domingo, 11 de novembro de 2018

Vicentina de Carvalho (Poemas Recolhidos)


Soneto X

Houve quem me dissesse: - "A minha vida 
depende só do que você me der". 
E eu, femininamente distraída, 
nada lhe dei, nem prometi sequer.

De outros ouvi a frase sempre ouvida: 
"Meu amor será seu quando quiser..." 
Mas deixaram apenas comovida 
minha tola vaidade de mulher.

Depois, mais tarde, alguém, indiferente, 
passou por mim, e, desvairada e cega, 
segui em seu encalço, inutilmente...

E, desde então, minha alma não sossega 
e vive da esperança, tão somente, 
de um pouco desse amor que ele me nega.

Soneto XIII

Um dia em minha vida tu surgiste, 
trazendo a luz do sol em teu olhar. 
Sorriu-me a vida, porque me sorriste, 
apagaste com risos meu pesar.

Eu, que vivera uma existência triste 
e tinha os olhos gastos de chorar, 
ia já ser feliz quando partiste, 
e para nunca, nunca mais voltar!

Foi-se contigo todo o meu prazer! 
Ao deixar-me, levaste o que trouxeste: 
toda a minha alegria de viver,

toda a felicidade que me deste. 
Se eu tinha de tão cedo te perder, 
por que tão tarde, ó meu amor, vieste?

Soneto XXII

Sorvi sequiosa a taça do prazer,
só lhe sentindo o bem que me sabia,
sem a preocupação de conhecer
o mal que ela, esgotada, me traria.

Desprezando o futuro, quis viver
o presente, que alegre me sorria,
sem nunca imaginar e sem prever
quanto custa um momento de alegria.

Logo, porém, o travo da amargura
mudou-me o riso em lágrima dorida,
pois a felicidade não perdura.

Só então percebi, arrependida,
quanto, por um instante de ventura,
hei de figar pagando toda a vida.

Soneto

Sinto que já se vem aproximando 
O gélido crepúsculo da vida; 
Extingue-se-me a vista amortecida,
E os meus cabelos já se vão prateando.

Despovoaram-me a alma dolorida
Os sonhos que sonhei de quando em quando,
Oásis na existência mal vivida,
De onde vai a esperança se afastando.

Quando o longo passado rememoro, 
Sangra-me o coração cruel saudade;
Porém, desse passado, que deploro,

Menos que as horas de felicidade, 
De tudo o que perdi, o que mais choro 
É ter perdido a minha mocidade.

Soneto

Já fui moça e também já fui amada
Como as outras mulheres hoje o são.
Vi abrirem-se rosas pela estrada
Por onde me levava o coração.

Gozei o encanto azul da madrugada
Dos lindos sonhos que sonhava então.
O amor que a muitas outras não deu nada,
Pôs a felicidade em minha mão.

Pelos bens que auferi, bendigo a vida,
Pois seria injustiça me queixar;
E recordo, serena e agradecida.

Tudo o que me foi dado desfrutar
Nessa longa existência bem vivida
Que só teve um defeito - foi passar.
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Vicentina Mesquita de Carvalho, nasceu em 24/6/1890 em Santos/SP e faleceu na Capital em 1/4/1954. Filha do grande poeta Vicente de Carvalho, herdou as qualidades de talento de seu ilustre pai, mas conseguiu em seus versos uma nobre originalidade, não tendo os reflexos da voz paterna.

Professora diplomada pela Escola Normal da Praça da República, poetisa e tradutora.

Possuidora de grande cultura, Vicentina de Carvalho destacou-se no magistério paulista como uma das mais brilhantes educadoras da sua época. Deixou um livro de versos, "Sonhos Mortos", publicado em 1950, onde se destaca a perfeição de seus sonetos. Esse livro foi prefaciado por Agripino Griecco, tendo merecido do conceituado crítico literário expressões como esta: "E agora é um rebento do varão glorioso que nos surge com um punhado de sonetos. Quem? Pode ser filha de rei e reinar também nos espíritos, revogando a lei sálica nos domínios da poesia? Encontra-se aqui, sem dúvida, uma brasileira cuja arte poética não está em Horácio ou Boileau: está em sua alma."
(www.novomilenio.inf.br/cultura/cult032.htm)

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