segunda-feira, 2 de março de 2009

Bruno Ramalho (Teia de Poesias)


Doze versos

Irremediavelmente aprisionado
indubitavelmente acorrentado
iludidamente alucinado
insanamente descontrolado
incrivelmente debilitado
incessantemente agitado
imparcialmente abobalhado
infinitamente fascinado
inusitadamente poetizado
impossivelmente libertado
impacientemente irritado
simplesmente apaixonado.
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Uma Cadeira

Em conversa com a solidão,
por acidente de um fim de tarde,
descobri que meu corpo arde
de poesia sem explicação.

Decerto, outrora me acharia louco,
mas agora um bobo sem inspiração,
dedicando a ela todo o coração,
o que, um dia, a outrem dediquei tão pouco.

Assim, pela arte que em mim não morre,
e sobrevive, sim, à linha mais torta,
fiz estes versos a uma cadeira,
que, por acaso, segurava a porta.
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Mundo em vão

Medo
da sombra do demo,
do tempo e do feno que iria comer,
do cão que me late,
do cão que me bate,
medo da água que iria beber.

Medo
de todas as faces da desilusão,
do mundo em vão a se conhecer,
da morte que corre,
da morte que morre
no medo da vida que iria sofrer.
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Gaivotas

Aquele que espera
é o mais sábio dos homens
ou o mais sensato dos apaixonados.

O mais amante dos poetas
ou o mais louco dos anjos.

Aquele que espera
é o mais fraco dos jovens
ou o mais tonto dos sóbrios.

O mais belo dos tristes
ou, quem sabe,
a mais leve das gaivotas.
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Ontem

ontem tudo parecia tão presente...
sequer me dava conta do esperado.

o depois torna-se antes tão de repente:
eu pisco os olhos e o que sou já é passado.

ontem hoje parecia tão distante,
mas o tempo é traiçoeiro, prega peças.

tu, destino, eras menino e tão errante,
e agora, pasmes, em tuas barbas te tropeças!

e eu envelheço, a cada dia, mais aberto,
e, a cada minuto passado, mais amante...

o meu desejo, a cada ruga, é mais desperto.
ah! como hoje me parecia distante...

e cada verso, agora, entrega-se em promessa
do amor em ciclo, nato e morto com o poente.

como essa vida corre... eu tenho pressa.
ah! como ontem me parecia o presente...
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Não

Não.
A palavra ecoa na sala vazia dos meus pensamentos.

E eu não quero ser a pedra no caminho,
mesmo que esteja sozinho.
E eu não quero ser o espinho da flor,
mesmo que a mão não me toque.
E eu não quero ser substituto,
mesmo que seja um ator.
E eu não quero ser igual,
não quero ser teatro,
não quero ser amor.

Não.
Mesmo que seja doloroso.

E eu não quero ser obrigação,
mesmo que de coração.
E eu não quero ternura,
mesmo que pura.
E eu não quero o sorriso,
mesmo que seja preciso.
E eu não quero querer,
não quero ser verdade,
não quero saudade.

Não.
Mesmo que o sim seja mais fácil.
E eu não quero perseguir um ideal,
mesmo que seja normal.
E eu não quero ser mais um vazio,
mesmo que haja fastio.
E eu não quero ser diferente,
mesmo que venha a ser.
E eu não quero poente,
não quero nascer,
não quero querer.

Não.
Mesmo que seja pouco o tempo.

E eu não quero ser beijo,
mesmo que haja o desejo.
E eu não quero ser fonte,
mesmo que exista a sede.
E eu não quero ser tudo,
mesmo que tudo seja pouco.
E eu não quero ser frio,
não quero ser verso,
não quero ser louco.

Não.
Mesmo que eu tenha forças.

E eu não quero ser mal,
mesmo que o bem esteja morto.
E eu não quero ser imã,
mesmo que a atração seja vital.
E eu não quero ser alimento,
mesmo que eu seja tesão.
E eu não quero ser deus,
não quero lamento,
não quero paixão.

Não.
Mesmo que as palavras sejam ditas.

E eu não quero respostas,
mesmo que eu seja pergunta.
E eu não quero propostas,
mesmo que eu puxe o assunto.
E eu não quero sangria,
mesmo que o fim esteja perto.
E eu não quero ser dono do mundo,
não quero universo,
não quero um deserto.

Não.
A palavra ecoa na sala vazia dos pensamentos.

E eu não quero ser lágrima,
mesmo que sertão.
E eu não quero ser história,
mesmo que de glória.
E eu não quero ser mera lembrança,
mesmo que de criança.
E eu não quero vitória,
não quero segredo,
não quero memória.

Não.
Mesmo que pareça romântico.

E eu não quero ser poesia,
mesmo que a lua me peça.
E eu não quero heresia,
mesmo que um dia eu mereça.
E eu não quero calor,
mesmo que nada me aqueça.
E eu não quero leitura,
não quero tristeza,
não quero deixar de escrever.
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Sobre o autor
Bruno Ramalho nasceu em 1978 na cidade do Rio de Janeiro e é medico formado pela Universidade Federal de Uberlândia (MG). Publicou sua primeira obra, "A penúltima coisa que se faz", como produção independente. Participou do 1° Concurso Nacional de Poesias Regina Lima, alcançando a 12a. colocação com "Memória". Teve poesia publicada na antologia de poesias, contos e crônicas da Editora Scortecci, em 2000, "Encontro com a palavra".


Fontes:
RAMALHO, Bruno. A penúltima coisa que se faz. MG: Ed. autor, 1999.
Biografia = http://www.netsaber.com.br/

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