terça-feira, 17 de setembro de 2013

Aparecido Raimundo de Souza* (A Astúcia do Cachorro)

Fábula recontada e adaptada do Cancioneiro Popular.

No tempo em que os animais falavam

Conta uma lenda, um cachorro estava no meio da floresta, se banqueteando com restos de ossos, quando, atrás dele, uma onça faminta, de garfinho, faca e guardanapo no pescoço, se preparou para dar o bote. Pressentindo que iria virar almoço, o coitado, mais que depressa, pensou rapidamente numa saída. Assim, sem se virar gritou o mais alto que pode:

— HUMM!... QUE ONÇA DELICIOSA ACABEI DE DEVORAR...

Ouvindo essas palavras, a onça se assustou. Ato contínuo abortou o pulo pretendido, deu meia volta e saiu correndo, só parando alguns quilômetros depois, exausta, à beira de um riacho de águas cristalinas:

— Escapei por pouco, daquele cachorro!...

Entretanto, do alto de um abacateiro, um sem vergonha de um macaco assanhado assistiu a tudo. Dando uma de fofoqueiro, correu a contar sobre o golpe do cachorro:

— Então é isso?

— Sem tirar nem por...

— Pois ele me paga!... Venha atrás de mim e veja o que faço com quem tenta me passar a perna.

Fula da vida e babando de raiva, a onça mais que depressa empreendeu o regresso ao local levando o primata a tiracolo. Como se esperasse pelo retorno da inimiga, o cachorro, sem pensar duas vezes e, vendo a difícil situação em que se achava metido, não perdeu a esportiva e jogou a derradeira carta que lhe restava ao alcance das patas. Ou salvava a pele, ou virava, de uma vez, o prato principal da furiosa ferina, aliás, de presas afiadas, e com o sangue a aflorar a pele pintada. Sem se mexer, e ao menos se virar para o casal que estancou a poucos passos de seu rabo (podia até sentir o hálito quente dos dois), berrou com todas as forças que conseguiu reunir no fundo da garganta:

— CADÊ AQUELE MALDITO MACACO? JÁ FAZ MAIS DE MEIA HORA QUE MANDEI O SAFADO BUSCAR OUTRA ONÇA E ATÉ AGORA, NEM SINAL DO DESGRAÇADO. VOU SAIR À CATA DELE, AGORA!

Ouvindo essas palavras, o macaco que seguia a onça tratou de dar o fora trepando na primeira árvore que avistou pela frente. Na subida esqueceu algumas bananas que trazia para o almoço.

A onça, sem ação, fez o mesmo. Empreendeu meia volta, às carreiras e se embrenhou na mata virgem, deixando o cachorro às voltas com um largo sorriso de satisfação entre os dentes.

MORAL DA HISTÓRIA.
Às vezes vale mais um pensamento rápido que a fome de mil onças.

–––––––––––––––-
Aparecido nasceu no Paraná, mas se radicou em Vitória, no Espírito Santo. Jornalista de renome da Revista Isto É, a meu convite, esteve presente no dia de ontem na Semana Literária do SESC Maringá, ocasião em que autografou seu último livro (este que conta a fábula acima) e realizou uma palestra sobre o mesmo. (José Feldman)

Fonte:
SOUZA, Aparecido Raimundo de. Havia uma ponte lá na fronteira. São Paulo/SP : Ed. Sucesso, 2012.

Nenhum comentário: