sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Olivaldo Junior (Maria, as Moedas e um Menino em Dúvida)


Escrevo, para o Dia de Nossa Senhora Aparecida e das Crianças, breve história que me ocorreu à noite.

A música Romaria foi a primeira que aprendi a cantar, quando eu tinha um ano de idade, mais ou menos.

Não tenho sentido vontade de aprender novas músicas, pois que as velhas ainda resistem ao tempo. Meu tempo é o de fechar as cortinas e arrumar os papéis (coisa que não faço faz tempo), arrumando, também, minha alma. Não sei. Os papéis, amarelos, deixaram rastros na alma, bagunçada demais, desde criança, Maria. 

MARIA, AS MOEDAS E UM MENINO EM DÚVIDA

Era igreja pequena, mas cheia de afrescos, sinais do talento de gente do povo, tão cheia de fé que nem sabe que a tem. A igreja, embora singela, trazia nela um bom nome, o de Nossa Senhora, Aparecida, em louvor. Louvor a quem? A Nosso Senhor. 

A cidade onde ficava essa igreja também era mini, mas super feliz com a ideia de que Nossa Rainha guardava os fiéis. Um deles era um pobre menino que não tinha quase nada a perder. Os pobres hão de ter mais de uma chance de aprender sobre o Céu e suas coisas divinas, porque têm muito pouco a perder. Perdido, perambulava e só.

Um dia, onze de outubro de um ano qualquer, quando a fome apertava cada fibra do estômago daquela criança, teve a súbita imagem da caixinha dourada que abrigava as moedas de Nossa Senhora, bem aos pés de Maria. Não pensou duas vezes. Roubar!

A igreja estava quase vazia. Os olhos de cada imagem, sucintos, caíam sobre as costas do pobre enquanto ele catava as mais de vinte moedas do claustro de ofertas. 

Na rua, com as moedas cantando nos bolsos, calava no peito uma dúvida atroz: onde iria comer? Gastaria, ou guardaria o dinheiro para quando tivesse mais fome que a fome sentida nos últimos dias? Não sabia. Os passos, mais rápidos que sempre os soubera, corriam nas beiras do asfalto, querendo chegar. Não tinha parada. Chorou.

Assim, ao cruzar outra esquina, deu de cara com a triste mulher, de longo vestido, com criança nos braços, parecendo chorar, pois não dava para ver os seus olhos pedintes com a cabeça materna junto ao pobre bebê. A mulher não pediu. Ele não pararia! Mas, nos bolsos, cantando sem letra, as moedas pediam como se rogassem a ele que as deixasse com ela, vã mendiga no olho da rua. Cego de fome, deu de ombros, mas não “fugiu”. Parou, dando as moedas à pobre, que, num gesto sem força, fez menção de sorrir. A vida é sem jeito!, pensou ele, faminto, chorando. Chorava, mas era bondoso.

Caindo o sol, à tardinha, numa praça sem nome, o menino deitou-se. Não sabia rezar, mas olhou para o céu. Cada estrela era um sopro de luz sobre um triste e apagado menino. A fome doía. O corpo penava. O menino morreu. A mesa, no Céu, à espera dos justos e de quem amou, não seria, àquela noite de festa, mais um sonho sem nexo. A mendiga (meu Deus!) tinha dado ao menino franca entrada pra o Céu, aparecendo ali.

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