quinta-feira, 25 de abril de 2013

José de Arimatéa Filho (Caderno de Trovas)

Ao aplicar a injeção,
surge ligeiro embaraço:
- diz o doente - "Aí não!
só tomo se for no braço!...

A Rosa mente, doutor,
não passa de uma farsante,
pois onde já se viu flor
que usasse desodorante?...

Às seis da tarde, meu Deus,
quando o sino exorta à prece,
quanta tristeza no adeus
do sol que desaparece.

Branco lençol que me aquece
a noite do desencanto:
- tens o calor de uma prece
rezada em tom de acalanto.

Com a profissão de cego,
enxerga longe Zé França...
- Põe o ouro todo no "prego"
e o produto na poupança.

Com rica e bela mulher,
como anda triste o Gouveia!
- Se tem tudo "de colher",
será que ela nega... ceia?

Da vida, no verde espaço,
onde, de ouro, o sonho medra,
quem não se fez de palhaço,
atire a primeira pedra...

Léo se queixa da inflação,
pelo próprio desmazelo,
pois nem mesmo à prestação
pode cortar o cabelo...
 
Louvo a Deus pelo papel
branco e simples em que ponho,
com tintas da alma, o painel
maravilhoso do sonho!...

Lúcia chega-se ao gerente,
pede empréstimo... afinal,
a "garantia", presente,
nem precisou de outro aval...

Machucado o "para-lama",
rebentados os "faróis",
Topa-Tudo está de cama,
envolvido em maus lençóis!

No inverno há milagres, filho,
como nas eras antigas:
- Um só punhado e milho
se abre em milhares de espigas!

O Chicão só vive às turras,
sempre arrotando vantagem...
- No corpo a marca das surras,
ele diz que é tatuagem...

Porte-se o amor, bem contido,
sob impulso controlado,
pois quanto mais "colorido",
tanto mais preto é o pecado...

Pra manter em forma a plástica,
rebolando-se, a mulata,
de tanto fazer "ginástica",
nasceu-lhe um filho acrobata.

Quando falta gasolina,
o velho chofer de praça,
com uma sede canina,
enche o "tanque" de cachaça.

Queixa-se a Dalva (que artista!)
de choques no coração...
- Vem o noivo, eletricista,
e conserta a "instalação".

Sambista, lépida, incrível,
campeã, sagra-se, Aurora,
sem gasto de combustível,
se exibindo a "sem por hora"!…

Sempre que se erguem teus braços,
em prece, unidos aos meus,
a fé revigora os laços
do amor que nos prende a Deus.

Sinto, junto ao mar, sereia,
quanto me prendes ainda,
no branco lençol de areia
de minha saudade infinda!...

Fonte:
José Feldman (org). Ceará Trovadoresco. Coleção Memória Viva.

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