terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Bisa Maith (Conto: Uma Brasileira na Inglaterra)

Tudo começou há muito tempo, quando ela ainda era menina e ele também. Só que ela, a July, era uma menina comum, classe média, e ele o Príncipe Herdeiro do trono da Inglaterra.

Já então, ela se interessava muito por tudo o que dizia respeito a Ele, o menino que um dia seria rei. Lia tudo o que se publicava sobre a família real inglesa, recortava as fotos do garoto notável e colava na parede do quarto.

O tempo foi passando. Ela cresceu (Ele, também, é claro) e July começou a alimentar um sonho arrojado: Havia de conhecer pessoalmente o Príncipe... conquistá-lo... casar-se com ele.

Impossível? Nem tanto! A literatura estava cheia de histórias de Nobres & Plebeus e, sabe-se de muitos casos de Príncipes que renunciaram a Coroa para casar-se com uma mulher do povo. Por que não podia acontecer com ela?

Mas, precisava dar uma mãozinha para a sorte. Mesmo que estivesse "escrito nas estrelas" seria preciso que ela interpretasse e fizesse acontecer.

O primeiro passo seria ir para a Inglaterra.

Se ela dissesse para a Mãe que queria ir para conhecer o Príncipe, é claro que a Mãe ia dizer para ela deixar de bobagem, então, tinha que arranjar outro pretexto.

Estudar! É claro!

Nada melhor para sensibilizar as mães do que manifestar o desejo de estudar alguma coisa.

A primeira tentativa foi desanimadora:

- Mãe, estou pensando que podia bem ir passar uns tempos na Inglaterra para aperfeiçoar o meu inglês...

- Aperfeiçoar o quê? Você não sabe nada ainda! Aprenda tudo o que lhe ensinarem na Escola e, depois, então, a gente pensa na possibilidade de estudar fora.

- Mas, Mãe, na Escola ensinam muita gramática, lingüística, coisas que não interessam. Convivendo com os ingleses é que a gente aprende a língua coloquial que é o que importa.

- Nada disso. Trate de estudar aqui mesmo. Mais tarde, quem sabe...

A segunda tentativa também não foi muito melhor:

- Mãe, eu tenho muitos amigos e amigas que foram para lá. Estão estudando e trabalhando. Uma beleza! A gente ganha bem, estuda em excelentes escolas e conhece o Mundo. Quer coisa melhor?

- Você pensa que é fácil? Você, lá, seria uma estrangeira, desvalorizada, teria que adaptar-se a uma vida muito diferente da que está acostumada. Não! Você não está preparada para uma coisa dessas.

- Mas, como, do mesmo modo que a água mole faz com a pedra dura o que todo mundo sabe, a insistência dos filhos, quase sempre, acaba por minar o bom senso de qualquer mãe, e a mãe de July não era diferente.

Depois de muitos argumentos, beicinhos e até mal-criações, a Mamãe deixou-se convencer de que, afinal de contas, na pior das hipóteses, seria uma experiência a mais.

E começaram os preparativos para a viagem. Compras, arrumações, conselhos, listas de endereços de Companhias de Viagem, escolas de Londres, acomodações, etc.etc.
* * *
O avião levanta vôo. July se assusta um pouco quando vê, rapidamente, desaparecer o seu Mundo, o seu chão firme e sente-se muito só, acima das nuvens, parecendo estar mais próxima do céu estrelado do que da Terra.

Mas está feliz, pois, encaminha-se para a realização de seu sonho de tantos anos. Fecha um pouco os olhos e quando abre... oh, surpresa das surpresas!

Quem está ali, a sua frente, ao vivo e a cores? Nada mais, nada menos que o Príncipe, mais bonito do que em todas as fotos, sorrindo para ela:

- Olá, July! Que satisfação te encontrar aqui!

- Como sabe quem eu sou?

- Eu a vi em um site de uma discoteca, lá da sua cidade. Foi amor à primeira vista. Disse comigo mesmo: "preciso conhecer essa garota" Estava pronto para ir procurá-la lá no Brasil, mas já que você veio para cá é melhor ainda.

- Você fala muito bem o português. Meu inglês é péssimo. Vim à Inglaterra para aprender a sua língua, e, mais ainda, para conhecê-lo pessoalmente.

- Eu tenho um compromisso oficial agora de manhã, mas vou procurá-la depois para conversarmos mais. Se precisar de alguma coisa é só falar comigo. Se tiver alguma dificuldade, basta dizer que é namorada do Príncipe que todas as portas se abrirão para você.

Alguns homens se aproximaram, o Príncipe levantou-se e acompanhou-os.

O dia estava amanhecendo. O avião foi baixando sobre a grande Londres, envolta em brumas, a cidade coberta de neve, uma paisagem, até então, só vista em cartões postais, ao mesmo tempo, fascinante e aterrorizante.

July desembarcou e misturou-se a multidão que transitava pelo aeroporto.Quando se dirigiu à sessão de Emigração, começaram as dificuldades. Um funcionário muito impessoal pediu-lhe um documento que ela não tinha.

Ela não entendia direito o que ele dizia e não conseguia se comunicar. Lembrou-se, então, das palavras do Príncipe e falou no seu melhor inglês:

- Eu sou a namorada do Príncipe. Se não me facilitar as coisas eu faço queixa a Ele.

- Não estou aqui para brincadeiras. Veja logo o que lhe pedi senão eu mando prendê-la.

- Mas eu não tenho esse documento. Nem sei o que é isso.

- Então vai presa.

Dois policiais aproximaram-se, agarraram-na e a enfiaram num carro. Ela queria gritar, pedir socorro, mas não conseguia. Já estava ficando apavorada.

Na cela onde a encerraram já estavam dois rapazes e duas moças, todos brasileiros. Havia só um colchão no chão e ela perguntou como iriam dormir.

- A noite passada, dormimos os quatro, neste colchão. E esta noite tem mais você...

- E comida?

- De manhã, eles jogam uns pedaços de pão naquela gamela. Pouco, só o suficiente para não morrermos de fome.

- E banho?

- Nem pensar! Banho, aqui, é luxo de turista. Londrino não toma banho e estrangeiro, menos ainda.

- Por que vocês vieram para cá?

- Porque não tínhamos dinheiro suficiente... faltaram documentos... não sabíamos falar bem...

- O funcionário zangou-se porque eu disse que sou namorada do Príncipe.

- Chiii! Você disse isso? Você sabe que quem inventa mentiras relacionadas com a Família Real é condenada à morte?

- Mas eu não inventei nada. É verdade!

- Você tem como provar isso?

- ... não...

- Então você está ferrada!

- EU NÃO QUERO MAIS FICAR AQUI! QUERO MINHA MÃE! MÃÃÃÃÃÃEEEEEEEE!

Como num passe de mágica, uma porta se abriu e a Mãe, meio assustada perguntou:

- Que foi July!

Vertiginosamente tudo retrocedeu como num filme rebobinado e ela se viu, no seu quarto, na sua cama.

- Não foi nada, Mamãe! Só um pesadelo...

No dia seguinte, July comunicou a Mãe a sua resolução:

- Sabe Mãe, eu pensei melhor, acho que vou continuar estudando por aqui mesmo. Londres fica para outra oportunidade.

Mais tarde ligou para o Bruno:

- Ainda está de pé o seu convite para o baile? Acho que vou aceitar!

E sorriu para o retrato do Príncipe pendurado na parede:

- Que mico!

Publicado Segunda-feira, 28 de janeiro de 2008, em
http://www.itu.com.br/colunistas/artigo.asp?cod_conteudo=12102

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