sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Nilto Maciel (A Melhor Notícia)


A morte é a melhor notícia, até para alguns mortos, que logo depois confirmarão o fato nos jornais. Uns deixam a confirmação para o dia subsequente, a semana seguinte, mais um mês. Outros nunca dão a confirmação, sumidos nos mares, nas montanhas, florestas. São os desaparecidos. Os vivos nem ficam sabendo se aconteceu mesmo a morte: onde está o corpo? Ninguém sabe. Terá morrido de verdade? Só acredito vendo.

                   A morte é a melhor notícia. Se for morto importante, os donos dos jornais, das rádios e televisões riem à toa. As edições são reduplicadas. As manchetes tomam todas as primeiras páginas. Estampa-se imensa foto colorida do defunto. Televisões e rádios passam dias repetindo a morte súbita da autoridade, do cantor, do rico. Espicham a notícia noite afora. Fazem da morte uma novela interminável. Capítulo XX: “Como caiu o avião. Destroços em alto mar. Tubarões sedentos de sangue.”  

                   Templos se lotam no dia do enterro. Gente de todos os bairros disposta a chorar rios de lágrimas e rezar todas as orações pelo morto. No velório choram, gritam, morrem, tentam beijar a testa enrijecida. Os parentes a amigos do falecido se vestem de preto e cobrem os olhos com óculos escuros. Muitos desmaiam, as câmeras de televisão focalizam o instante crucial da dor do desconhecido.  

                   A caminho do cemitério, multidões saem às ruas, debruçam-se nas janelas, sobem aos viadutos. Nas casas, ruas, fábricas e bancos todos lamentam a morte do fulano. Comoção geral, feriado nacional, bandeira a meio-mastro, música fúnebre nas emissoras. Vende-se tudo nas ruas: bandeirolas, fitinhas, bandeiras do time de futebol pelo qual torcia o morto. Fofoqueiros têm motivos de sobra para conversar e passear. Nas filas, nas esperas, nos passeios, nas praças o assunto é um só: a morte de fulano. Há descobertas sensacionais: o extinto amava uma francesa nova, enquanto a esposa velha lamentava.

                   Na missa de sétimo dia, se o morto tiver sido católico, a notícia precisa ser renovada. O falecido está caindo no esquecimento. Se for cantor, compositor, tocam-se suas músicas mais conhecidas. Nas lojas aumentam-se os preços dos produtos. Os jornais publicam pôsteres coloridos: fotos de quando o fulano ou a fulana tinham 20 anos.

                   Inspiração também a morte dá: poetas fazem versos lamentosos com a palavra morte e a palavra vida. Repentistas aparecem de repente nas praças, tocando e cantando homenagens ao defunto. 

                   Todos lucram com a morte. O anônimo coveiro finalmente é entrevistado, com direito a voz e a inventar lendas; o vendedor de velas se ilumina; o jornaleiro grita emocionado; a rezadeira chora por quem foi. 

                   A morte é a melhor notícia. A morte inventa mitos, lendas, sagas, cria religiões, funda igrejas. Cristo morreu; o Cristianismo nasceu. A morte acaba guerras. Depois de Hitler, a paz. A morte acaba eras. Sem Nero, Roma se livra dos incendiários. Decapitaram Conselheiro, desapareceu Canudos. A morte acaba ciclos. Mataram Lampião, acabou-se o cangaço. A morte inicia eras. Um tiro em Vargas dá início à era pós-Vargas.  

                   Se o morto for pobre, anônimo, seus parentes e amigos lamentarão: Tão bom, mas Deus assim o quis. Os privilegiados serão notícia no obituário ou na página policial.

                   Quando queimaram um índio em Brasília, o mundo inteiro protestou, embora queimem índios desde Cabral, Hernán Cortés, Pizarro. Queimar mendigo também dá notícia, embora os assassinos nunca sejam encontrados. 

            Se criança morre de fome e sede, nos sertões e nas favelas, a morte não será notícia, mas apenas motivo de estudo e número na estatística. Os pais dirão: Deus quis assim. Dará lugar a outros. Melhor notícia só o nascimento do próximo mortal: José, Maria, Sebastião.

Fonte:
http://www.niltomaciel.net.br/node/233

Nenhum comentário: