Este texto me foi enviado ontem, 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, mas me chegou tarde às mãos (mais precisamente, aos olhos). Quando Olivaldo se refere a Hoje, será na verdade ontem, e ao falar Amanhã, é hoje.
Hoje é Dia de São Francisco de Assis e, também, dos Animais. Animais são mais que figuras em volta de nós. Nossa vida é reanimada por eles. Amanhã é Dia das Aves. Aves são a chave da inspiração à liberdade. Não somos livres, mas levamos jornais, diria Drummond... Somos o Sonho, que Rodrigo Maranhão tão bem cantou. Cantar é minha forma de amar. E, se também toco, é porque não há quem o faça por mim. Minha solidão não tem se sentido acompanhada, como diria Chico Buarque à bela Iolanda. Ando, que as asas, suas penas, têm frágeis penas de seda e logo cedem.
UM MENINO, A SOLIDÃO E UM PAR DE ASAS COM FRÁGEIS PENAS DE SEDA
Era uma vez um menino que nasceu numa pequena cidade do interior. Altamente introspectivo, admirava os carros e pessoas que passavam na rua, sempre impossível para ele. O maior medo era o maior desejo, pois o Medo é o Desejo arruinado, sem jeito. Até que era bom, como, em potencial, são bons todos os homens.
O menino tinha pai, mãe e um irmão mais novo, o qual queria muito que houvesse, pois sempre se sentia só. Coitado... O menino dessa história não sabia que a Solidão, sempre atenta, à espreita, em todos nós se ajeita com o passar do Tempo. O Tempo é grande amigo dela e sempre lha reserva um lugar legal no futuro. A Solidão, em alguns, nem precisa esperar tanto, pois, desde cedo, passa a ter todos.
Passou-se o tempo, e os carros da rua ficaram mais rápidos, tanto quanto os passos, lépidos, de todos que conhecia. Meio tonto, tão tolo quanto um par de asas com frágeis penas que se tem como seus, o menino foi ficando triste. A Tristeza é uma prima do Tempo, que, em certos casos, também ama a Alegria. Não, o menino não era amigo de festas, de coisas da moda, mas de coisas do tempo em que as rodas rondavam as noites de inverno, ou verão, das casas de então. Fora do tempo, e cansado de tantas por que havia passado na vida, o menino, quase um rapaz, trancou-se no quarto e, de lá, não saiu por longo tempo. O Tempo vinha bater palmas à porta do quarto, mas nada. O menino, irredutível, reduziu-se a isto: um triste jovem com um par de asas com frágeis penas, que jamais serviam de chaves para outros ares de vida. A Morte, até mesmo a Morte, por diversas vezes, cantou seu cântico de mortandade para o triste amigo de nem um amigo. Amigos... eis o que sempre esperou aquele pobre coração vadio, vazio como um ponteiro de relógio marcando o tempo para o fim das roseiras.
O par de asas com frágeis penas de seda sempre esteve no quarto, bem ao lado do pobre. Mas os olhos nem sempre dão conta de enxergar o que existe. Existir era uma luta constante com flores e estrelas em volta da cama, no canto das portas, em cima das telhas, vermelhas, de casa onde mora um rapaz que esteve, desde cedo, atrasado.
Foi que um dia, de tanto chorar, teve secas suas lágrimas, vendo livre a sua estrada, porque há léguas que somente os pés que temos podem, ainda que não se tenha carro, ter no velocímetro em nós. As horas são mais que ponteiros.
Acordando para a vida, vendeu o Medo sem nada ter em troca e partiu. Esse pobre rapaz, tão pobre quanto quem tem o chão sem nada como seu, esse homem partiu para a vida, videira nem sempre em uvas, mas sempre em vívidas folhas. A folha em que o menino se via não era nem verde, era branca. O branco das folhas carregava o que ele mais tinha e mantinha no cerne de árvore nascida gente, gente com ares de pássaro, pássaro passando um tempo entre os presos. Presa fácil para sonhos, o homem conhecera o amor que não se pode, nem se deve tocar, mas, nem por isso, é menor. O Amor nunca é mínimo, sempre é o máximo. No entanto, cansado de nunca ser correspondido, o homem foi ficando escuro como um domingo sem sol, até que a Solidão pousasse outra vez em suas asas, tão frágeis, no quarto. O quarto de um homem é seu parto para o mundo lá fora. Fora isso, tinha sempre um por que não parar. Vai que, um dia, faz sol, e ele, lá fora, possa, enfim, se iluminar... Tinha um amigo, sim, alguém que lhe dera um raio de luz entre as horas de bruma. Mas também triste era essa estrita amizade com quem sequer, quase nunca, estava. O Tempo, suspeitoso, era sempre vão.
Queria, enfim, que o par de asas funcionasse e, Deus do Céu, ali ao lado houvesse alguém voando além. Mas nada, qual nada, nunca nada! O som da Solidão, impregnando os sons da vida em torno dele, impulsionava o coração a ser mais Ícaro e a ganhar o ar. O ar pode ser muito para um par de asas com frágeis penas de seda confundindo os ventos, se arrastando à toa para qualquer canto. Cantar era o bastante? Não sabia. Mas cantava e tocava um pouco, mesmo só, para que alguém, mesmo não lá, pudesse ouvi-lo, pudesse olhá-lo e, quem sabe, levantá-lo e devolvê-lo para ele ao fim.
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