo
Que a idéia de Deus soprara d'alma
Como das botas a poeira incômoda.
O Evangelho era um livro de anedotas,
Beethoven torturava-lhe os ouvidos,
A Poesia provocava o sono.

Muita donzela suspirou por ele,
Muita beleza lhe dormiu nos braços,
Mas frio como o gênio da descrença,
Após um'hora de gozar maldito,
Saciado as deixou, como o conviva
A mesa do festim, - farto e cansado. -

Era mais caprichoso, - mais bizarro
Do que um filho de Álbion, mais volúvel
Que um profundo político; uma tarde
Após haver jantado, recordou-se
Que ainda era solteiro; pelo Papa!
- É preciso tentar, disse consigo.

Quatro dias depois tinha cansado.
Escolhera uma noiva descuidoso,
Como um brinco chinês - um livro in-fólio,
Ao altar conduziu-a, distraído,
E as juras divinais do casamento
Repetiu, bocejando ao sacerdote.

Como tudo na vida, o matrimônio
Bem cedo o aborreceu; após três meses
Disse Adeus à mulher que pranteava,
E acendendo um cigarro, a passos lentos
Dirigiu-se ao teatro onde assistiu
Um drama de Feuillet, - quase dormindo. -

Por fim de contas, uma noite bela,
Depois de ter ceado entre dous padres,
Em casa de morena Cidalisa.
Pegou numa pistola e entre as fumaças
De saboroso - Havana - à eternidade
Foi ver si divertia-se um momento.
================================

Noturno

Minh'alma é como um deserto
Por onde romeiro incerto
Procura uma sombra em vão;
É como a ilha maldita
Que sobre as vagas palpita
Queimada por um vulcão!

Minh'alma é como a serpente
Que se torce ébria e demente
De vivas chamas no meio;
É como a doida que dança
Sem mesmo guardar lembrança
Do cancro que rói-lhe o seio!

Minh'alma é como o rochedo
Donde o abutre e o corvo tredo
Motejam dos vendavais;
Coberto de atros matizes,
Lavrado das cicatrizes
Do raio, nos temporais!

Nem uma luz de esperança,
Nem um sopro de bonança
Na fronte sinto passar!
Os invernos me despiram,
E as ilusões que fugiram
Nunca mais hão de voltar!

Tombam as selvas frondosas,
Cantam as aves mimosas
As nênias da viuvez;
Tudo, tudo, vai finando,
Mas eu pergunto chorando:
Quando será minha vez?

No véu etéreo os planetas,
No casulo as borboletas
Gozam da calma final;
Porém meus olhos cansados
São, a mirar, condenados
Dos seres o funeral!

Quero morrer! Este mundo
Com seu sarcasmo profundo
Manchou-me de lodo e fel!
Minha esperança esvaiu-se,
Meu talento consumiu-se
Dos martírios ao tropel!

Quero morrer! Não é crime
O fardo que me comprime
Dos ombros lançá-lo ao chão;
Do pó desprender-me rindo
E, as asas brancas abrindo,
Perder-me pela amplidão!

Vem, oh! morte! A turba imunda
Em sua ilusão profunda
Te odeia, te calunia,
Pobre noiva tão formosa
Que nos espera amorosa
No termo da romaria!

Virgens, anjos e crianças,
Coroadas de esperanças,
Dobram a fronte a teus pés!
Os vivos vão repousando!
E tu me deixas chorando!
Quando virá minha vez?

Minh'alma é como um deserto
Por onde o romeiro incerto
Procura uma sombra em vão;
É como a ilha maldita
Que sobre as vagas palpita
Queimada por um vulcão!
========================

Voz do Poeta

Perdão, Senhor meu Deus! Busco-te embalde
Na natureza inteira! O dia, a noite,
O tempo, as estações mudos sucedem-se,
Mas eu sinto-te o sopro dentro dalma!
Da consciência ao fundo te contemplo!
E movo-me por ti, por ti respiro,
Ouço-te a voz que o cérebro me anima,
E em ti me alegro, e canto, e penso!

Da natureza inteira que aviventas
Todos os elos a teu ser se prendem,
Tudo parte de ti e a ti se volta;
Presente em toda a parte, e em parte alguma,
Íntima fibra, espírito infinito,
Moves potente a criação inteira!
Dás a vida e a morte, o olvido e a glória!
Se não posso adorar-te face a face,
Oh! basta-me sentir-te sempre, e sempre!

Eu creio em ti! eu sofro, e o sofrimento
Como ligeira nuvem se esvaece
Quando murmuro teu sagrado nome!
Eu creio em ti! e vejo além dos mundos,
Minha essência imortal brilhante e livre,
Longe dos erros, perto da verdade,
Branca dessa brancura imaculada
Que os gênios inspirados nesta vida
Em vão tentaram descobrir no mármore!
=================================

Estâncias

O que eu adoro em ti não são teus olhos,
Teus lindos olhos cheios de mistério,
Por cujo brilho os homens deixariam
Da terra inteira o mais soberbo império.

O que eu adoro em ti não são teus lábios,
Onde perpétua juventude mora,
E encerram mais perfumes do que os vales
Por entre as pompas festivais da aurora.

O que eu adoro em ti não é teu rosto
Perante o qual o marmor descorara,
E ao contemplar a esplêndida harmonia
Fídias, o mestre, seu cinzel quebrara.

O que eu adoro em ti não é teu colo,
Mais belo que o da esposa israelita,
Torre de graças, encantado asilo,
Aonde o gênio das paixões habita.

O que eu adoro em ti não são teus seios,
Alvas pombinhas que dormindo gemem,
E do indiscreto vôo duma abelha
Cheias de medo em seu abrigo tremem.

O que eu adoro em ti, ouve, é tu'alma,
Pura como o sorrir de uma criança,
Alheia ao mundo, alheia aos preconceitos,
Rica de crenças, rica de esperança.

São as palavras de bondade infinda
Que sabes murmurar aos que padecem,
Os carinhos ingênuos de teus olhos
Onde celestes gozos transparecem!...

Um não sei quê de grande, imaculado,
Que faz-me estremecer quando tu falas,
E eleva-me o pensar além dos mundos
Quando, abaixando as pálpebras, te calas.

E por isso em meus sonhos sempre vi-te
Entre nuvens de incenso em aras santas,
E das turbas solícitas no meio
Também contrito hei-te beijado as plantas.

E como és linda assim! Chamas divinas
Cercam-te as faces plácidas e belas,
Um longo manto pende-te dos ombros
Salpicado de nítidas estrelas!

Na doida pira de um amor terrestre
Pensei sagrar-te o coração demente...
Mas ao mirar-te deslumbrou-me o raio...
Tinhas nos olhos o perdão somente!
=======================

O Foragido

(Canção)

Minha casa é deserta; na frente
Brotam plantas bravias no chão,
Nas paredes limosas - o cardo -
Ergue a fronte silente ao tufão.

Minha casa é deserta. O que é feito
Desses templos benditos d'outrora,
Quando em torno cresciam roseiras,
Onde as auras brincavam n'aurora?

Hoje a tribo das aves errantes
Dos telhados se acampa no vão,
A lagarta percorre as muralhas,
Canta o grilo pousado ao fogão.

Das janelas no canto, as aranhas
Leves tremem nos fios dourados,
As avencas pululam viçosas
Na umidade dos muros retados.

Tudo é tredo, meu Deus! o que é feito
Dessas eras de paz que lá vão,
Quando junto do fogo eu ouvia
As legendas sem fim do serão?

No curral esbanjado, entre espinhos,
Já não bala ansioso o cordeiro,
- Nem desperta-se ao toque do sino -
- Nem ao canto do galo ao poleiro. -

Junto à cruz que se eleva na estrada
Seco e triste se embala o chorão,
Não há mais o esfumar das acácias,
Nem do crente a - sentida oração.

Não há mais uma voz nestes ermos
Um gorjeio das aves no val,
Só a fúria do vento retroa
Alta noite agitando o ervaçal!

Ruge, oh vento gelado do norte,
Torce as plantas que brotam no chão,
Nunca mais eu terei venturas
Desses tempos de paz que lá vão!

Nunca mais desses dias passados
Uma luz surgirá dentre brumas!
As montanhas se embuçam nas trevas,
As torrrentes se vendam de espumas!

Corre pois vendaval das tormentas,
Hoje é tua esta morna solidão!
Nada tenho, que um céu lutulento
E uma cama de espinhos no chão!

Ruge, voa, que importa! sacode
Em lufadas as crinas da serra,
Alma nua de crença e esperanças
Nada tenho a perder sobre a terra!

Vem, meu pobre e fiel companheiro,
Vamos, vamos depressa, meu cão,
Quero ao longo perder-me das selvas
Onde passa rugindo o tufão!
============================

Tristeza

Eu amo a noite quando deixa os montes
Bela, mas bela de um horror sublime
E sobre a face dos desertos quedos
Seu régio selo de mistério imprime

Amo os lampejos, verde-azul, funéreos
Que às horas mortas erguem-se da terra,
E enchem de susto o viajante incauto
No cemitério de sombria serra

Eu amo a noite com seu manto escuro
De tristes goivos coroada a fonte
Amo a neblina, que pairando ondeia
Sobre o fastígio de elevado monte

Amo nas plantas, que na tumba crescem
De errante brisa o funeral cicio;
porque minh'alma, como a noite, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio

Amo o silêncio, os areais extensos,
Os vastos brejos e os sertões sem dia
Porque meu seio como a sombra é triste
Porque minh'alma é de ilusões vazia

Amo o furor do vendaval que ruge
Das asas densas sacudindo estrago
Silvos de bala, turbilhões de fumo
Tribos de corvos em sangrento lago

Amo ao silêncio do ervaçal partido
Da ave noturna o funerário pio
Porque minh'alma, como a noite, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio

Amo a tormenta, o prepassar dos ventos
A voz da morte no fatal parcel;
Porque minh'alma só traduz tristeza,
Porque meu seio se abrevou de fel

Amo o corisco que deixando a nuvem
O cedro parte da montanha, erguido,
Amo do sino, que por morto soa,
O triste dobre n'amplidão perdido

Amo na vida de miséria e lodo,
Das desventuras o maldito selo,
Porque minh'alma se manchou de escárnios,
Porque meu seio se cobriu de gelo

Amo do nauta o doloroso grito
Em frágil prancha sobre mar de horrores
Porque meu seio se tornou de pedra,
Porque minh'alma descorou de dores

Como a criança, do viver nas veigas
Gastei meus dias namorando as flores
Finos espinhos os meus pés rasgaram
Pisei-os ébrio de ilusões e amores

Tenho um deserto de amargura n'alma
Mas nunca a fronte curvarei por terra
Tremo de dores ao tocar nas chagas
Nas vivas chagas que meu peito encerra

A paz, o amor, a quietação, o riso
A meus olhares não têm mais encanto,
Porque minh'alma se despiu de crenças
E do sarcasmo se embuçou no manto
=================================

A Sonâmbula

Virgem de loiros cabelos
- Belos, -
Como cadeia de amôres,
Onda vás tão triste agora
- Hora -
De tão sinistros horrores?

Sob nuvem lutulenta,
- Lenta, -
Se esconde a pálida lua;
Nas sombras os gênios combatem;
- Batem -
Os ventos a rocha nua.

Noite medonha e funesta
- Esta -
Fundos mistérios encerra!
Não corras, olha, repara,
- Pára, -
Escuta as vozes da serra!...

Dos furacões nas lufadas,
- Fadas -
Traidoras passam nos ares!
Cruentos monstros e espiam!
- Piam -
As corujas nos palmares!

Bela doida, se soubesses
- Êsses -
Êsses gritos o que dizem,
Ah ! por certo que ouviras,
- Viras -
Que tredas coisas predizem!

Mas, infeliz, continuas!
- Nuas -
As tuas espáduas são!
E sob teus pés mofinos,
- Finos, -
Prendem-se às urzes do chão!

O orvalho teu rosto molha;
- Olha -
Como branca e fria estás!
Virgem de loiros cabelos,
- Belos -
Por Deus! conta-me onde vás!

Nestes ervaçais sem têrmos,
- Ermos -
Ninguém pode te acudir...
Toma sentido, sossega,
- Cega! -
Vê, são horas de dormir!

Teus olhos giram incertos;
- Certos -
Contudo teus passos vão!
Teu ser que a ilusão persegue
- Segue -
O impulso de oculta mão!

Ai! dormes! Talvez risonho
- Sonho -
Te chame a bailes brilhantes!
Talvez vozes que te encantam
- Cantam -
A teus ouvidos amantes!

Talvez eus ligeiros passos
- Paços -
Pisem d'oiro construidos!
Talvez quanto há de perfume
- Fume -
Pra agradar teus sentidos!

Mas ah ! Na cabana agora,
- Ora -
Tua pobre mãe por ti;
E teu pai além divaga,
- Vaga -
Sem saber que andas aqui!

Virgem de loiros cabelos
- Belos, -
Como cadeia de amôres,
Onda vás tão triste agora
- Hora -
De tão sinistros horrores?
================================

Eu Amo a Noite

Eu amo a noite quando deixa os montes,
Bela, mas bela de um horror sublime,
E sobre a face dos desertos quedos
Seu régio selo de mistério imprime.

Amo o sinistro ramalhar dos cedros
Ao rijo sopro da tormenta infrene,
Quando antevendo a inevitável queda
Mandam aos ermos um adeus solene.

Amo os penedos escarpados onde
Desprende o abutre o prolongado pio,
E a voz medonha do caimã disforme
Por entre os juncos de lodoso rio.

Amo os lampejos verde-azuis, funéreos,
Que às horas mortas erguem-se da terra
E enchem de susto o viajante incauto
No cemitério de sombria serra.

Amo o silêncio, os areais extensos,
Os vastos brejos e os sertões sem dia,
Porque meu seio como a sombra é triste,
Porque minh'alma é de ilusões vazia.

Amo o furor do vendaval que ruge,
Das asas densas sacudindo o estrago,
Silvos de balas, turbilhões de fumo,
Tribos de corvos em sangrento lago.

Amo as torrentes que da chuva túmidas
Lançam aos ares um rumor profundo,
Depois raivosas, carcomendo as margens,
Vão dos abismos pernoitar no fundo.

Amo o pavor das soledades, quando
Rolam as rochas da montanha erguida,
E o fulvo raio que flameja e tomba
Lascando a cruz da solitária ermida.

Amo as perpétuas que os sepulcros ornam,
As rosas brancas desbrochando à lua,
Porque na vida não terei mais sonhos,
Porque minh'alma é de esperanças nua.

Tenho um desejo de descanso, infindo,
Negam-me os homens; onde irei achá-lo?
A única fibra que ao prazer ligava-me
Senti partir-se ao derradeiro abalo!...

Como a criança, do viver nas veigas,
Gastei meus dias namorando as flores,
Finos espinhos os meus pés rasgaram,
Pisei-os ébrio de ilusões e amores.

Cendal espesso me vendava os olhos,
Doce veneno lhe molhava o nó...
Ai! minha estrela de passadas eras,
Por que tão cedo me deixaste só?

Sem ti, procuro a solidão e as sombras
De um céu toldado de feral caligem,
E gasto as horas traduzindo as queixas
Que à noite partem da floresta virgem.

Amo a tristeza dos profundos mares,
As águas torvas de ignotos rios,
E as negras rochas que nos plainos zombam
Da insana fúria dos tufões bravios.

Tenho um deserto de amarguras nalma,
Mas nunca a fronte curvarei por terra!...
Ah! tremo às vezes ao tocar nas chagas,
Nas vivas chagas que meu peito encerra!
--------------

Nenhum comentário: