segunda-feira, 12 de maio de 2008

Sergius Gonzaga (A Importância da Literatura)

No Brasil, até o início dos anos de 1960, a leitura de textos literários era considerada uma obrigação natural por parte de professores e de alunos, não havendo quem questionasse o sentido do ato de ler. Há que se entender que, em nosso país,, o livro exercia desde o século XIX inúmeras funções, particularmente para os grupos sociais privilegiados:
A) era a mais perfeita forma de lazer;
B) era uma insubstituível fonte de conhecimento humano;
C) era o próprio espelho da nação, no qual a pequena elite letrada se reconhecia;
D) era o modelo supremo de correção e elegância do idioma pátrio.

A década de 60 trouxe uma importante universalização e democratização do ensino, permitindo que outras classes - que não apenas as privilegiadas - tivessem acesso ao saber. Estes novos atores sociais, no entanto, provinham de um mundo sem livros e com referências culturais muito pobres. E antes que a tradição de leitura se incorporasse às suas existências, foram atraídos pela poderosa indústria cultural que se implementava na mesma época. Esta indústria, centrada na tevê e no disco, conquistou, de imediato, consideráveis parcelas da população recém-alfabetizada. As necessidades de lazer, entretenimento e informação - que todo indivíduo escolarizado possui - foram preenchidas por estes meios audiovisuais. E a leitura perdeu a guerra pela audiência, convertendo-se numa espécie de atividade refinada de alguns poucos nostálgicos.

Até mesmo as elites, abandonaram parcialmente o seu antigo amor - que lhes oferecia uma constelação de imagens e de visões de mundo -, trocando-o por uma sub-arte digestiva e fácil, produzida pelos meios de comunicação de massa. Contudo, esta situação não deve ser considerada como a emergência do apocalipse. Primeiro, porque nunca foram produzidos tantos livros como atualmente. Segundo, porque nunca se exigiu tanta qualificação intelectual dos jovens para vencer no mercado de trabalho. Terceiro, porque os professores - passado um período de desencanto e ceticismo - perceberam que podiam reinventar a leitura com seus alunos, desde que agindo com criatividade e persuasão.

Livros a granel e relativamente acessíveis; alunos que precisam se preparar do ponto de vista lingüístico e cognitivo para uma sociedade globalizada, onde apenas os altamente capazes do ponto de vista cultural irão triunfar; e professores preparados para provocar e seduzir seus discípulos com leituras vibrantes, prazerosas e vitais; eis os três elementos que sustentam o contínuo renascimento do gosto pela leitura nas escolas brasileiras.

José Hildebrando Dacanal assinala a importância da literatura em nossos dias:

É indiscutível que, mesmo na era das imagens e dos meios de comunicação de massa, a literatura preservará, como toda a arte, sua função de símbolo e documento do passado e desempenhará - enquanto a humanidade for a mesma - o papel pedagógico que sempre a caracterizou. Não apenas no sentido restrito da sala de aula, mas principalmente no sentido amplo e universal de instrumento de aquisição de conhecimento e diferenciação da elite em relação à massa, mantendo-se, pois, como relicário* da língua e como um espelho monumental da nação.
* Relicário: objeto onde se guardam relíquias

Em depoimento magnífico, o peruano Mario Vargas Llosa insiste no valor da literatura em comparação com outras atividades:

Em nossa época se escrevem e publicam muitos livros, mas já ninguém acredita que a literatura sirva para alguma coisa, a não ser para evitar que as pessoas se aborreçam muito nos ônibus ou no metrô, e para que, adaptada para o cinema e a televisão - se for sobre marcianos, horror, vampirismo ou crimes sadomasoquistas -, se torne televisiva ou cinematográfica. Para sobreviver, a literatura tornou-se light. É um erro traduzir essa noção por "leve" porque, na verdade, ela significa" irresponsável" e, muitas vezes, "idiota".

Se o objetivo é apenas o de entreter e fazer com que os seres humanos passem momentos agradáveis, perdidos na irrealidade, emancipados do inferno doméstico ou da angústia econômica, em descontraída indolência intelectual, as ficções da literatura não podem competir com as oferecidas pelas telas de cinema ou tevê. As ilusões forjadas com a palavra exigem a participação ativa do leitor, um esforço de imaginação e, às vezes - quando se trata da literatura moderna -, complicadas operações de memória, associação e recriação, algo de que as imagens do cinema e da tevê dispensam os espectadores. E, por isso, os espectadores se tornam cada vez mais preguiçosos, mais alérgicos a um entretenimento que requeira esforço intelectual.

Digo isso sem a menor intenção beligerante contra os meios audiovisuais, e a partir da minha condição de apreciador de cinema - vejo dois ou três filmes por semana - e que também gosta de um bom programa de tevê (essa raridade). Mas, justamente por isso, afirmo que nenhum dos filmes que vi me ajudou a compreender o labirinto da psicologia humana como os romances de Dostoievski. Ou os mecanismos da vida social, como os livros de Tolstói e de Balzac, ou os abismos e os pontos altos que podem coexistir no ser humano, como me ensinaram as obras de um Thomas Mann, um Faulkner, um Kafka, um Joyce ou um Proust.

As ficções apresentadas nas telas são intensas por seu imediatismo e efêmeras por seus resultados. Prendem-nos e nos liberam quase de imediato. Das ficções literárias, nos tornamos prisioneiros da vida toda, porque o resultado de uma boa literatura é sempre posterior à leitura - um efeito deflagrado na memória e no tempo.

Fonte:
http://educaterra.terra.com.br/

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