quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Bernardo Guimarães (Poemas Humorísticos e Irônicos : À Moda)

1878

Balão, balão, balão, perdão te imploro,
Se outrora te maldisse,
Se contra ti em verso mal sonoro
Soltei muita sandice.
Tu sucumbiste, mas de tua tumba
Ouço uma gargalhada, que retumba.

“Atrás de mim virá inda algum dia,
Que bom me há de fazer!”
Tal foi o grito, que da campa fria
Soltaste com satânico prazer.
Ouviu o inferno tua praga horrenda,
E pior que o soneto veio a emenda.

Astro sinistro no momento extremo
De teu ocaso triste,
Do desespero no estertor supremo
O bojo sacudiste,
E surgiram de tua vasta roda
Os burlescos vestidos hoje na moda.
Moda piramidal, moda enfezada,
Que donairoso porte
Da moça a mais esbelta e bem talhada
Enfeia por tal sorte,
Que a torna semelhante a uma chouriça,
Que em pé desajeitada se inteiriça.

***

Se vires pelas ruas aos saltinhos
Mover-se um obelisco,
Como quem vai pisando sobre espinhos,
Com a cauda varrendo imenso cisco,
Do espectro esguio a forma não te espante
Não fujas, não, que ali vai uma elegante.

Mas se de face a moça assim se ostenta
Esguia e empertigada,
Sendo por um dos lados contemplada
Diversa perspectiva se apresenta,
E causa assombro ver sua garupa
Que área imensa pelo espaço ocupa.

Formidável triângulo desenha-se
Com base igual à altura,
De cujo ângulo vértice despenha-se
Catadupa, que atrás se dependura,
De fofos e babados
Com trezentos mil nós empantufados.

A linha vertical pura e correta
Eleva-se na frente;
Atrás a curva, alinha do poeta
Em fofos ondulando molemente
Nos apresenta na suave escarpa
A figura perfeita de uma harpa.

Pela esguia fachada nua e lisa,
Qual maciço pilar,
Se brincar co’a roupagem tenta a brisa,
Não acha em que pegar;
E só o sopro de um tufão valente
Pode abalar da cauda o peso ingente.

***

Onde vais, virgem cândida e formosa,
Assim cambaleando?!...
Que zombeteira mão despiedosa
O teu donoso porte torturando,
Te amarrou a essa cauda, que carregas,
Tão atufada de medonhas pregas?!...

Trazes-me à idéia a ovelha timorada,
Que trêmula e ofegante
Do tosqueador se esquiva à mão ingrata,
E em marcha vacilante
Vai arrastando a lã despedaçada
Atrás em rotos velos pendurada.

Assim também a corça malfadada,
Que às garras do jaguar
À custo escapa toda lacerada,
Co’as vísceras ao ar,
De rojo pela senda das montanhas
Pendentes leva as tépidas entranhas.

***

Onde estão os meneios graciosos
De teu porte gentil?
O nobre andar, e os gestos majestosos
De garbo senhoril?...
Abafados morreram nessa trouxa,
Que assim te faz andar cambeta e couxa.i

E a fronte, a bela fronte, espelho d’alma,
Trono do pensamento,
Que com viva expressão, turvada e calma,
Traduz o sentimento,
A fronte, em que realça-se a beleza
De que pródiga ornou-te a natureza,

Tua fronte onde está?... Teus lindos olhos
Brilhar eu vejo apenas
Na sombra por debaixo de uns abrolhos
De aparadas melenas...
Ah! modista cruel, que por chacota
Te pôs assim com cara de idiota.

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