domingo, 18 de maio de 2008

Ottaviano de Fiore (Livro, Biblioteca e Leitura no Brasil)

1 – O Papel da leitura no desenvolvimento social, econômico e político da Nação.

Em qualquer nação, o sistema da cultura pode ser dividido em problemas "verticais" e "horizontais". Os verticais são as atividades específicas : o cinema, o teatro, as artes plásticas, a música, os museus. Os horizontais são as atividades genéricas, como a leitura, a difusão da cultura geral, a capacitação profissional.

Os problemas verticais afetam principalmente o próprio povo da cultura : artistas, intelectuais, funcionários, empresários da cultura. Os problemas horizontais afetam a nação como um todo.

Entre os problemas horizontais de nossa cultura, a leitura tem um papel essencial e decisivo para o salto civilizatório que o Brasil vem realizando. Não há nação desenvolvida que não seja uma nação de leitores. Desde o operário que precisa ler manuais até o advogado que precisa decifrar o "legalês", passando pelo estudante que enfrenta os exames, o cidadão que enfrenta as urnas, a dona de casa que enfrenta a educação da família, o executivo que enfrenta sua papelada, todos os membros de uma sociedade civilizada são obrigados a utilizar várias formas de leitura e interpretação de livros, jornais, revistas, relatórios, documentos, textos, resumos, tabelas, computadores, cartas, cálculos e uma multidão de outras formas escritas.

É importante perceber que o hábito de leitura de um povo não pode ser considerado igual à sua alfabetização. Saber ler não é suficiente para ter-se familiaridade ou convívio permanente com a leitura -- para obter aquilo que em inglês se chama literacy. Todos os povos civilizados se caracterizam por possuírem uma massa crítica de leitores ativos, isto é, gente que desde a infância adquiriu o hábito de leitura e que todos os dias manipula com facilidade uma grande quantidade de informação escrita. E, por trás dessa diversidade dos tipos e meios de leituras, encontra-se sempre o mesmo objeto, o mais poderoso instrumento do saber jamais inventado pelos homens : o livro. É impossível produzir jornais, computadores, tabelas, anúncios, relatórios e tudo mais sem um longo treino anterior, que só pode ser obtido com os livros.

Não é, pois, exagero afirmar, como Darcy Ribeiro, que o livro foi a maior invenção da História e a base de todas as outras conquistas da civilização. E não é exagero também afirmar que o livro no Brasil não vai nada bem -- apesar de ter todas as possibilidades de superar esta deficiência num curto prazo histórico. Quantos livros os brasileiros lêem por ano? Os indicadores indiretos são eloqüentes. Nos EUA são produzidos 11 livros per capita ano, na França 7 e no Brasil 2,4. Mesmo considerando que boa parte da leitura do Brasil não é feita em livros mas em jornais e revistas, ainda assim lemos muito pouco, se comparados aos países avançados, e muitíssimo menos do que seria necessário para o desenvolvimento do país. O brasileiro informa-se essencialmente pela televisão e oralmente -- com as poucas vantagens e as muitas desvantagens deste fato.

Esta situação é uma ameaça latente e permanente para o nosso desenvolvimento social, econômico e político. É fundamental para o futuro da democracia brasileira estabelecer condições para que, da multidão de jovens pobres que habita as periferias, possa emergir uma massa significativa de pessoas educadas que se integrem nas nossas futuras elites. E para que isto se realize é essencial que esta massa de jovens tenha familiaridade com a leitura. Sem esta familiaridade, sua ascensão social será frustrada, nossa democracia continuará a perigo e nossa sociedade continuará pobre. Este é um fato muito pouco discutido na mídia, que prefere tratar dos saques do MST e da filha da Xuxa. Mas é um problema que os políticos, jornalistas, cidadãos e empresários conscientes devem colocar na pauta de nossas prioridades estratégicas. O Estado, a sociedade e as empresas têm obrigação de compreender o problema, dimensioná-lo, identificar seus fatores críticos e estabelecer programas realistas para resolvê-lo.

2 - Panorama do Livro no Brasil.

Em 1990, éramos cerca de 144 milhões e produzimos em torno de 1,6 livros per capita. Em 1998 somos quase 160 milhões e estamos produzindo perto de 2,4 livros per capita, o que significou uma melhoria real — que pode ser atribuída à estabilização da economia iniciada em 1995. Entretanto, este número manteve-se o mesmo entre 1996 e 1998. No ano 2000, as projeções indicam que seremos 165 milhões e, se o consumo de livros continuar crescendo apenas passivamente, produziremos cerca de 2,5 livros per capita — isto é, estaremos marcando passo.

A situação é, aliás, pior do que pode parecer : Destes 2,4 livros per capita produzidos nos últimos três anos, apenas 0,7 são livros não-didáticos. Ou seja, o livro didático, que é praticamente obrigatório e distribuído gratuitamente pelo governo federal, constitui a imensa maioria dos livros consumidos em nosso país. Pode-se afirmar que, na prática, o único livro que o povo brasileiro conhece é o escolar, e que terminada a escola, ele deixa de ter qualquer contato com este instrumento fundamental para o desenvolvimento social, político e econômico da nação e dos indivíduos.

Duas exceções importantes devem ser registradas. Uma é o livro religioso, que cresce desproporcionalmente aos outros setores, devido à distribuição muito mais eficiente e penetrante que a dos outros gêneros. Outra é o livro infanto-juvenil, às vezes classificado incorretamente como paradidático, que cresceu devido à sua ligação essencial com a escola. Constatadas estas duas exceções, todo o resto – livros de referência, literatura, técnicos, profissionais, científicos – mantém-se dentro dos 0,7% que não crescem com o passar dos anos e não acompanham o crescimento dos outros setores de nossa economia. De fato, na última década, a quantidade de livros per capita no Brasil tem crescido e decrescido na proporção direta do aumento ou da diminuição das compras de livros escolares pelo Estado. O livro livremente comprado pelos cidadãos é um mercado que não se desenvolve.

3 – Os fatores da leitura.

Graças a estudos globais encomendados pela UNESCO, foi possível identificar quais os fatores críticos no estabelecimento do hábito de leitura de um povo ou de uma pessoa. Eles são : (a) ter nascido numa família de leitores, (b) ter passado a juventude num sistema escolar preocupado com o estabelecimento do hábito de leitura, (c) o preço do livro, (c) o acesso ao livro e (d) o valor simbólico que a população atribui ao livro.

Cada um destes fatores, se atacado isoladamente, não resolverá o problema. O livro pode até ser barato mas se não houver pontos de venda ele não será comprado. Ele pode mesmo ser grátis. Mas se não houver bibliotecas ele continuará não sendo lido. A escola pode valorizar a leitura mas se a sociedade não o fizer, o hábito se extingue na saída da escola. E assim por diante. Só programas permanentes que ataquem simultânea e coordenadamente estes cinco fatores poderão produzir o aumento progressivo do consumo de livros e o desejado crescimento da massa crítica de leitores.

(a) O livro na família.

Nascer numa família de leitores é um acidente biográfico bastante raro no Brasil, mesmo entre as famílias de alto poder aquisitivo.

Isto significa que qualquer política de expansão da leitura no Brasil passa pelo estímulo à formação de bibliotecas familiares. Apesar deste ser um ponto sobre o qual é difícil agir, temos bons motivos para não desanimar. Pesquisas realizadas pela Editora Abril Cultural, no início dos anos 80, com compradores de coleções de livros e fascículos vendidos em bancas demonstraram que cerca 60% deles – pessoas de profissões modestas como motoristas, garçons e auxiliares de enfermagem – vêem nestas enciclopédias e coleções, compradas com sacrifício, uma forma de financiar a ascensão social de seus filhos.

Estes pais são heróis culturais anônimos que, após duras jornadas de trabalho, abrem enciclopédias e dicionários sobre a mesa de jantar e estimulam as crianças a se educar e se informar. São poucos, se comparados ao total de nossa população (provavelmente menos de um milhão de pessoas em todo o país). Mas são muitos se forem considerados como aquilo que realmente são – a vanguarda intelectual dos pobres, os agentes ativos e militantes da cultura escrita, reconhecida como instrumento para emergir da pobreza. Esta vanguarda compra cultura escrita para suas famílias porque acredita – com toda a razão – que através dos livros e da leitura seus filhos poderão tornar-se os futuros dirigentes, intérpretes, empresários e cientistas desta nação. Constitui interesse estratégico do país que o sonho destas famílias se realize. Qualquer programa nacional destinado a ampliar o consumo de livros no país deve atingir esta vanguarda espontânea dos pobres, fortalecê-la em suas convicções e melhorar objetivamente suas possibilidades de acesso e de aquisição da cultura escrita.

O apoio a estas famílias poderá ser proporcionado pela (a) escola, por (b) programas estatais e também pelas (c) editoras e empresas jornalísticas que nos últimos anos têm produzido grande número de livros e fascículos anexos destinados às bibliotecas familiares. Utilizando estes meios já existentes -- muitas vezes utilizados para divulgar produtos de baixa qualidade -- Estado, sociedade e empresas devem unir-se num plano nacional para o fomento de bibliotecas familiares de alta qualidade. Um auxilio inestimável a estes programas pode ser proporcionado pela adesão das televisões que, afinal, são concessões públicas.

(b) O livro no sistema escolar.

Os novos parâmetros curriculares elaborados pelo MEC colocaram o problema da leitura e da biblioteca escolar na sua devida importância. Outra questão será a de realizar estes propósitos na prática, em nível municipal e estadual.

Sabidamente, a biblioteca escolar é o patinho feio do sistema educacional. A carreira de bibliotecário escolar sequer existe. Ninguém sabe, de fato, o número total destas bibliotecas, seus espaços de leitura ou sua situação global, do ponto de vista de acervo, performance e resultados. Apenas as Secretarias Estaduais de Educação (e nem todas) estão parcialmente informadas a respeito. Não há também uma política geral de apoio, organização, treinamento e fomento da biblioteca escolar, instituição fundamental para o futuro de qualquer país

Em certas escolas, especialmente as privadas, a situação pode até ser descrita como boa -- mas é quase certo que na maioria é precária. Pior : de certa forma, a obrigatoriedade da leitura didática age mais como desestímulo à leitura do que como fomento. Professores militantes da leitura (eles são muitos e merecem muito mais apoio do que recebem) já perceberam que, depois de terem interessado as crianças na leitura, através de Ruth Rocha, Silvia Orthoff, Maria Clara Machado, Ziraldo e outros autores inteligentes e divertidos, o hábito da leitura declina dramaticamente no colegial. Um dos motivos é que, no colegial, a escola passa a obrigar à leitura dos autores exigidos no vestibular. E estes autores, quase sem exceção, não são nada adequados ao prazer de ler para quem tem 15 anos.

Dado o fato de que o futuro da nação são suas crianças e que estas, mesmo sem pertencerem a famílias de leitores, estão concentradas nas escolas, a questão do estímulo à leitura na escola é o fator crítico mais importante e mais descuidado na criação de um público para o livro brasileiro. Criar um bom sistema nacional de bibliotecas escolares, dotado de bons programas de estímulo à leitura, à imaginação e à cultura geral criará um enorme mercado presente e futuro para o livro, com conseqüências gigantescas na cultura geral, capacitação e empregabilidade de nosso povo.

(c e d) – O preço do livro está ligado ao problema do acesso ao livro.

O livro é caro no Brasil. É caro, se comparado aos preços internacionais, e mais caro ainda, se avaliado pelo poder de compra de nosso povo. O motivo fundamental deste preço são nossas baixas tiragens. Um livro que no exterior é impresso em 30 mil exemplares, no Brasil não passa de 3 mil.

Os motivos para estas baixas tiragens são : (1) a falta de pontos de venda, em especial de livrarias, e (2) a falta de bibliotecas que comprem livros. Vamos examiná-los separadamente.

(1) Nossas livrarias.

A questão da distribuição dos bens culturais -- um típico problema "horizontal" -- não afeta apenas o livro. No Brasil, além de bibliotecas e livrarias, faltam cinemas, teatros, casas de cultura. A rigor, só não faltam lojas de discos, televisões e rádios. A deficiência de distribuição é, pois, um problema de todos os setores de nosso sistema cultural e há mesmo analogias entre os seus vários ramos. Por exemplo, durante um período de vários anos as salas de cinema foram diminuindo no Brasil. Voltam hoje a crescer, graças ao novo sistema de salas multiplex, onde são exibidos preferencialmente os Titanics e Schwartzeneggers. Analogamente, o número de livrarias também declinou por alguns anos e foi seguido pelo crescimento de um novo tipo de cadeias de livrarias de shoppings e aeroportos. São livrarias de alto turnover, dedicadas especialmente a best sellers, auto ajuda, sexo e esoterismo.

Entretanto, mesmo este novo crescimento de discutível qualidade, é insignificante em relação às necessidades nacionais. Para um país de 160 milhões, temos cerca 22 mil bancas de jornal e menos de mil livrarias, a maioria em dificuldades. O problema fundamental não é sequer a falta de clientes, porque basta abrir uma feira de livros para que a venda de livros de certa cidade sofra uma explosão. Mesmo para o nosso livro tão caro, há uma demanda reprimida.

A livraria brasileira tem dois grandes problemas. O primeiro é a ausência de verdadeiras distibuidoras regionais -- espinha dorsal de qualquer rede nacional de livrarias. Se o livro religioso vai tão bem é justamente porque as igrejas possuem excelentes sistemas de distribuição capilar para seus livros. As poucas distribuidoras que existem estão em sérias dificuldades financeiras e de know-how, e as editoras substituem-nas por livrarias-distribuidoras pouco eficientes. Um sintoma promissor é a recente chegada ao Brasil do capital europeu altamente qualificado, representado pela FNAC, que opera na França, Espanha e Portugal e acaba de comprar a megalivraria paulista da Editora Ática. Sua presença em nossas grandes cidades será certamente um fator de progresso. Mas é necessário ter em mente que as megalivrarias, apesar de mundialmente importantes para a indústria livreira, não podem de forma alguma substituir uma verdadeira rede nacional de livrarias e podem até criar um regime indesejado de monopólios.

O segundo problema das livrarias é que, devido aos sistema de distribuição centralizada do livro didático -- que é enviado as escolas diretamente pelo governo -- as livrarias perdem a venda do tipo de livro mais consumido no país.

É necessário pois, estabelecer uma política nacional de fomento às livrarias, seguindo a máxima de José Sarney : "A livraria é um serviço público terceirizado". Esta é uma questão delicada, pouco estudada, mas essencial para o futuro do livro. Uma proposta importante, surgida na Câmara Setorial do Livro e da Comunicação Gráfica, é a criação de um programa especial que permita às 10 mil papelarias do pais voltar a vender livros como elas faziam no passado, antes da venda de livros tornar-se para elas um negócio desimportante e secundário.

