quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Manoel Santos Neto (Universo Poético da Cidade de São Luís do Maranhão V)

Canção de Exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
(Coimbra, julho de 1843)
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|| LARGO DOS AMORES ||

A memória do amor e da humilhação do poeta maior

Antigo Largo dos Amores, depois Largo dos Remédios, a Praça Gonçalves Dias já foi o cenário de uma das festas religiosas mais importantes do Maranhão: a Festa dos Remédios, que é descrita no enredo de O Mulato, de Aluísio Azevedo (1857-1913), e na prosa de diversos cronistas, mas nenhum o fez de modo tão evocador e pitoresco como João Lisboa, observa Domingos Vieira Filho, no livro Breve História das Ruas de São Luís.

Nove anos após a morte de Gonçalves Dias, foi inaugurada a estátua do poeta, em 7 de setembro de 1873. Posteriormente, a Câmara Municipal de São Luís aprovou, em 1900, a Resolução nº 13, passando a denominar a parte norte do Largo dos Amores, de Praça Gonçalves Dias, e a parte oeste, de Praça dos Remédios.

Com a estátua de Gonçalves Dias (1823-1864) voltada para o mar, lá se tem uma das mais belas vistas de São Luís: por cima dos telhados e dos mirantes, o campanário inconfundível das velhas igrejas, sobressaindo as duas torres da Sé. Em redor, circundando a ilha, o mar. À esquerda, a ponte que liga a cidade velha à cidade nova, na Ponta de São Francisco. As ruínas do Forte da Ponta d’Areia. O encontro dos dois rios que banham São Luís. E sob o céu estriado de azul e rosa, o recorte triangular dos barcos e das igarités de pesca.

Há, no Largo dos Remédios, as palmeiras que ali foram plantadas em homenagem ao poeta que as celebrou na Canção do exílio e que, na hora do cair da tarde, agitam os leques verdes com a viração que sopra da Baía de São Marcos. Ao centro, a estátua de Gonçalves Dias, voltada para os baixios em que o poeta foi tragado pelas ondas em 1864, no naufrágio do Ville de Boulogne, que o trazia de volta da França.

A História do Maranhão conta que Gonçalves Dias, por ser mestiço e bastardo, foi vítima de um preconceito brutal. O poeta, amigo íntimo de Teófilo Leal, apaixonou-se por uma cunhada deste, Ana Amélia Ferreira Vale, e a pediu em casamento à dona Lourença Vale, mãe da moça. Já àquela época, Gonçalves Dias não era um homem qualquer; era o maior poeta do Brasil e amigo pessoal do Imperador. O Maranhão não tinha glória mais alta, mas nada disso teve o menor significado para dona Lourença, diante deste fato, de que Gonçalves Dias não tinha culpa: ser ele mestiço e filho bastardo. E respondeu ao poeta, numa carta seca, com um não redondo. Não dava a filha a um mestiço.

O infortúnio do poeta aparece numa das cenas capitais do romance Os tambores de São Luís, de Josué Montello, que sustenta a tese de que Gonçalves Dias, se quisesse, podia vir a São Luís, e levar Ana Amélia, que estava disposta a fugir com ele.

Mas não foi isso que ele fez. Humilhado, guardou a mágoa. E, ao chegar ao Rio, casou numa das mais importantes famílias da Corte. Ana Amélia, coitada, não perdoou a família. E quando Domingos Porto, que é também bastardo e mestiço, lhe arrastou a asa, não hesitou em casar com ele, amparada pela Justiça. O casamento dela, em São Luís, foi um deus-nos-acuda. Parecia que o mundo estava vindo abaixo. As amigas de dona Lourença passaram a andar de preto, solidárias com o luto fechado da família Vale. O pai da Ana Amélia, instigado por dona Lourença, foi ao cartório do Raimundo Belo e deserdou a filha, sob a alegação de que a moça tinha casado com o neto da negra Eméria, antiga escrava do coronel Antônio Furtado de Mendonça. Domingos Vale deserdou a filha, por escritura pública, apenas porque o genro, vice-presidente da Província e comandante da Guarda Nacional, é neto de uma escrava.

A família Vale não se deu por satisfeita. Fez mais. Decidiu levar Domingos Porto à ruína, na sua casa de comércio. De um dia para o outro, Domingos Porto se viu com todos os seus créditos cortados. Ninguém quis mais negociar com ele. O resultado foi a falência, tendo sido obrigado a sair do Maranhão às pressas, para não cair nas unhas de seus perseguidores. Nem o presidente da Província pôde fazer nada para ampará-lo. Só encontrou negativas. Era a cidade inteira contra um homem. E tudo isso porque Domingos Porto, que era um homem de primeira ordem, culto, educado, finíssimo, teve a desgraça de ser neto de uma escrava.

Por ocasião do I Centenário da morte de Gonçalves Dias, no ano de 1964, o escritor Mário Meireles (1915-2003) publicou o livro Gonçalves Dias e Ana Amélia, com o propósito de esclarecer controvérsias relacionadas ao grande amor do poeta maior. Nesta obra, o professor Mário Meireles chega à conclusão de que o casamento de Ana Amélia com o comerciante Domingos Porto foi uma deliberada represália ao matrimônio de Gonçalves Dias, a quem quis dar, então, uma vez que já era impossível insistir em qualquer esperança, a certeza cruel de que era muito capaz do que lhe propusera e tanto que o fazia com outro, a quem não amava, e como ele mestiço e bastardo! Ao mesmo tempo, desforrava-se da família, que a este outro também se opôs, e com muito mais fereza porque no caso nem laços de amizade existiam. Neste livro Mário Meireles sustenta a tese de que Ana Amélia casou-se com Domingos Porto por “capricho ofendido”. E é o romancista Josué Montello, com Os tambores de São Luís, quem retrata esse drama de forma magistral, traduzido pelo próprio poeta Gonçalves Dias, num de seus mais célebres poemas:

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Continua…

Fonte:
Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante
Edição 119. 20 de janeiro de 2006

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