Como de costume, colocou os dois pratos sobre a mesa. Não havia sorriso, não havia fome. Enquanto a comida esfriava, a tempestade fazia barulho ao bater no teto. Vez ou outra se ouvia as rajadas do trovão, ainda que distantes. A mão delicada de Madalena aproximou-se lentamente da janela, como um arrepio que sobe pela espinha. Aquela janela velha de madeira, azulada como quisera, se prendia pela tranca, mesmo estando contra o vento que vinha do oceano. Tivera medo do que estava lá fora, diante dela. Mas o rosto também chegou mais perto. Quem estava longe não veria os imensos olhos negros observarem pela fresta do vitral o lado de fora. Fechou abruptamente, com todos os sonhos que aquela mulher poderia ter.
O aceno, o último olhar, se transformava naquela luz que aparecia no mar. Subindo e descendo, subindo e descendo, subindo assim, descendo de lá. As ondas aumentavam, e a luz ao longo do horizonte, ia se distanciando. Um uivo de vento passava pela casa pequena, silenciosa. Se prestasse atenção, fazia-a tremer. A mão pequena fechava-se como se não pudesse mais agir. A flecha fora atirada. A palavra dita. Chegara sorrindo, queimado de sol.
— Descobri meu grande sonho.
Descobrir os sonhos pode custar caro.
— Quero conhecer o mundo.
Conhecer o mundo era ter ele todo para si.
— Você não pode conhecer o mundo.
— Posso. — Olhou para o mar.
— Então me leva.
— É perigoso.
— Então não vá.
Perde-se a luz de vista, mas logo surge mais pequenino, quase caindo no céu. Pedido fora negado.
— Meu sonho é conhecer o mundo — repetia.
A vida continuava, debaixo de sol ou sob a chuva fria que molhava rostos, com a mesma intensidade que a lágrima lhe escorria. E se perguntou, porque está arrumando suas coisas, por que seu barco está aí na frente. Entendera, mas não quis acreditar. Era o mundo que estava pronto para receber. O céu começou a fechar.
— Quero conhecer o mundo também — pegou-o pelo braço.
Beijou-lhe na despedida, assim como beijou a barriga que traria alguém para conhecer o novo mundo. Acariciou ternamente. Filho do adeus. A luz se apagou lá longe. O mar ainda revolto, revirava vidas dentro e fora dele.
— Eu tenho um sonho.
Olhou-a com curiosidade.
— Meu sonho é conhecer o mundo.
Ele sorriu e subiu no barco. Ela correu, mas percebeu que um sonho era mais forte que ela.
— Então me faça uma promessa.
Ele concordou com a cabeça. Madalena pediu, queria conhecer as coisas mais bonitas do mundo.
— Por onde você passar, me mande um postal.
A tempestade teima em não parar. A comida ainda esfria na mesa. E ela nunca recebera nenhum postal.
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Sobre o Autor
Caio Tozzi (1984) é paulistano e estuda jornalismo em São Bernardo do Campo, na Universidade Metodista de São Paulo. Seu objetivo é trabalhar com a literatura, ser escritor. Sua crônica, “São Paulo, só pra te ver”, selecionada em concurso promovido pela Biblioteca Mário de Andrade, em 2004, foi publicada no livro “São Paulo — 450 anos”.
Fontes:
http://www.releituras.com.br
Imagem = http://www.idi.art.br
O aceno, o último olhar, se transformava naquela luz que aparecia no mar. Subindo e descendo, subindo e descendo, subindo assim, descendo de lá. As ondas aumentavam, e a luz ao longo do horizonte, ia se distanciando. Um uivo de vento passava pela casa pequena, silenciosa. Se prestasse atenção, fazia-a tremer. A mão pequena fechava-se como se não pudesse mais agir. A flecha fora atirada. A palavra dita. Chegara sorrindo, queimado de sol.
— Descobri meu grande sonho.
Descobrir os sonhos pode custar caro.
— Quero conhecer o mundo.
Conhecer o mundo era ter ele todo para si.
— Você não pode conhecer o mundo.
— Posso. — Olhou para o mar.
— Então me leva.
— É perigoso.
— Então não vá.
Perde-se a luz de vista, mas logo surge mais pequenino, quase caindo no céu. Pedido fora negado.
— Meu sonho é conhecer o mundo — repetia.
A vida continuava, debaixo de sol ou sob a chuva fria que molhava rostos, com a mesma intensidade que a lágrima lhe escorria. E se perguntou, porque está arrumando suas coisas, por que seu barco está aí na frente. Entendera, mas não quis acreditar. Era o mundo que estava pronto para receber. O céu começou a fechar.
— Quero conhecer o mundo também — pegou-o pelo braço.
Beijou-lhe na despedida, assim como beijou a barriga que traria alguém para conhecer o novo mundo. Acariciou ternamente. Filho do adeus. A luz se apagou lá longe. O mar ainda revolto, revirava vidas dentro e fora dele.
— Eu tenho um sonho.
Olhou-a com curiosidade.
— Meu sonho é conhecer o mundo.
Ele sorriu e subiu no barco. Ela correu, mas percebeu que um sonho era mais forte que ela.
— Então me faça uma promessa.
Ele concordou com a cabeça. Madalena pediu, queria conhecer as coisas mais bonitas do mundo.
— Por onde você passar, me mande um postal.
A tempestade teima em não parar. A comida ainda esfria na mesa. E ela nunca recebera nenhum postal.
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Sobre o Autor
Caio Tozzi (1984) é paulistano e estuda jornalismo em São Bernardo do Campo, na Universidade Metodista de São Paulo. Seu objetivo é trabalhar com a literatura, ser escritor. Sua crônica, “São Paulo, só pra te ver”, selecionada em concurso promovido pela Biblioteca Mário de Andrade, em 2004, foi publicada no livro “São Paulo — 450 anos”.
Fontes:
http://www.releituras.com.br
Imagem = http://www.idi.art.br
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