sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Artur da Tavola (O Galo e Suas Contradições)

Paro perto do galinheiro e fico tempos a observar o galo. Dou-me conta de que nunca prestara atenção devida em um galo. Ora, um galo! Bicho silencioso, antipático, autoritário, galhardo, com aquele seu ar de proxeneta, que nada faz a não ser galar as galinhas e ficar por ali, depois, inútil, mas triunfante com seu andar de delegado de filme de mocinho. Espanta-me saber que é símbolo da França por sua altivez. E no Japão, pela coragem. Ele é uma contradição só..

Mas no fim do dia e, depois na madrugada, ouço-o chamar o amanhecer e como naquela noite voejaram angústias sessentãs, inevitáveis nessa fase da vida, o galo me repôs na esperança de que sempre haverá um amanhecer e as sombras da noite, inevitavelmente passam. Ponho-me solidário com ele e penso que Deus lhe deu essa boa vida de cafetão das galinhas para executar de modo mais descontraído a tarefa de chamar a manhã e a esperança. Já não o considero tão inútil e começo também a compreender porque grande parte das igrejas do passado, tinha a figura de um galo no alto de suas torres. Galo é augúrio, símbolo do milagre diário da renovação da vida e isso é tradição simbólica que vem de Lucrécio, 90 anos antes de Cristo. No Islã ele representa a presença do anjo.

Câmara Cascudo. Com a capacidade genial de síntese que foi a sua marca, diz : “O vitorioso Chantecler, cantado em mil páginas, possui larga folha de serviços estranhos” . Ele tem razão: “larga folha de serviços estranhos” pois tanto é símbolo que o Cristianismo adotou como o precursor da aurora, logo da esperança e da luz, como o bicho também serve para lutas diabólicas em rinhas, com ferocidade de tigre, para gáudio de uns boçais que impotentes de coragem própria , compensam-se com a do galo.

Muitas lendas tornam assustador e ameaçador o canto do galo fora de hora. Dizem ser de mau presságio: alguns dizem ser sinal de moça que foge, outros, como lá no Minho, em Portugal, é agouro, informa Câmara Cascudo e acrescenta este dito popular: “Galo que fora de hora canta, cutelo na garganta.”.

Mas fora do Câmara Cascudo me lembro de frases que o povo consagrou, todas contraditórias. Umas lhe atribuem sabedoria quando dizem de algum bocó que “ouviu o galo cantar, mas não sabe onde”. Vai longe a simbologia paradoxal do galo: ”fulano é um galinho de briga”. Zico, um rei das canchas também era galo, o "galinho de Quintino" O machão brigador é aquele que “canta de galo”. Ao mesmo tempo o nosso populário conta que enquanto o galo passeia a sua arrogância pelo terreiro, o papagaio vai lá e "crau" nas galinhas..... “Salgar o galo” em linguagem de pinguço é dar o primeiro gole de álcool do dia. “Ser galo” é ter ejaculação precoce..., sabiam? Já “cantar de galo” é impor a vontade ou valentia; e “cozinhar o galo” é ficar embromando, sem nada de útil fazer.

Voltei ao galinheiro com mais simpatia pelo galo admirando as suas contradições e a dificuldade para ser compreendido, coitado. Mas ele estava todo pimpão, de lá para cá, as galinhas com o ar de que “soltaram a franga”.... Fiquei sem saber se era por causa do desempenho sexual dele.... ou o do papagaio da casa, que estava com um jeito muito sonso.

Fonte:
Publicado em 22-09-2007, in
http://www.vaniadiniz.pro.br/

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