As livrarias não são, evidentemente, a única forma de se comprar livros. Eles podem ser comprados por encomenda, como fazem as empresas, em bancas de jornal, onde não há como escolher, por correio (que é caro) ou por crediário porta a porta, uma forma muito comum de vendas na qual concorrem tanto empresas sérias e tradicionais, como a Enciclopédia Britânica do Brasil, com seus excelentes produtos, quanto as piores falcatruas perpetradas justamente contra o público mais pobre, que aspira obter cultura escrita mas não tem critérios de aquisição e de comparação.

Quanto às compras feitas pelas bibliotecas -- que em todo o mundo absorvem parte significativa das edições -- elas são, como veremos, insignificantes entre nós, para não dizer praticamente nulas.

A questão do preço do livro é pois um problema que requer transformações estruturais muito menos ligadas aos fatos da produção do que aos fatos da distribuição. Ele só será resolvido progressivamente com a expansão da rede de livrarias e da rede de bibliotecas públicas e escolares -- expansões estas que permitam aos editores trabalhar com grandes tiragens e economia de escala.

(2) Nossas bibliotecas.

Para obter-se um livro é preciso comprá-lo ou emprestá-lo. Para comprá-lo, é necessária, como vimos, uma vasta rede nacional de pontos de venda. Para emprestá-lo gratuitamente, são necessárias as bibliotecas públicas

Em termos gerais, podemos afirmar que o país dispõe de uma centena de bibliotecas públicas de primeiro mundo, à frente das quais encontra-se a Biblioteca Nacional (a décima biblioteca do planeta) e um vasto proletariado de bibliotecas mal assistidas que, apesar dos esforços às vezes comoventes de seus funcionários, cumprem mal sua função de garantir a nosso povo o acesso gratuito ao livro.

Uma pesquisa realizada este ano pela Secretaria de Política Cultural do Ministério da Cultura, identificou 3 896 bibliotecas públicas em todo o país, em sua esmagadora maioria municipais. Mais de 80% de seu público é formado por estudantes ( indicador indireto da falta de bibliotecas escolares). O acervo da grande maioria destas bibliotecas não é atualizado há vários anos. Essencialmente, elas não compram livros mas sobrevivem com doações, o que significa que estes acervos crescem ao acaso e sem uma política racional de compras, voltada para as necessidades de seus freqüentadores específicos, os estudantes. É fundamental, pois, que, tanto em benefício dos usuários quanto para o fomento da indústria editorial, seja criado para as bibliotecas públicas um fundo de compra de acervo, com a participação do governo (federal, estadual, municipal) da iniciativa privada, da sociedade e de órgãos internacionais.

A situação destas bibliotecas em termos de equipamento é muito má. Basta notar que apenas 356 de nossas bibliotecas possuem computador e mais de 2500 não possuem sequer xerox. Outro dado que demonstra a precariedade da utilização da nossa rede nacional de bibliotecas é o fato de que nem um quarto delas dispõe de Associações de Amigos da Biblioteca -- órgão este sabidamente indispensável para manter viva a biblioteca, ligando-a ativamente à comunidade e à escola. De fato, a maioria não tem sequer programas regulares de treinamento ou de animação cultural (o que tende a transformá-las em depósitos passivos de livros).

Por outro lado, surgiu nestes últimos anos um dado novo e promissor : As prefeituras, para as quais, até alguns anos atrás, a biblioteca pública era a última das necessidades a ser atendida, passaram a vê-la com olhos diversos. Uma pesquisa sobre a demanda cultural dos municípios de Pernambuco, realizada em 1997 pelo Dr. Levy Leite, Delegado do Ministério da Cultura naquele estado, demonstrou que metade desta demanda se refere à criação, acervo, equipamento ou modernização das bibliotecas públicas. E é quase certo que, se realizada nos outros estados, esta pesquisa dará resultados semelhantes. Isto significa que a ascensão social através da aquisição da cultura escrita, apesar de não comparecer nas manchetes dos jornais, faz parte da consciência política dos prefeitos e das famílias.

Assim, se quisermos utilizar nossa rede de bibliotecas como um instrumento da batalha pela difusão popular da cultura escrita, abrem-se à nossa frente dois caminhos: (a) a modernização das bibliotecas públicas e (b) a expansão da rede.

(a) A modernização das bibliotecas existentes :

Considerando o estado de subutilização da rede nacional de bibliotecas, sua modernização, se bem conduzida, permitirá, de imediato, multiplicar pelo menos por cinco o seu número de usuários. Para isto, será necessário implementar programas de :

1 - Treinamento e mobilização de cerca de 13.000 responsáveis.
2 - Criação de uma política de acervos.
3 - Reequipamento e informatização de toda a rede.
4 – Ampliação de público e implantação de programas de incentivo à leitura em todas as bibliotecas públicas do país, coordenados e fomentados pelo PROLER, programa sediado na Biblioteca Nacional, que já identificou mais de 130 programas de incentivo à leitura em todo o Brasil.

(b) Expansão da rede de bibliotecas públicas

Mesmo que tenhamos pleno sucesso na revitalização da rede existente, ainda assim ela é insuficiente para as necessidades de um país de 160 milhões de habitantes. Para atingirmos o nível da Espanha ou da Itália, precisamos de uma rede com 10 mil ou 15 mil bibliotecas públicas. O que significa, no mínimo, triplicar a rede existente, criando com isto pelo menos mais 26 mil empregos. Este objetivo está longe de ser utópico. O México em 10 anos, implantou 5 mil bibliotecas públicas, voltadas em especial para a escola. A Venezuela e a Colômbia realizaram feitos semelhantes e -- em certos aspectos de qualidade -- até mais audaciosos.

Trata-se de um objetivo perfeitamente realizável. Isto foi demonstrado pelo sucesso do programa "Uma Biblioteca em cada Município" sediado na Secretaria de Política Cultural. Em 1966 o programa implantou 45 novas bibliotecas. Este número cresceu para 68, em 1997, e atingiu 212, em 1998. Sendo que neste último ano, até julho, o ritmo de implantação superou a taxa de uma biblioteca por dia (1,7 por dia).

Isto significa que, havendo recursos disponíveis, o Ministério da Cultura pode implantar, no mínimo, 3 bibliotecas por dia -- cerca de mil por ano. Ou seja, se associarmos um programa de modernização das existentes com um programa de implantação acelerada, em 4 anos o Brasil pode duplicar sua rede de bibliotecas públicas e decuplicar seu número de usuários. E em mais 4 anos atingir o nível dos países europeus.

O modelo atual de implantação das novas bibliotecas.

O programa "Uma Biblioteca em cada Município" está sendo realizado através de convênios realizados com as Prefeituras ou Governos Estaduais. O Ministério da Cultura não constrói prédios de bibliotecas -- a não ser no caso das emendas de parlamentares ao programa. Tanto o prédio -- que deve ser próximo à escola ou num lugar de fácil acesso -- quanto a lei de criação da biblioteca, os funcionários e a linha telefônica constituem a contrapartida obrigatória dos Municípios ou do Estado.

O programa repassa às prefeituras ou estados uma verba de até 40 mil reais, destinados à compra de cerca dois mil volumes iniciais e de todo o equipamento, estantes, arquivos, móveis, xerox, vídeo, computador e o que mais for necessário, em cada caso.

Este modelo de implantação difere do mexicano e mesmo do antigo programa do INL porque não realiza uma distribuição centralizada dos acervos. Os responsáveis pela nova biblioteca recebem do Ministério uma carta de recomendação de acervo, que é orientadora mas não obrigatória. Seu compromisso é apenas o de manter um equilíbrio necessário entre as várias categorias de livros -- enciclopédias, técnicos, infantis, literários etc. Como resultado da compra pela própria biblioteca, em alguns estados (como o Maranhão) as aquisições de livros regionais chegaram a 30%, algo que não aconteceria se as compras fossem centralizadas pelo Ministério, que inevitavelmente acabaria comprando quase todo o acervo no Rio de Janeiro e São Paulo.

É importante notar que, apesar deste programa estar sendo um sucesso e de contar com o apoio geral, as novas bibliotecas vão precisar de integração, treinamento e renovação de acervo, tanto quanto as antigas, que foram mais ou menos abandonadas à sua sorte. Isto é, se os programas de apoio e modernização de toda a rede não forem implementados, em pouco tempo as novas bibliotecas estarão na situação das antigas.

Outros modelos de biblioteca.

Alem da biblioteca pública com sede fixa, existem dois outros tipos de bibliotecas que não podem ser desconsiderados : a biblioteca volante e a "mala de livros".

A "mala de livros" é o que melhor se adapta às regiões muito pobres ou às de baixa densidade populacional. Sua vantagem é seu pequeno custo, associado à mobilização espontânea dos leitores. O sistema funciona melhor quando coordenado por uma biblioteca pública. Sua sede pode ser uma casa de família, um estabelecimento comercial, uma igreja. Basta um bom armário com uns cem volumes, que são periodicamente substituídos por um mensageiro da sede central. O armário é controlado pelo próprio dono da casa, que se encarrega dos empréstimos e de seu controle. O sistema funciona muito bem em várias regiões do país, inclusive na periferia de Brasília, e merece ser fortalecido, como um serviço extra das bibliotecas públicas. Nas regiões rurais, o carteiro pode tornar-se um personagem importante deste sistema.

A biblioteca volante, também chamada ônibus-biblioteca, foi introduzida no Brasil, ao que parece, por Mário de Andrade e ainda funciona em São Paulo, onde presta bons serviços. Hoje, o modelo mais bem sucedido do gênero é o "Leia Brasil", um empreendimento privado, financiado pela Petrobras, que, circulando pelas escolas de municípios sem bibliotecas, atinge mais de 300 mil alunos e 16 mil professores.

(e) O valor simbólico do livro na mente do povo.

Este é o último dos fatores críticos listados pela UNESCO como decisivos na implantação do hábito de leitura de um povo.

Ainda não existe uma pesquisa séria a respeito da imagem e do prestígio do livro para nosso povo. Ela deverá ser feita, para nos orientar corretamente. Mas não precisamos dela para começar a trabalhar. Também não havia pesquisa a respeito de nossa rede nacional de bibliotecas antes de iniciarmos o programa "Uma Biblioteca em Cada Município". Ela foi realizada simultaneamente ao trabalho de implantação das novas bibliotecas.

As únicas campanhas recentes em favor do Livro e da leitura foram realizadas pelo MinC e pelo MEC.

Em convênios com os grandes municípios e a Associação Nacional de Livrarias, o MinC realiza já há três anos, no mês de Novembro, a campanha "Paixão de Ler", que se iniciou em quatro capitais e já existe em 22. A campanha difere em cada cidade mas é sempre organizada a partir das bibliotecas públicas e é dirigida, em especial, para os professores e estudantes. O MinC contribui com a divulgação, cartazes e folhetos, alem de um "bônus-livro", distribuído pelas bibliotecas, através do qual os professores podem adquirir o livro que desejarem, em qualquer livraria. Já foram distribuídos mais de 50 mil destes bônus. Este ano, o MinC pretende cobrir todas as capitais do país, em especial suas periferias.

O MEC, no ano passado, usando a televisão, realizou a campanha "Ler é Viajar". Entretanto, é evidente que estes eventos meritórios só terão influência sensível nos hábitos da população se, contando com o apoio da televisão, forem substituídos por programas permanentes de difusão, propaganda e convencimento. De todo os trabalhos necessários em favor do livro e da cultura escrita ,este é certamente aquele que menos progrediu e aquele que ainda pode render muitos frutos – se fugir da mera publicidade em si mesma e se tornar um instrumento integrado aos outros programas acima mencionados, testemunhando os esforços realizados pela nação, sugerindo sua multiplicação, engajando o povo, as famílias, as escolas, os sindicatos, as igrejas e as empresas.

4 - Que fazer?

Como vimos, a ampliação contínua do hábito de leitura, a expansão significativa da indústria editorial e a conseqüente queda do preço do livro só poderão ser obtidas por um conjunto simultâneo de medidas diretas e indiretas adotadas pelo Estado, pelas empresas e pela Sociedade.

A Câmara Setorial do Livro e da Comunicação Gráfica, onde foi reunida boa parte da informação acima apresentada, apresentará em breve alguns resumos de seu trabalho e as respectivas sugestões. Mas desde já podemos ressaltar alguns pontos fundamentais, em torno dos quais deveremos desenvolver programas específicos de ação. Os mais importantes parecem ser:

a – Estabelecer programas conjuntos com os municípios e os estados destinados a expandir a rede de livrarias. Os principais atores destes programas são : a Associação Nacional de Livrarias, o Fórum Nacional dos Secretários de Cultura, o MICT, o MinC, o MEC, as editoras, a Associação Nacional de Papelarias e o Congresso Nacional.

b - Programas de ampliação e barateamento da venda de livros pelo Correio e outros meios que não livrarias. Atores : Correio, editoras, MICT e MinC.

c- Programas de desenvolvimento das bibliotecas familiares. Atores : Comunicação Social da Presidência, MinC, MICT, editoras, empresas jornalísticas, televisivas e Congresso Nacional.

d - Programas de incentivo à leitura na escola básica. Atores : MEC, MinC, editoras, sindicatos de professores, PROLER.

e - Programas de difusão dos livros paradidáticos nas salas de aula da escola básica. Os mesmos atores mencionados em (d).

f – Criação de uma programa nacional de bibliotecas escolares. Atores : MEC, MinC, editoras, Associação Nacional de Livrarias, sindicatos de professores.

g – Modernização, ampliação e treinamento da rede nacional de bibliotecas públicas. Atores : MinC, MICT, MEC, Ministério do Trabalho (FAT), Conselho Federal de Biblioteconomia, FEBABE, UBE e Sistema Nacional de Bibliotecas (BN).

h – Implantação de programas de incentivo à leitura nas bibliotecas públicas. Atores : MEC, MinC, PROLER, editoras e FAT.

i - Regionalização das feiras de livros. Atores : Editoras e Fórum Nacional de Secretários de Cultura.

j – Nova formatação do anteprojeto da "Lei da Leitura, do Livro e da Biblioteca" apresentado pela Câmara Setorial do Livro e da Comunicação Gráfica e utilização deste anteprojeto como bandeira para o item seguinte, que é :

k – Um programa permanente de propaganda da leitura, do livro e da biblioteca. Atores : MinC, MEC, CFB, FEBABE, editoras, UBE, Sindicatos e Câmara Setorial.

l – programas de financiamento reembolsável das pequenas editoras. Atores : MICT, BNDS, Caixa Econômica, MinC.

m – programas de capacitação da mão-de-obra para editoras, livrarias e gráficas. Atores : SENAI, CNI, editoras, ABIGRAF e Câmara Setorial (que já produziu um Manual de Orientação da Produção Editoral - MOPE).

Estas sugestões desenvolvidas na Câmara Setorial não representam tudo o que se pode fazer pelo livro e pela leitura. Mas se começarmos a trabalhar a sério nestes programas, coordenando-os num único movimento, certamente estaremos dando ao nosso povo um poderoso instrumento de acesso ao livro, à cultura escrita e, portanto, ao progresso social, econômico e político de nossa nação.

A rigor já sabemos o que fazer, o resto aprenderemos fazendo.

Fonte:
http://www.ebookcult.com.br/ebookzine/livrobibliotecaeleituranobrasil.htm

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