quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Débora Bellentani (Cronica: Um dia quase de domingo)

Estou com o coração apertado.
Precisei tomar uma decisão.
Foi um impulso.
Um gesto desesperado de quem já tentou de tudo e, sem encontrar respostas, acabou se cansando, desistindo.
Às vezes, é preciso dar asas ao pássaro para que ele voe, conheça novos horizontes, sinta-se livre.
Mesmo que fiquemos assim, na solidão da nossa gaiola, chorando todas as lágrimas que podemos – e até as que não temos – olhando o horizonte sem ver mais nada.
Não haverá retornos. Nem novas manhãs. Nem surpresas. Nem esperanças.
Não haverá mais a melodia silenciosa, o canto exclusivo, o verso próprio, a rima sem comparação.
Às vezes, a partida deu-se há tanto tempo: só não se tinha notado.
Nem sempre a presença física significa estar junto da gente. De repente, reina o silêncio, falta assunto, as piadas não têm a mesma graça... A distância fica mais presente do que nunca, o telefone não toca... O inesperado não acontece mais...
Quando vemos, temos apenas o que “gostaríamos de ter tido”. Não há mais nada do que projeções que se apagaram ao final da exibição. Esse é o pior momento: perceber que o filme acabou e não tem replay!
Não dá para ver de novo, e de novo, e de novo. Mesmo nas nossas lembranças, o filme se atenua e acaba. Logo, os rostos não têm definição, as cores se apagam, o som emudece. E, quanto mais procuramos, desesperadamente, em nós, cada imagem, mais elas se esvaecem... Fica a voz... Fica a canção... Como era mesmo o nome da canção? O que dizia mesmo a letra? “...Eu gosto tanto de você/Que até prefiro esconder/Deixo assim ficar subentendido/Como uma idéia que existe na cabeça/E não tem a menor obrigação de acontecer...” E aí acontece. E do mesmo jeito que acontece, perde-se no ar, evapora-se. Fica entre os obstáculos. O que podia ser administrado acaba abandonado, descartado. Mas nada é por mal. Nada é por acaso. As coisas são o que são. Ninguém tem culpa.
A vida é assim: um dia após o outro, sem que tenhamos a mínima idéia do que acontecerá amanhã. Os planos não são nossos: são de Deus. Ele nos coloca em todas as situações e nos mostra, através delas e por meio delas, o sentido de estarmos aqui. Ainda bem que sempre são bons os motivos. Pelo menos os meus.
Fiz o que tinha que ser feito. Esta era uma luta diária dentro de mim... Mesmo porque era algo tão antigo, tão passado, tão distante. Só que ficava cutucando, mexendo, indagando. Parecia uma voz na minha cabeça a me cobrar respostas. Respostas que eu não tinha.
Ao abrir meu coração e soltar o pássaro preso em mim, estou me dando a chance de recomeçar. De reconstruir. Confesso que gostaria de terminar a minha construção com os velhos tijolos... Mas sei que não será assim. Há no mínimo um milhão de razões para não ser. Mesmo que fosse possível. Porque o que está feito, está feito. Não se destrói o que é perfeito.
Da minha janela, vejo o céu. Daqui a pouco, um enorme avião passa sobre minha casa. Meu pensamento voa com ele. Para as nuvens. Nuvens que fazem desenhos de algodão na despedida. A escritora caipira, de certa forma, deixa de existir. Não faz mais sentido.

Fonte:
http://sorocult.com/el/colunistas/deb_b/domingo.htm

Nenhum comentário: