terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Bisa Maith (Conto: Confidências de um Curió)

Nasci numa floresta virgem, no alto de uma árvore centenária.

Meu berço foi um singelo ninho feito de palha, mas, embora aparentemente frágil era suficientemente forte para me abrigar das tempestades e afastar-me dos animais predadores.

Minha mãe era carinhosa e nos meus primeiros dias de vida trazia-me o alimento e cuidava de mim.

Mas, eu cresci muito depressa. Logo aprendi a voar e a procurar o meu próprio alimento.

Aprendi também a cantar e o meu canto era maravilhoso.

Todas as manhãs eu soltava a voz em chilreios vibrantes e ouvia ao longe a resposta, um gorjeio desafinado, mas que me parecia a mais bela melodia, pois vinha de minha namorada, uma curiózinha encantadora.

Entretanto, o meu dom de bem cantar foi a minha desgraça, pois despertei o desejo de pessoas desalmadas ter-me preso em uma gaiola cantando para diverti-las.

E, foi assim que tudo aconteceu.

Eu estava faminto e vi alguns grãos no chão. Desci para comer e então senti que um cesto caia sobre mim prendendo-me.

Fiquei desesperado, não tinha como escapar dali e então vi uma mão enorme adentrando o cesto.

Tentei passar pela pequena abertura, mas não consegui e aquela mão agarrou-me com força e me levou embora,

Que covardia! Em igualdade de condições, em campo aberto, duvido muito que aquele sujeito conseguisse me pegar. Mas, ele era mais forte do que eu, ou mais inteligente e eu agora estava em sua mão.

Levou-me para sua casa e prendeu-me em uma gaiola.

Ele não me tratava mal. Dava-me sempre comida e água fresca e colocou-me em um lugar protegido.

Prendeu até o Duque, um canzarrão que quando me viu ficou louco para me abocanhar.
Mas, tirou-me a liberdade e eu fiquei muito triste. Nem cantar eu queria mais.

E, então, pensei cá comigo:

Vou ficar calado. Quem sabe assim ele perde o interesse por mim e me solta.

Mas, qual!

Ele queria a todo custo que eu cantasse e quando comentou minha mudez com um amigo este lhe disse:

- Você fura os olhos dele! Ficando cego ele vai cantar. Você vai ver.

- Será? Eu não tenho coragem...

- Deixe de ser bobo! Amanhã eu venho aqui e faço o serviço pra você.

Fiquei desesperado. Alem de preso, cego!

Passei a noite em claro pensando em um jeito de livrar-se do sacrifício, mas não atinava com nada. Estava mesmo perdido.

Já de madrugada, porém, ouvi um barulho vindo do canil.

O Duque conseguiu abrir o portão, escapou e veio correndo pegar-me.

Mas, quando de um salto ele abriu a porta da gaiola, eu sai voando enquanto ele ficava pulando e latindo como doido.

Meu dono veio correndo, mas, hahahahaha! Pegue-me agora, se for capaz!

Minhas asas estavam entorpecidas pela falta de movimento, mas consegui pousar em uma árvore, dali para outra, até que recuperando a forma voei para longe, para a floresta que era o meu lugar.

O dia estava amanhecendo. Pousei em uma arvora muito alta e soltei o meu canto vibrante saudando o sol que despontava.

E, emocionado ouvi um chilrear fraquinho me respondendo. Era a minha curiózinha desafinada que estivera o tempo todo a minha espera.

Fonte:
publicado em 4 de novembro de 2007, na Ciranda das Flores e dos Bichos, no Sorocultinho, da Academia Sorocabana de Letras.
http://www.ciranda.blogger.com.br/

Nota do autor do blog: Chamamos os animais de selvagens, mas os verdadeiros selvagens somos nós. Esta história foi classificada como história infantil ao ser publicada no Sorocultinho, da Academia Sorocabana de Letras, mas deve servir como reflexão a todos nós, sobre todo mal que fazemos aos animais, principalmente as aves, gatos, cachorros e tantos que estão em extinção por nossa - que chamamos e vivemos uma mentira - civilização.

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