domingo, 4 de novembro de 2018

Pierre de Ronsard (Poemas Escolhidos) I


SONETO XXIX

As cidades são vis, os burgos são odiosos,
padeço quando vejo o mundo indiferente;
passeio pela mata antiga, longamente,
vivendo a grande paz dos rumos silenciosos.

Não encontro no bosque animais tão furiosos,
nem pedra, vegetal ou rio transparente,
que não sofram comigo a minha dor freqüente,
tão cheia de paixão e anseios cobiçosos.

Um pensamento emerge de outro, e me acompanham
como prantos de amor que os meus sentidos banham,
a rolar em meu ser em forma de uma fonte.

Se acaso alguém me encontra em meio da folhagem,
fitando a minha barba e o horror de minha fronte,
julga ter encontrado algum monstro selvagem.

(Tradução Fernando Torquato Oliveira)

SONETO LXVI

Céu, ar e ventos, píncaros dispersos,
colinas e florestas verdejantes,
rios sinuosos, fontes borbulhantes,
campos ceifados, bosques tão diversos,

semiabertos covis, antros imersos,
pastagens, flores, ervas rastejantes,
vales longínquos, praias coruscantes,
e vós, rochedos, que guardais meus versos,

desde que partirei, mas sem dizer
adeus ao seu olhar, para esconder
esta emoção que nunca terá fim;

eu vos suplico, céu, ventos e montes,
pastagens e florestas, rios, fontes,
antros, flores: - dizei-lhe adeus por mim!

(Tradução Fernando Torquato Oliveira)

MADRIGAL
(do livro Sonetos para Helena)

Se amar, minha Senhora, é, de noite e de dia,
sonhar, querer, pensar o meio de agradar,
esquecer tudo mais e nada mais tentar
senão no amor de quem tanto assim me angustia;

se amar é perseguir fugitiva alegria
e perder-me a mim mesmo e sozinho ficar;
padecer sem consolo, e ter medo, e calar,
soluçar, implorar, alvo de zombaria;

se amar é existir, não em mim; mas só nela,
esconder o pesar, que em risos se rebela,
sentir dentro do peito a luta desigual,

frio e calor, febre de amor que me avassala,
temendo confessar de onde vem esse mal,
se isso tudo é amor, com fúria se revela.

Amo-a e sei muito bem que o que sofro é fatal.
O coração o diz, mas a boca se cala.

(Tradução de  Mello Nóbrega)
obs.: Forma curiosa de soneto medieval, com estrambote, versos adicionais aos 14 versos do soneto, como acabou se fixando, na forma chamada petrarqueana.

“TOME ESTA ROSA”

Tome esta rosa, flor como você,
a rosa que supera  as outras rosas,
a flor que brilha mais que as mais viçosas,
cujo perfume encerra um não sei quê.

Tome esta rosa e ao próprio seio dê
meu coração, repleto de amorosas
intenções, em que as chagas dolorosas
não mataram a crença de quem crê.

De mim difere a rosa, todavia:
nasce e morre uma rosa num só dia,
mil dias causticaram meu amor,

que vive sem repouso e amargurado.
Prouvesse a Deus a tal amor ter dado
um só dia de vida, como à flor!

(Tradução Francisco Pimentel)

UM SONETO PARA HELENA

Deus Amor, que no mundo és um rei de grandeza,
vê tua glória e a minha em seus jardins passar;
vê seu límpido olhar que é minha estrela acesa
ou é lâmpada em luz que ilumina um altar.

Vê seu corpo - retrato e exemplo da beleza,
aurora na manhã mais divina a raiar;
vê que doma o destino e excede a natureza
por sua alma, em que Deus se pode contemplar.

Vê como erra perdida em sonhos, pensativa,
como te vence, Amor, e te aprisiona em flores;
vê como a relva estende a seus pés um mantéu.

Vê dos olhos brotar-lhe a primavera viva;
vê como em profusão suas chamas de amores
embelezam a terra e enternecem o céu.

(Tradução Murillo Araujo)

SONETO XXXII

Eu amo a flor de Março,(1) eu amo a bela rosa;
esta é sagrada à Deusa antiga,(2) e tem-lhe a fama;
aquela tem por nome o nome de uma dama
que torna a minha vida incerta e tormentosa.

A três aves eu amo: a que a pluma formosa banha
em chuvas de Maio e pelo azul (3) se inflama;
a que vive sozinha (4) e seus males proclama;
e, por fim, a que ao filho (5) eleva a voz radiosa.

Eu amo esse pinheiro (6) onde Vênus atou
a minha liberdade, ao tempo em que tornou
meu coração fiel a uma doce pessoa.

E amo o galho do arbusto (7) a Febo devotado,
onde a dama que adoro, em um gesto encantado,
os cabelos prendeu - e fez-me uma coroa.

(Tradução Fernando Torquato Oliveira)

NOTAS:
(1) A violeta, que aparecia em Março, mês cujo nome lembra o de Maria - Mars/Marie.
(2) Vênus.  
(3) Cotovia.  
(4) Rola.             
(5) Aedo foi transformado em rouxinol porque matou, por descido o próprio filho.       
(6) Discreta indicação ao nome de sua amada- Marie Dupin.
(7) Loureiro.

Fonte:
J G de Araujo Jorge. Os Mais Belos Sonetos Que O Amor Inspirou: Poesia Universal Européia e Americana. vol. III. 1a edição, 1966.

Nenhum comentário: