quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Caldeirão Poético XVI



A TRAVESSIA

 "O mundo é um moinho... " (Cartola) 

Todos nós temos corda onde agarrar,
A vida nos dá sempre uma saída
Que nos evite o risco de abismar
No medo natural da própria vida.

Por certo cada um pega o que pode:
Um amor, uma paixão ou mesmo um vício;
Um poema, um soneto ou uma ode,
Um portal com a cruz no frontispício,

Ou então, o que é pior, com um convite
Para entrar mas deixando a Esperança, *
Última paz que o mundo nos permite... *

Mas pra saíres vivo do moinho,
Não como Don Quixote e Sancho Pança,
Terás que atravessar a ti sozinho…

 

BEM SEI...

Bem sei... Não faço verso algum perfeito;
e alguns bem longe estão da exatidão, 
contudo, infelizmente, é desse jeito
que eu consigo acalmar meu coração...

Quisera que surgisse sem defeito,
não por vaidade tola ou afetação, 
mas apenas porque sei que ele é feito
só para alguém que estima a perfeição!

Assim, pois, ele nasce quando quer, 
da forma que bem quer; sem dar qualquer
obediência à minha mão que o escreve!

É o modo com que abrando a agonia, 
cada vez que em meu peito a dor se atreve 
a tentar encerrar minha estesia...


O PALÁCIO DA VENTURA

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formusura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, O Deserdado...
Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!


DOR DA SOLIDÃO

Não existe dor maior
Que a dor da solidão...
É dor cruel e perversa
Que não aceita conversa
E nem mesmo explicação!
É dor do só, do sozinho,
É carência de carinho,
Seu sintoma é a paixão.

E essa dor tão doída
Que tanto maltrata a gente
Chega assim tão de repente
Sem sequer bater na porta.
Para ela pouco importa
Se está matando o doente,
Se a "Inês é quase morta".

É uma dor que aniquila,
Que castiga, que maltrata,
É mais forte que a tequila
Mais ardente que a cachaça.
É pior que a dor que tomba,
Mais cruel que a dor que mata.


PROPOSIÇÃO DAS RIMAS DO POETA

Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores:

Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores:

E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns cuja aparência
Indique festival contentamento,

Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.


NOVA FRIBURGO

Loira “Princesa da Serra”,
das nuvens rasgando o véu!
Indago, serás da terra
ou doce visão do céu?!

Tens glórias de velho burgo,
cobrem-te rendas e galas,
mas, sempre nova, Friburgo,
vive a beijar-te o Bengalas!

Pelas nuvens resguardada,
meio aos penhascos da Serra,
Friburgo és concha encantada,
onde a Poesia se encerra!

Tua chave, hoje, me ofertas!
Isto me faz tua irmã…
e vejo portas abertas,
nesta festiva manhã!

Em troca deste presente
que me dás, Friburgo bela,
minha alma te abro e, contente,
verás que estás dentro dela!

E quando meus olhos ponho
no céu azul, sobre ti…
Não sei, Friburgo, se é sonho…
só sei que o teu céu sorri!!!


CASTRO ALVES

No fundo escuro da noite funesta,
faíscas rompem pelo céu, esteiras
que obedecendo a um ritmo, como em festa,
dançam ao vento, em espirais faceiras.

Quem dispara ao negrume, que detesta,
essas fagulhas, pelas mãos certeiras,
é um jovem cuja espada inflama e cresta,
acendendo a mais viva das fogueiras.

Gênio gigante de “Navio Negreiro”,
vive pouco, mas, nobre condoreiro,
atinge a crista azul da imensidade.

E em seu rasto, a luzir pelos caminhos,
resistindo à investida dos espinhos,
brilha a chama, sem par, da Liberdade.


CRIANÇA

Cabecinha boa de menino triste,
de menino triste que sofre sozinho,
que sozinho sofre, - e resiste.

Cabecinha boa de menino ausente,
que de sofrer tanto, se fez pensativo,
e não sabe mais o que sente...

Cabecinha boa de menino mudo,
que não teve nada, que não pediu nada,
pelo medo de perder tudo.

Cabecinha boa de menino santo,
que do alto se inclina sobre a água do mundo
para mirar seu desencanto

Para ver passar numa onda lenta e fria
a estrela perdida da felicidade
que soube que não possuiria.


GATA

Da brancura da pele e no gesto macio,
A carícia tu tens e a moleza de gata:
O teu andar sutil é doce como a pata
Desse animal pisando um tapete sombrio...

Tens uma morbidez lânguida de sonata.
Teu sorriso é polido, é fino e é muito frio...
Se as tuas mãos acaso eu beijo e acaricio,
Sinto uma sensação esquisita, que mata.

Quando eu tomo esse teu cabelo ondeado e louro,
E o cheiro, e palpo o teu corpo branco e felino,
Como te torces, pois, minha serpente de ouro!

O teu corpo se enrola em meu corpo amoroso,
E o teu beijo me aquece e vibra como um hino,
Animal de voz rouca e gesto silencioso!

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