Antiga balada inglesa adaptada
por Tatiana Belinky
da série Folclore em Sala de Aula
Na Inglaterra daquele tempo,
vivia na corte do rei João um importante prelado, o abade de Canterbury, tão
vaidoso que um dia chegou a se vangloriar de ser mais rico e de ter um palácio
mais belo do que o próprio soberano. Quando essa notícia chegou aos ouvidos do
monarca, este ficou muito irritado e mandou convocar o prelado à sua presença.
O abade apressou-se a
comparecer perante o rei, sem desconfiar da surpresa que o aguardava. O rei
João foi ríspido, dizendo que a gabolice do abade constituía crime de
lesa-majestade, punido com a pena de morte e o confisco dos bens do réu. O
abade tremeu de medo, jurando ser inocente e implorando o perdão real. E tanto
suplicou que o rei João, fingindo compadecer-se dele, disse que o perdoaria, se
ele respondesse às três perguntas que lhe faria em seguida.
— A primeira pergunta é a
seguinte: assim como me vês, sentado no meu trono de ouro, com a minha coroa na
cabeça e o cetro na mão, dize-me quanto eu valho em dinheiro. A segunda pergunta
é: quanto tempo eu levaria a cavalo para fazer a volta ao mundo? E a terceira
é: o que eu estou pensando aqui e agora?
Assustado, o abade de
Canterbury pediu ao rei João que lhe concedesse três dias para pensar nas
respostas. O rei, fazendo-se de generoso e certo de que o prelado jamais
responderia às suas perguntas, concedeu-lhe esse prazo.
O abade saiu apressado,
consultou doutores, sábios e feiticeiros, mas ninguém soube responder àquelas
perguntas. Ao entardecer do terceiro dia, de volta ao seu palácio, cruzou com o
pastor do seu rebanho de ovelhas. Reparando no aspecto abatido do amo, o pastor
lhe perguntou qual a razão de tamanha tristeza. O abade, num desabafo,
contou-lhe sua infeliz e perigosa situação. E muito se surpreendeu ao ouvir do
pastor uma estranha proposta.
— Acho que sei a solução para
o seu caso. Repare que nós dois temos a mesma altura e o mesmo porte. Se
confiar em mim, eu me apresentarei amanhã em seu lugar perante o rei,
disfarçado em traje de monge. Se Deus quiser, acharei as respostas às três
perguntas.
Como não tinha nada a perder,
o abade concordou com o plano. No dia seguinte, o pastor, encoberto pelo capuz
do hábito do monge, apresentou-se ao rei João à espera das três perguntas, que
o monarca lhe fez em seguida, sem reconhecê-lo.
— Então, abade atrevido,
responde-me sem hesitar: assim como me vês, sentado no meu trono de ouro, com a
minha coroa na cabeça e o cetro na mão, quanto eu valho em dinheiro?
— A resposta, disse o pastor
disfarçado, é a seguinte. Nosso Salvador foi vendido por 30 moedas. Portanto, o
vosso valor é 29 moedas, pois acho que Vossa Majestade concordará que vale uma
moeda menos do que Nosso Senhor.
— Não pensei que eu valesse
tão pouco, sorriu o rei. Mas dize-me agora em quanto tempo posso cavalgar em
volta do mundo.
— Vossa Majestade, respondeu o
falso abade, deve levantar-se ao nascer do dia e seguir cavalgando atrás do Sol
até a manhã seguinte, quando o astro nascer outra vez. Assim, sem erro, terá
dado a volta ao mundo em 24 horas.
— Nunca pensei, riu o rei, que
a volta ao mundo pudesse ser feita tão depressa. Mas agora me diga, abade, o
que estou pensando neste exato momento?
— Vossa Majestade, respondeu o
esperto pastor, pensa que está falando com o abade de Canterbury. Mas a verdade
é que não passo de um pobre pastor de ovelhas.
E, afastando do rosto o capuz
de monge, concluiu:
— Estou aqui para pedir perdão
para mim e para o meu amo, o abade.
Dessa vez, o rei João riu às
gargalhadas e disse:
— Por teres alegrado o meu
dia, eu te perdôo pelo atrevimento e mando te dar uma bolsa de dinheiro como
recompensa. Vai em paz e dize ao teu patrão que te agradeça porque, graças a
ti, eu o perdôo também. Mas ele que se guarde de novas gabolices!
Para trabalhar com o
imaginário dos alunos, lance mão dos personagens e cenários medievais que
povoam o conto. Se quiser ir mais além, use o texto como apoio nas aulas de
Português e Geografia. Foi o que fez Vera Bastazin, professora de Literatura do
Departamento de Arte da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
É dela o plano interdisciplinar que você verá a seguir, pensado para turmas de
terceira a sexta série.
BEM-VINDOS À FANTASIA
"Na Inglaterra daquele
tempo, vivia na corte do poderoso rei João um importante prelado, o abade de
Canterbury..." A primeira frase do conto introduz rapidamente o aluno no
mundo dos castelos e reis. Leia o período em voz alta e, em seguida, inicie um
saudável e interessante exercício de inquisição, formulando perguntas que devem
ser respondidas oralmente. Como será o interior e o exterior de um palácio? O
que faziam os monarcas naquele tempo? Como se vestiam os reis e as rainhas? O
que era a corte real? Existem monarcas ainda hoje? Qual seu papel atual? Só
leia o restante do conto depois de ter instigado a imaginação da garotada. O
texto também é rico em palavras estranhas à linguagem corrente, como
"prelado", "gabolice", "confisco". Ótima
oportunidade para, na aula de Português, treinar com a turma o uso do
dicionário. Depois de devidamente esclarecidas, essas palavras se aliam a
outras para uma nova atividade. A partir dos substantivos "rei",
"abade" e "pastor", sugira que façam um agrupamento de
termos que se relacionem diretamente com os personagens da história. Como no
quadro abaixo.
REI = majestade – trono –
cetro – palácio - coroa
ABADE = prelado – monge –
assustado – vaidoso - perdão
PASTOR = rebanho – capuz –
esperto – pobre - disfarce
UMA VOLTA AO MUNDO
Nas aulas de Geografia, use a
segunda pergunta feita pelo rei ("Quanto tempo eu levaria a cavalo para
dar a volta ao mundo?") para trabalhar questões relativas ao sistema
solar. Comece pela Terra, explorando sua forma e seu tamanho. Para dar uma
volta completa no nosso planeta pela linha do Equador, uma pessoa a cavalo
teria que percorrer cerca de 12 mil quilômetros. Pelos pólos, a distância
diminuiria 20 quilômetros, já que eles são achatados. A resposta do pastor só
faz sentido num tempo em que se imaginava que o Sol dava a volta na Terra, e
não o contrário. Bastava seguir o astro-rei do nascente ao poente para
completar o percurso. Era a teoria geocêntrica, que você também pode opor à
heliocêntrica, com o Sol no centro do Universo.
Fonte:
Revista Nova Escola
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