quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Paulo R. O. Caruso (Cordel ao Fantasma de Zé Mitôca)



(Vencedor da Modalidade Cordel, Âmbito Nacional/Internacional do X Concurso Literário Zé Mitôca da UBT-Ocara/2018)

Um ponto nobre de Ocara,
o nosso açude Batente,
estava calmo, tranquilo;
passava bastante gente
num luar o mais bonito
até que se deu agito 
nas suas águas, oxente!

Ao chegar da meia-noite,
não nalgum dia comum,
mas no dia vinte e nove
de fevereiro, nenhum 
cabra desconfiaria:
apareceu nesse dia 
Zé Mitôca, o poeta-um!

Entre todos os poetas,
o número um de Ocara
era mesmo Zé Mitôca,
que recebeu esta cara 
homenagem da cidade
por sua capacidade 
artística: joia rara!

Pois o cabra apareceu,
das águas do nosso açude
como pseudoassombração
e retornou amiúde 
a tecer os seus poemas 
sem problemas ou dilemas,
não sendo um fantasma rude!

Da população de Ocara,
quem o viu aparecer, 
por incrível que pareça,
nem se assustou a valer,
pois a saudade era imensa
desse cabra que compensa 
com a poesia o sofrer!

Todos sabem que ele é morto,
uma assombração à vista,
mas sabem que ele é do bem,
um tremendo de um artista
que surge de quando em vez
e que muita história fez,
sendo criatura benquista!

Na verdade o povo chega
e cada qual já procura
seu lugar horas mais cedo
às margens do açude e jura
que o vulto de Zé Mitôca 
solta cordel pela boca 
e diversos males cura!

Então, quando ele chegou
encontrou monte de gente
a esperá-lo fascinada,
o que o fez alegremente 
cumprimentar mui brejeiro
cada ouvinte brasileiro 
que o esperava calmamente.

Ao ver o povo aguçado,
Zé Mitôca então buscou,
por um estalar de dedos,
fazer convite e chamou
mais alguém ao repentismo,
sendo que por altruísmo
não somente ele brilhou.

O convidado da vez 
foi o grande violonista
dos pampas Arthur Bonilla,
que dedilhou, ante a vista
ocarense o seu querido 
instrumento e ouviu pedido
de bis da terrena pista.

Bonilla mais parecia
num teatro estar tocando 
junto com Yamandu Costa, 
como nos bons tempos quando
era vivo em carne e osso,
mas como sorria o moço
ao público venerando!

O repente do cordel 
que Zé Mitôca entoava 
unia-se com esmero 
aos dedilhares que dava 
o artista seu companheiro 
em harmonia e certeiro 
sincronismo que ele amava.

Até às seis da manhã, 
assim foi-se a madrugada,
quando os archotes do sol
pioneiros nesta jornada, 
como num espreguiçar,
do astro-mor vieram dar
bom dia à plateia amada!

Zé Mitôca e seu amigo 
Bonilla foram então
despedindo-se do povo
e prometendo um tostão 
novo do seu espetáculo,
e lhe disseram que o oráculo
ouviria um bom sermão!

Afinal, somente após 
mais quatro anos teriam
outro espetáculo desse 
em Ocara e sofreriam
demais numa espera intensa,
por felicidade imensa
à gente a quem tocariam!

Após consulta ao oráculo
Zé Mitôca enfim mandou
um memorando do além, 
o que a mim o bem levou,
pois o teor vou dizer 
em primeira mão, prazer
que a mim ele confiou.

Se só dia vinte e nove 
de fevereiro era pouco
para o povo ter cordel 
de Zé Mitôca, foi rouco 
de alegria que gritei 
o novo contato e dei 
com certeza uma de louco!

Muita gente veio ouvir 
o que Zé passara a mim,
pois seria um dia histórico
à cidade e logo enfim
exercitei a garganta,
já que a alegria era tanta
e pronunciei-me assim:

“Querido povo de Ocara,
eu, Poeta Zé Mitôca,
trago-lhe boas notícias
e vou falar pela boca
do colega à sua frente;
não estranhem, cara gente,
ele não é alma louca”. 

“Consultei o caro oráculo
sobre a possibilidade
de incrementar a frequência 
da aparição na cidade,
então trago uma resposta
que espero de costa a costa
chegar logo, de verdade!”

“Por bons serviços prestados,
fui ouvido com carinho,
sendo que foi deferido
eu seguir o meu caminho
sim no dia vinte e nove
de qualquer mês que se prove 
não haver rodamoinho”.

“Conhecendo o meu Brasil, 
sei que eu sigo calmamente,
pois haver rodamoinho
é chance que raramente 
se daria no país,
o que me deixa feliz 
quanto ao declamar à frente!”

E quando acabei de ler 
o memorando do Zé, 
o povo ficou eufórico,
cada qual com sua fé,
e agradeci a Jesus
por ser minha cara luz,
minha mente e cada pé!

Fonte: Cordel enviado pelo autor

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