domingo, 8 de junho de 2008

A. A. de Assis (Trovas Brincantes)



01.
Teu beijo, pela Internet,
vem sempre com tal calor,
que qualquer dia derrete
meu pobre computador!
02.
Trova é bom para a saúde,
faz amigos, dá prazer.
Talvez até nos ajude
a esquecer de envelhecer...
03.
A velhice não perdoa
quem da alegria se furta...
– Curta a vida numa boa,
porque a vida, amigo, é curta!
04.
Na minha idade se diz
que a prudência sai de cena.
Se há chance de ser feliz,
todo risco vale a pena.
05.
Veja a mata: é lindo o verde;
veja o céu: o azul é belo.
Por que é que então eu vou ter de
manter o humor amarelo?...
06.
Moderna e esperta, a formiga
à cigarra se juntou:
– uma canta, enquanto a amiga
monta o circo e vende o show...
07.
Fim do filme... Na saída,
pergunta à pulga o pulgão:
– Voltamos a pé, querida,
ou vamos tomar um cão?
08.
Finalmente um cão bilíngüe,
que, além do nativo au-au,
se expressa e até se distingue
fluentemente em miau...
09.
No carrão recém-comprado
da motorista barbeira:
"Atenção, muito cuidado...
amaciando carteira!"
10.
Da formiga ao boi colosso,
dando um chega no bacana:
– Por sorte sua, seu moço,
eu sou vegetariana!
11.
Como foi, como não foi,
conte dois que eu conto um...
Num belo inglês, diz o boi,
olhando a Lua: moon... moooon...
12.
Porco sofre: além do nome,
que o deixa triste e avexado,
quem o frita e à mesa o come
chama o pobre de "capado"!
13.
Esse tal de capital
deixa todo mundo louco.
– Dinheiro faz muito mal...
sobretudo quando é pouco!
14.
O nobre faz e acontece,
porém me responda, ó meu:
se o trabalho é que enobrece,
como é que ele enobreceu?...
15.
Diz o sábio, e quase chora,
por modéstia ou caçoada:
– Sou doutor "honóvis fora";
quer dizer: doutor em nada!
16.
Não te cases por dinheiro...
sai dessa... tô te falando...
Afinal, qualquer banqueiro
empresta a juro mais brando!
17.
A mulher, que é toda encanto,
lembra a abelha, meiga e boa:
dá mel gostoso; no entanto,
se for preciso, ferroa!
18.
Num momento de euforia,
cedemos-lhe uma costela.
Fomos cedendo... e hoje em dia
quem manda no mundo é ela!
19.
Muito cara que se julga
ladino, culto, elegante,
no fim não passa de pulga
com mania de elefante!
20.
Uma andorinha, voando,
sozinha, não faz verão...
Passando, no entanto, em bando,
chove "adubo" em profusão!
21.
Corre a bola, deita e rola,
salta de pé para pé...
Quica, requica, rebola,
no grito do povo: – olééé!
22.
No reino dos passarinhos,
joão-de-barro é o burguesão:
– de todos os seus vizinhos,
só ele mora em mansão...
23.
Pernilongo em meu ouvido
faz zunzum... zunzum... zunzum...
Julga-se, ao certo, o exibido
chofer de fórmula um...
24.
Procura-se ortopedista,
de preferência letrado,
pra vaga de especialista
em versos de pé quebrado...
25.
Criança que muito apronta
exige rigor dos pais:
– Água mole não dá conta,
se a pedra é dura demais!
26.
O povo sempre descobre
metaforinhas incríveis:
couve-flor: "repolho nobre";
as hortas: "jardins comíveis..."
27.
Perdoe-me se ofensa for,
mas couve-flor, certamente,
não é nem couve nem flor:
é só um repolho emergente...
28.
Pediste, na "vez passada",
que eu melhorasse a comida...
Pois hoje está caprichada:
vou servir "vespa cozida"!
29.
Menininho, numa prova,
sabiamente assim se exprime:
– Lua nova?... Lua nova
é a cheia que fez regime!
30.
De um caboclo perspicaz
ensinando a geografia:
– O "çul" fica sempre atrás...
com "cedia" ou sem "cedia"...
31.
É natural que aconteça,
ao cometa e a certa gente,
por ter pequena a cabeça,
mostrar a cauda somente...
32.
Pastel, pudim, rabanada,
e o mais que te apetecer...
Nada disso engorda nada:
basta apenas não comer!
33.
Pra casar moça bonita,
carece exibi-la não...
Que nem lá no Sul se dita:
"Bom vinho escusa pregão!"
34.
Já não suporta a trutinha
o que a todo instante escuta:
alguém chamando-a, tadinha,
de bela filha... da truta!
35.
O acento é muito importante,
e este exemplo o evidencia:
– Para um cágado é bastante
uma cágada por dia...
36.
O sapo coaracoacoacha
ante a sapa, sua estrela.
– Ela é um poema, ele acha,
e estufa-se todo ao vê-la!
37.
Dor no velho e na velhinha,
cada dia é num lugar:
nas cadeiras ou na espinha,
na nuca ou no calcanhar...
38.
Até os sessenta se assunta:
– Como vai, meu grande herói?
Depois é outra a pergunta:
– Olá, meu velho, onde dói?
39.
Misto de sábio e de herói,
ensina o pobre de leve:
– Quem de seu nada pissói
é o que mais tranquilo veve!
40.
Vaga-lume é um belo bicho;
tem no entanto algo incomum:
por esquisito capricho,
traz o farol no bumbum...
41.
Entre o passado e o futuro,
mudou o amor um bocado:
– o que o vovô fez no escuro,
faz o neto escancarado!
42.
Lingüiça das boas, uai,
faz-se assim, vovó dizia:
do porco a tripa se extrai;
na tripa o porco se enfia.
43.
Ah, como é útil a avó,
com seus cuidados e afetos!
Já o avô, serve tão-só
pra ensinar besteira aos netos...
44.
Avó é a mãe que imagina
que a sua parte já fez...
mas, quando a missão termina,
começa tudo outra vez!
45.
Mas ora-ora, dirás,
é fácil ouvir estrelas...
– Quem leva um chute por trás,
além de as ouvir... vai vê-las!
46.
– Na briga lobo-cordeiro,
qual deles terá razão?
– Depende, meu companheiro,
de qual dos dois é o patrão...
47.
Os gaúchos, mui serenos,
dizem rindo: – Calma, irmão...
Se o mundo tá mais ou menos,
então tá louco de bão!
48.
Eis um problema intrigante,
ainda sem solução:
– O touro é um bode gigante,
ou o bode é que é um touro anão?...
49.
Até na fauna há esse horror
da diferença aqui exposta:
– Há o esperto: o beija-flor,
e há o coitado: o vira-bosta!
50.
Dizem que em boca fechada
não entra mosca... sabia?
Também não entra mais nada:
deixa a barriga vazia...
51.
Se de jeca lhe dão nome,
ele responde: – "Tá bão...
Mas, se ocê não passa fome,
é graças ao meu feijão!..."
52.
Esta é uma antiga lorota,
que jamais se esclareceu:
– Se Judas nem tinha bota,
como foi que ele a perdeu?...
53.
Quando se casa a enteada,
mais a madrasta se ouriça:
Além de "mãe emprestada",
agora é "sogra postiça"...
54.
De longe se escuta o eco
da turma de cara cheia,
no alvoroço do boteco
pondo em dia a vida alheia...
55.
Só dos homens e dos grilos
a mulher tem medo ainda:
– dos grilos, porque são grilos;
dos homens... porque ela é linda!
56.
De grão em grão a galinha
enche o papo, e não tão-só:
também enche "o" da vizinha
com o seu cocorocó...
57.
Quem com vida dá banquete,
mas não convida o povão,
finda a vida, um alfinete
pode furar-lhe o balão!
58.
O bom discurso amoroso
dispensa texto comprido.
Basta um "te gosto" gostoso,
murmurado ao pé do ouvido...
59.
A ciência hoje é um colosso,
com tudo fora de centro:
faz laranja sem caroço,
gravidez sem filho dentro...
60.
Passo à frente este estribilho
que escutei de um pai grisalho:
– Dá trabalho pro teu filho,
que ele não te dá trabalho...
61.
Era um guri tão terror,
que a escola inteira o temia.
Cresceu... virou professor...
paga com juro hoje em dia!
62.
Se tens filho, escuta aqui,
que um lembrete eu vou deixar-te:
– Guri que já faz guri,
se fica solto, faz arte!...
63.
É uma atitude marota,
ambígua e um tanto arriscada
perguntar a uma garota
se ela quer jogar "pelada"...
64.
Não há diferença alguma
se a festa é pobre ou de gala.
– Tanto noutra quanto numa,
quem bebe demais se rala!
65.
Cuidado, amigo, atenção...
não beba o primeiro trago.
– Quando se escuta o trovão,
o raio já fez o estrago!
66.
Atrás das "outras" não perca
o seu juízo... cuidado!
Boi que muito pula cerca
volta um dia "desfalcado"...
67.
Nem o amor nem a amizade
resistem se entre os parceiros
não existe afinidade
nem de roncos... nem de cheiros...
68.
Me desculpe se isto aflige-a,
mas o progresso endoidou:
mais premia a calipígia
do que a moça que estudou!...
69.
Segura, peão, segura,
que a vida é um grande rodeio...
É bela, no entanto é dura,
com muitos trancos no meio!
70.
O candidato se inflama,
promete mundos e fundos.
Cai do coreto... na lama:
sai com seus fundos imundos!
71.
O bom cabrito não berra;
gato sabido não mia...
Menos sofre e menos erra
quem menos fala hoje em dia.
72.
"Tem o amor certas razões
que nem a razão conhece."
– Por exemplo: as emoções
que um gordo cheque oferece...
73.
Morre o peixe quando aboca
seu jantar com muito anseio...
Sobretudo se a minhoca
traz anzol como recheio!
74.
Água parada, ao moinho
não move... nem moveria.
Somente serve de ninho
para mosquito dar cria...
75.
Canarinho, quando canta,
que será que o faz cantar?
– Sei lá... mas a mim me espanta
que ele cante sem cobrar...
76.
Disse-me um dia um vovô,
todo prosa e convencido:
– Me sinto que nem ioiô
nas mãos do neto querido!
77.
Se tal força o avô tivesse,
o neto não cresceria:
– crescendo, desaparece,
e leva junto a alegria...
78.
Pica-pau, sossega o taco...
faz uma pausa, ó carinha!
Teu toque-toque enche o saco
da passarada inteirinha...
79.
De biquíni ou minissaia,
a verdade se revela...
– Não há mentira na praia:
feia é feia, bela é bela!
80.
Mosquito para a mosquita,
nadando na sopa quente:
– Eta piscina bonita...
a pena é que engorda a gente!
81.
O cravo, ao que se comenta,
coisou a flor do vizinho...
A rosa, toda ciumenta,
fincou-lhe na coisa o espinho!
82.
De todos ela atraía
mil sorrisos, mas... que dó:
casada, sofre hoje em dia
os maus homores de um só...
83.
A laranja era tão doce,
que o limão ficou com medo:
– por inveja, ou lá o que fosse,
acabou ficando azedo...
84.
Muito teimosa, a franguinha
com um ganso se casou.
Ao ter um ovo, tadinha...
de cesárea precisou!
85.
O que faz a boca torta
é o cachimbo – assim se diz.
Quem bate a cara na porta
entorta a boca e o nariz!
86.
O gavião sobe e some,
que nem certos liderinhos.
Só desce quando tem fome...
pra comer os passarinhos.
87.
Eis um dito dos mais sábios
para tempo de eleição:
– Discurso fácil nos lábios,
mentira no coração!
88.
Quando a eleição se avizinha,
dando início à falação,
de ovo em ovo a galinha
municia a oposição...
89.
Assim como faz o gato
para o cocô não feder,
muito ilustre candidato
tenta o passado esconder...
90.
Ao fim de qualquer mandato,
somando-se o dito e feito,
no saldo exibe o relato
muito mais dito que feito...
91.
O ex-chefe ao novo espicaça,
e insulta, e provoca, e xinga...
– É o outro agora a vidraça;
ele o estilingue... e se vinga!
92.
Muito sepulcro caiado,
que bota pose de puro,
no claro é distinto e honrado...
mas como apronta no escuro!
93.
Li num muro, em sábio piche,
que "a virtude está no meio".
De fato: "do sanduíche,
o mais gostoso é o recheio"...
94.
Papai Noel é, de fato,
um puxa-saco... ah se é:
para alguns dá até o sapato;
para os demais, só o chulé...
95.
Sempre que ensaia um passeio,
assim se apresta o janota:
reparte o cabelo ao meio,
bota a calça, calça a bota.
96.
Rodo, rodo, rodo, rodo,
devagar a divagar...
divagando sobre o modo
menos vago de vagar...
97.
Tão boa é aquela senhora,
tão generosa e tão pura,
que nem passando a ter nora
perdeu jamais a ternura...
98.
Pergunto: – Serás a lenda
que eu vi no mar e na areia?
Se rindo, linda, ela emenda:
– Não sou ainda... sereia!
99.
No quintal da casa em frente,
mora um meigo sabiá...
Mando um beijo e ele, contente,
manda um gorjeio de lá!
100.
Poeta, à porta do Pai,
entra fácil, certamente.
Se São Pedro se distrai,
São Francisco empurra a gente!

Fonte:
ASSIS, Antonio Augusto de. Trovas Brincantes. Setembro de 2004.
Portal CEN
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