Lili, ao revelar-me um dia umas composições suas - onde os lugares-comuns esvoaçavam com toda a novidade da inocência muito se espantou do meu espanto pelo fato de que os títulos nada tinham a ver com o texto. Explicou-me que um dos sonetos se chamava João porque era o nome de um seu amiguinho de escola e o mesmo se dava com o soneto chamado Sofia.
Ora, ora, me quedei pensando, não estaria ela com a razão? Já teve a poesia o seu período temático, como a pintura. Daí, hoje, a desnecessidade de títulos, nas telas como nos poemas. O que, cronologicamente, não é bem assim, tanto que Camões e Petrarca se limitavam a numerar os seus sonetos, nem é de crer que assim fizessem simplesmente por falta de imaginação. Deixemos, pois, de generalizações, que levam sempre a becos sem saída. E, em troca, este "soneto" que improvisei naqueles tempos para Lili, quando a sua mania, além de chamar tudo de soneto, era meter, em tudo, a palavra "POIS":
O Doutor Quejando, pois, vinha andando andando, quando encontrou o carneirinho Mé em companhia da vaquinha Bu.
- Olé! Como vais tu? - disseram-lhe os dois.
O Doutor Quejando continuou andando, mudo.
Mas na cerca havia um urubu. Mudo.
E o Doutor Quejando e o urubu trocaram um horrivel olhar de simpatia.
E o pior de tudo é que se acabou a história... Se acabou a história e a vida continua.
Fonte:
Mário Quintana. Caderno H. Porto Alegre/RS: Globo, 1973.
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